A luta
política dos Alencar no sertão teria começado em 1710, há exatos 303 anos,
quando os irmãos portugueses Leonel, Alexandre, João Francisco e Marta,
perseguidos pela Coroa portuguesa, se instalaram no pé da Serra do Araripe,
entre as capitanias do Ceará e de Pernambuco. A chegada deles deu início a
divergências com outras famílias.
Uma
neta de Leonel, Bárbara de Alencar, que viria a ser avó de José de Alencar,
autor de O Guarani, se destacou com seus filhos na Revolução de 1817, contra a
Coroa. Foi presa e torturada. Viveu dois anos numa cela empesteada de pulgas e
ratos. Liberta, veria sete anos depois, em 1824, o filho seminarista José
Martiniano proclamar a República na praça do Crato, no Ceará. À frente do
governo da capitania estava um Sampaio. A tropa do governador Inácio Manuel
Sampaio fuzilou dois filhos de Bárbara – Tristão e Carlos José –, um irmão,
Leonel, e um sobrinho, Raimundo.
Selo comemorativo à heroína Barbara de Alencar
A
matriarca Bárbara era símbolo de um mundo caboclo que resolvia as pendências no
punhal e, ao mesmo tempo, de ideias iluministas que conquistaram França e
Estados Unidos. Essas ideias chegaram ao universo de Bárbara por meio de amigos
padres que passaram pelo seminário de Olinda. Vista como legítima representante
do Brasil, sem trocadilhos, bárbaro, ela é apresentada ainda como a mulher que
desafiou homens da família Sampaio por se opor a perseguições de índios, padres
e negros.
A rixa entre os Alencar e os Sampaio voltou a recrudescer na manhã
do dia 10 de abril de 1949. Foi nesse dia que houve um tiroteio em Exu no qual
morreram o coronel Romão Sampaio e Cincinato de Alencar. O filho de Cincinato,
Francisco Aires de Alencar, saiu ferido. "Francisco, meu marido, ficou 30
anos e três meses paralítico", conta Diva de Alencar Parente, 79 anos, em
frente ao casarão da fazenda Gameleira, que pertenceu a Gualter Martiniano de
Alencar, barão de Exu. O diploma do barão está na parede de um metro de
espessura da casa que fica no alto de uma colina, no começo da Serra do
Araripe. O Barão era sobrinho de Bárbara de Alencar, avô de Cincinato e bisavô
de Francisco , que morreu de diabetes em 1979 .
Guálter Martiniano de Alencar Araripe, Barão do Exu
Francisco
Aires de Alencar Filho, trineto do barão, foi mandado para Recife pela mãe,
Diva, com intuito de estudar e não se envolver na guerra com os Sampaio.
Formado em engenharia, Francisco classifica a luta como "fruto da
ignorância". "Quando o Estado está presente, a coisa muda",
afirma o representante da oitava geração da família.
José Arêz Alencar, filho adotivo de Diva, levou 11 tiros numa emboscada no Recife, mas sobreviveu. "Do nosso lado morreram 11. Do lado deles morreu menos gente", calcula a matriarca dos Alencar. "Tinha de dar uma parada. Quando entendia que matava um do lado de cá, morria outro do lado de lá. Não dava jeito", lembra. Ela se recorda também de Santana, moça clara, pele bem parecida com as dos descendentes do barão. "Santana, a mãe do Luiz Gonzaga, não assinava como Alencar, mas dizem que era filha do barão", conta Diva.
Ana
Batista de Jesus, conhecida por Santana, era filha de José Moreira de Alencar,
parente do barão, com uma cabocla cearense, Efigênia. Em 1909, Santana casou-se
com o músico Januário. O casal vivia numa casa de taipa nas terras do barão
quando nasceu o filho Luiz Gonzaga.
Pacificador. O
Rei do Baião entra nesta história porque, a partir dos anos 1970, tentou
pacificar as famílias de Exu. Era aceito como mediador graças ao seu sucesso
como cantor no sul e porque não tinha sangue Sampaio nem era considerado um
Alencar das duas primeiras castas – dos nobres e dos intermediários. Gonzaga
descendia dos Alencar "misturados". "Era só cheio de
graça", lembra Diva.
