O canhão mostrado
na foto é uma relíquia histórica, pois representa o símbolo da resistência de
Juazeiro às investidas das tropas rabelistas na Sedição de 1914, na qual
Juazeiro saiu vitorioso. A história desse canhão é bem interessante e
pitoresca.
Quando as forças
militares estaduais do governador Franco Rabelo estavam se mostrando
ineficientes para conter a rebeldia das forças de Juazeiro, um empresário
fortalezense, Sr. Emílio Sá, dono de uma padaria no centro comercial da capital
cearense, teve a ideia de fazer um canhão que seria, segundo ele, “a arma fatal
para dizimar os rebeldes”.O canhão foi
fundido em bronze proveniente de um grande volume de moedas doadas pela
população de Fortaleza, numa campanha feita à pressa, mas que deu bom
resultado, porquanto em pouco tempo todo o bronze necessário para fundição do
canhão de um metro estava à disposição do idealizador.
A chegada desse canhão,
esperava-se, daria maior ânimo às forças rabelistas sediadas na cidade de
Crato, cuja esperança de vitória havia desaparecido. Embora a fundição do
canhão tenha sido feita rapidamente, seu transporte para o Crato foi uma
empreitada longa, cansativa e, quando em combate, a ação foi desastrosa. Como a linha de
ferro só ia de Fortaleza a Iguatu, o transporte do pesado artefato até o Crato
foi feito numa carroça puxada por uma parelha de bois, trafegando numa estrada
enlameada devido às fortes chuvas que banharam na época a região Caririense.
Não foi nada fácil!
Com a chegada da
arma fatal, o falastrão major Ladislau, comandante das forças rabelistas, num
arroubo de arrogância mandou soltar um boletim espalhafatoso para despertar
nervosismo nas tropas de Juazeiro, o qual entre outras coisas desaforadas dizia
o seguinte: “O Juazeiro vai ser bombardeado a dinamite por poderosos canhões
vindos de Fortaleza com extraordinários reforços de soldados e de munição.
Rendei-vos, ainda é tempo”. No tocante aos canhões
mentiu, pois só era um exemplar; porém disse a verdade quanto ao reforço de
munição (vieram 100 mil cartuchos) e ao número de soldados (vieram mais 150
homens da Guarda Cívica).
O canhão hoje está exposto no Memorial Padre Cícero em Juazeiro do Norte
Irado com o
desaforo do major Ladislau, o comandante Floro decidiu revidar e emitiu também
um boletim, no qual vociferou: “Lemos o imundo boletim que vocês, acovardados,
fizeram circular. Fiquem sabendo que aqui ninguém tem medo dos seus canhões,
nem das suas 100 mil balas, nem das suas dinamites. Deixem de ser pulhas e venham,
se têm coragem, para correrem pela segunda vez e última vez. Porque agora não
daremos mais tréguas, podem ficar certos. Venham, venham, venham!”. Mais tarde ficou
comprovado o quanto Floro tinha razão ao fazer tais afirmações. Mas o major
Ladislau, fanfarrão como era, não perdeu a oportunidade de enraivecer
Floro mais uma vez e mandou outro boletim desaforado nos seguintes termos:
“Floro, seu bandido. Nestes dias te mostrarei como se zomba de um governo. Tua
cabeça irá para Fortaleza servir de exemplo aos outros miseráveis teus
companheiros. Floro, ladrão, Não terás a honra de morrer a tiros, mas sim
sangrando no coração, miserável”.
Depois o major
Ladislau viu a besteira que fez, pois nada do que prometeu se realizou. A ordem que veio
de Fortaleza era clara: para que a estreia do canhão tivesse amplas condições
de lograr êxito era preciso antes matar Juazeiro de fome, através de um
bloqueio nas estradas, evitando assim que os gêneros alimentícios chegassem à
cidade. E o bloqueio de fato foi feito, porém Dr. Floro, estrategista como era,
encontrou uma solução eficaz, mesmo sem contar com a anuência do Padre Cícero,
seu cúmplice no comando da sedição.