Fazenda Araripe, berço dos Alencar
Dura um
dia a negociação para o empresário Jusiê Sampaio dar sua versão da luta de
famílias. A filha dele, Jaciane, diz que o pai não concede entrevista por temer
a volta do conflito. Uma emboscada deformou o rosto de Jusiê – ele ainda perdeu
dois irmãos na guerra. Argumenta que falar do passado é trazê-lo para o
presente. Jusiê só aceitou conversar mais tarde, quando ficou claro que o
objetivo da entrevista era apenas falar de sua mediação, juntamente com o
cardeal-arcebispo de Salvador, dom Avelar Brandão Vilela, e Luiz Gonzaga, para
pacificar a cidade.
Ele
conta que foi em 7 de agosto de 1978 que sofreu uma emboscada de quatro homens.
Estava numa caminhonete com Jaciane quando os pistoleiros atiraram. "Nunca
contei quem atirou em mim. O pessoal me aperreava. Decidi até hoje guardar
segredo", afirma. "Meu medo era ver um filho meu ir vingar a
emboscada e ir matar. Preferi ser chamado de covarde a ser apontado como um
homem que matou alguém ." Numa
sociedade regida pelas leis da honra, Jusiê enfrentou resistência até mesmo
dentro de casa após escapar da emboscada. "Preferia ver meu filho
morto", disse sua mãe, Rosemira, ao ver seu rosto deformado.
Rosemira
é sobrinha do coronel Romão Sampaio, morto no tiroteio de 1949. Romão, por sua
vez, era filho do coronel Romão Filgueira Sampaio, intendente de Salgueiro em
1867 e primeiro prefeito da cidade (1892-95), que esvaziou o poder do coronel
Manuel de Sá – um ex-coletor de impostos da Coroa portuguesa no Semiárido,
descendente de dom Diniz, rei de Portugal, e da rainha Isabel, da Espanha .
Localização de Exu no estado de Pernambuco
Os descendentes de Bárbara de Alencar correram o mundo e atuaram
em papéis importantes na história do Brasil. Da matriarca descendem
republicanos e monarquistas, getulistas leais e adversários ferrenhos de
Vargas, intelectuais do Partido Comunista e generais do regime militar, aliados
de Lula e tucanos, gente da esquerda e da direita. Raquel de Queiroz, autora de
O Quinze, não esqueceu da matriarca ao idealizar Maria Moura, a protagonista do
romance. Ela própria, Raquel, como Bárbara, foi presa política, na ditadura
Vargas, em 1937 .
Foi em
outra ditadura, em 1964, que um descendente de Bárbara chegou à Presidência. Ao
assumir o governo, o marechal Humberto de Alencar Castelo Branco recebeu carta
de Antoliano Alencar, de Exu, pedindo que intercedesse por outro parente: o
então governador de Pernambuco, Miguel Arraes de Alencar, adversário do novo
regime. "Nunca tive, não tenho e Deus me livre de ter tendências
comunistas. Espírito conservador, feliz herança de nossos ancestrais que guardo
e conservo como joia de valor inestimável, aqui estou perante o cidadão
Humberto de Alencar Castelo Branco pedindo que interceda a favor de Miguel
Arraes de Alencar, para que se conserve intacta a lealdade e a coragem com que
sempre agiram os Alencar de uns para os outros", escreveu .
"Não
peço a defesa de Miguel político, homem de Estado, mas a defesa da raça Alencar
no Brasil de que V. Exa. é a expressão mais legítima", completou. "As
Forças Armadas cumprem o seu dever com independência, bravura e altivez. No dia
primeiro depõem do cargo de governador de Pernambuco e prendem um Alencar, mas
depois, por que põem na Presidência da Republica um Alencar? Porque os Alencar
são leais e sinceros. "
Miguel Arraes e Castelo Branco
Hoje,
os Alencar de Exu não veem com bons olhos a parceria do governador de
Pernambuco, Eduardo Campos, neto de Arraes, com Zilclécio Pinto Saraiva, chefe
dos Sampaio-Saraiva. Na cidade, os partidos nacionais são ofuscados por dois
grupos políticos: o Boca Branca, da família Alencar , e o Boca Preta, dos
Sampaio e Saraiva.
Em
época de eleição, PT, PSDB, PSB, PMDB ou DEM são siglas que só cumprem uma
formalidade no registro dos candidatos. Um Alencar ou Sampaio pode mudar do PT
para o DEM sem traumas. Mas nunca passar de Boca Preta para Boca Branca, ou o contrário.
Embora os Alencar gostem de divulgar a história de que o Barão de Exu libertou
seus escravos bem antes da Lei Áurea, foi a família Sampaio que ficou associada
ao eleitorado negro, pobre, de Exu. O coronel Romão, morto no tiroteio de 1949,
é considerado o pai do Boca Preta. Parentes do coronel dizem que, agora, a
divergência com os Alencar só ocorre dentro das regras democráticas.
Se o
acordo de paz entre as famílias não tivesse sido selado, a luta poderia se
exaurir por decisões tomadas no cartório de registro de civil da cidade. Pais
de família registravam os filhos com o sobrenome do clã rival ou evitavam
colocar os seus próprios sobrenomes nos recém-nascidos para garantir a
"neutralidade" das crianças. Três irmãos de Jusiê Sampaio foram
registrados como Alencar, orientados por um tabelião. A filha dele, Jaciane
Queiróz Peixoto, hoje professora, não tem o sobrenome Sampaio.
Em Exu,
a geração anos 1980, hoje na faixa dos 30 anos, vive entre a memória de sangue
dos mais velhos e a expectativa de um desenvolvimento que só é realidade em
cidades médias como Salgueiro e Petrolina. Foi para lá que muitos jovens das
famílias Alencar e Sampaio foram em busca de trabalho no comércio formado em
volta dos grandes projetos do governo federal .
Luiz Gonzaga em Exu no ano 1988
Na
avaliação de Alexandre, a música de Luís Gonzaga, que no passado ajudou a
pacificar as duas famílias, agora poderia garantir dias melhores para os
moradores. "Deveríamos explorar o ícone Luiz Gonzaga", afirma.
"O berço do forró é aqui", ressalta. Alexandre diz que o museu
dedicado ao Rei do Baião está nas mãos da família de um empresário do cantor.
Reclama que o axé e outros ritmos "estrangeiros" tomaram o espaço da
sanfona do Rei do Baião. Alega que só a música de Luiz Gonzaga é capaz de
"agregar valor" e acabar com o clima de angústia do pós-guerra.
"É como se agente vivesse perto de um vulcão adormecido. Aqui, uma palavra
pode causar um impacto muito grande."
A mesa
onde Luiz Gonzaga tentava resolver o conflito secular está na antiga casa do
sanfoneiro, em Exu. "Ele sempre foi uma pessoa de barriga cheia, de luxo.
O luxo dele era a comida", lembra Raimunda de Sale, 68 anos, a Mundica,
sua fiel cozinheira. Ela
conta que Gonzagão convidava em separado representantes dos dois clãs. "Só
na hora do jantar os Sampaio sabiam da presença dos Alencar e os Alencar, dos
Sampaio", diz.
A
história do lento processo de paz, que teve Mundica como uma das principais
narradoras, envolveu até o presidente em exercício Aureliano Chaves. Em 1981,
Gonzagão surpreendeu Aureliano no saguão de um hotel em Belo Horizonte, ao
tocar a música Boiadeiro. Chaves – que tinha fazenda em Minas Gerais – foi
cumprimentá-lo e o sanfoneiro pediu apoio para acabar com a luta de famílias. Segundo
Mundica, terminada a guerra de clãs, Gonzagão compôs Prece por Exu Novo. Essa
foi uma das últimas entrevistas de Mundica. A cozinheira de Gonzagão morreu em
fevereiro
Jornal O Estado
de S. Paulo
Publicada em 12 Outubro 2013 | 16h00
FONTE:http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,tristeza-e-medo-ainda-acompanham-a-velha-exu-que-gonzagao-pacificou,1084782
Tudo isso e Muito Mais...
Cariri Cangaço Exu 2017
20 a 23 de Julho
Exu-Serrita ; Pernambuco
2 comentários:
Texto muito confuso
Meus cumprimentos pelo excelente trabalho. Mas lembro que lá por 1978,79, ouvia o falecido meu pai comentar sobre essa guerra,notícia que ele ouvia pelo rádio à pilha na Rádio Farroupilha de Porto Alegre. Entretanto lembro que ele falava que era os Saraivas e outra família que guerreavam por anos.
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