Floro Bartolomeu e Padre Cícero
A solução
empregada foi efetuar saques aos depósitos de alimentos dos sítios da
vizinhança onde os soldados rabelistas não estavam vigiando. Padre Cícero não
concordou com tal medida porque achava que isso se constitua crime de roubo.
Diante da advertência do Padre Cícero, Floro retrucou com veemência: “Deixe de
escrúpulos e me dê carta branca para resolver essa parada, se não quiser ser
degolado pelos soldados da polícia!”.E Padre Cícero não
teve outra alternativa, senão calar-se e deixar tudo a critério de Floro. Como a ideia do
boicote das estradas não surtiu o efeito esperado, o major Ladislau foi
obrigado a antecipar a estreia do tão esperado canhão. Mas logo no tiro
de ensaio, realizado ao ar livre para toda a população cratense assistir, o
canhão de Emílio Sá foi uma tremenda decepção, pois o tiro literalmente saiu
pela culatra. O estrondo foi realmente grande e destruiu a carroça de madeira
que lhe servia de base, sendo preciso improvisar um novo estrado, agora de
ferro e feito à pressa.
O primeiro tiro do
canhão foi um sucesso, mas apenas em estrondo e fumaça, e isso certamente
desanimou o comandante da tropa rabelista. Mas como não havia tempo a perder, o
certo mesmo era retomar os ataques a Juazeiro, na esperança de que o canhão,
cujo fracasso inicial não era do conhecimento das tropas rebeldes, cumprimisse
a missão para a qual foi construído. Assim, no dia 21
de janeiro de 1914, mesmo contrariando a ordem do governo de prolongar o
boicote das estradas, o desastrado major Ladislau ordenou um novo ataque,
agora com mais munição e o reforço da Guarda Cívica, vindo de
Fortaleza. Essa Guarda Cívica
não era propriamente uma tropa militar com treinamento de caserna. Era, na
verdade, um grupo de civis voluntários convidados em cima da hora e portanto
sem nenhum preparo para a luta armada. Ela teve de ser acionada porque
praticamente todo o contingente militar do governo já estava em campo. Os
poucos militares que não foram deslocados para o Crato ficaram para guarnecer a
capital.
Franco Rabelo
Em combate, o
canhão foi mesmo um tremendo fracasso! Seu tiro era de fato estrondoso,
entretanto tinha pouco alcance, de tal forma que o projétil lançado nunca
chegava ao alvo esperado. Serviu mesmo foi de gozação para as tropas de
Juazeiro. Toda vez que se ouvia o tiro do canhão, os rebeldes de Juazeiro
gritavam em coro: “Xô, maldita!”. E a bola de chumbo quente passava longe do
alvo. Sem o canhão
render o esperado, o major Ladislau ordenou o recuo das suas tropas para
Barbalha, em vez de Crato, e em lá chegando, deu a ordem jamais ouvida
num campo de combate: “Camaradas, é triste confessar; mas o Padre Cícero ganhou
a guerra. Deus é grande, o Padre Cícero é maior. Mas o mato é maior ainda do
que os dois juntos. Cada um cuide de si e ganhe o matagal”.
Não foi preciso
muito tempo para a tropa seguir o conselho. Ali mesmo, muitos soldados
amedrontados debandaram; outros preferiram tirar a farda e fugir como se fossem
civis, pois o mais importante naquele momento era não estar no local quando as
tropas rebeldes chegassem a Barbalha. O canhão foi
abandonado nos arredores da cidade e depois foi trazido pelas tropas vitoriosas
até ao centro e exibido como troféu de guerra, sob caloroso aplauso da
população. O canhão hoje está exposto no Memorial Padre Cícero, sendo uma peça
bastante apreciada pelos visitantes.
Daniel Walker, pesquisador e escritor
Juazeiro do Norte, Ceará
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