Padre José Kehrle e os Cangaceiros Por:Beto Rueda


Padre José Kehrle, homem admirável, culto, proveniente de família Judia, nasceu em 19 de maio de 1891, na cidade de Rheinstetten, Alemanha. Cursou medicina na Universidade de Munique tendo desistido da carreira no último ano de faculdade para ingressar no seminário e tornar-se sacerdote. Veio para o Brasil em 1909, optando pela vida religiosa e ordenou-se em 14 de março de 1914, no Mosteiro de São Bento, em Olinda-PE.

Transferiu-se no ano seguinte para Quixadá-CE., onde chegou a ter contato com o Pe. Cícero, em Juazeiro do Norte. Foi encarregado de assumir a secretaria do bispado de Floresta, onde ficou por quatro anos. Tornou-se o primeiro pároco de Rio Branco, atual Arcoverde.
Assumiu a paróquia de Nossa Senhora da Penha, em Vila Bela (atual Serra Talhada), ficando também responsável pela paróquia de São José do Belmonte.

Conheceu Virgolino Ferreira, o Lampião, ainda no começo de sua vida como cangaceiro, sendo inclusive seu conselheiro. Ainda em sua missão pelo Sertão pernambucano, o padre alemão passou pelas cidades de Venturosa, Afogados da Ingazeira, Brejo da Madre de Deus e Moxotó. Por fim, chegou em Buíque no ano de 1947.No ano de 1967, a pesquisadora e escritora Aglae Lima de Oliveira, foi a Buíque e coversou com ele: segundo Oliveira(1970, p.126)."Tive a satisfação de conhecê-lo pessoalmente. Pesquisador do banditismo, inteligente, forte sotaque germânico, estimadíssimo na cidade. Conta com 76 anos de idade. Possui vasto documentário sobre o cangaço. Conheceu de perto todos os problemas desse fenômeno. Recorda-se de Lampião como cangaceiro iniciante em Vila Bela.Perguntei:

- Padre, Lampião e os cabras confessavam-se com o senhor?
- Não.
Nunca se confessaram comigo, os outros padres, tenho certeza, não os receberam no confessionário.
- Fale padre, sobre a personalidade de Lampião, pois tão bem o conheceu.
- Eu fui vigário em Vila Bela, conheci Lampião quase menino. Ele me obedecia. Tomava-me a benção, desarreado e desarmado. Todos os cangaceiros assistiam a Santa Missa, com os chapéus na mão, respeitosos.
No momento que chegavam às capelas, as armas eram ensarilhadas, guardadas e trancadas na sacristia.
Os cabras não perdiam missa, principalmente se incursionassem nas fazendas e povoados pertencentes a paróquia onde eu era vigário. Eram fiéis as missas celebradas por mim. Prestavam atenção ao aviso das próximas, fitavam-me com respeito e absoluto silêncio.
- A polícia sabia que Lampião assistia a missa nas capelas da sua Paróquia?
- Sabia, e nunca foram procurá-los nas igrejas.
- Padre, fale sobre Sinhô Pereira.
- Conheci muito. Era de família nobre, neto do barão Andrelino Pereira do Pajeú. Teve suas razões para entrar no cangaço.
- Padre Kehrle, conheceu outros cangaceiros?
- Conheci todos em minha região, até 1940.
- O que achava da personalidade deles, da religião, costumes e da vida que levavam?
- Observava que o meio e as injustiças sociais foram responsáveis por todos os bandidos do Nordeste. Sobre a religião, eu ficava impressionado diante da fé e da confiança. Não desviavam a atenção das imagens e da minha pessoa. Ouviam o meu sermão cabisbaixos. Rezavam rosários e orações fortes.
- Padre Kehrle, fico impressionada com a personalidade complexa dessa gente. Eles não temiam a surpresa de as volantes cercarem as capelas?
- Não.
As volantes também me respeitavam e jamais escolheriam as igrejas para cercar bandos desarmados. A polícia também nunca castigou padres. Lembro-me de que, depois da missa, eu retirava do bolso da minha batina a chave da sacristia e Lampião distribuía as armas e os arreios.
Anotei os costumes e a vida que levavam e consegui encher uma mala cheia de documentários.
- Padre, o senhor aparenta gostar também do assunto?
- Imensamente.
Sou alemão de nascimento mas amo profundamente o Brasil. É a minha segunda pátria, vivo a muitos anos nos sertões.
- O que mais o impressionou em Lampião?
- Seus modos. Era calmo. Falava manso. Atendia aos meus pedidos.
- O senhor lhe solicitava que abandonasse o cangaço?
- Sim. Várias vezes.
Ele baixava a cabeça, segurava o fuzil e dizia:
- Padre José, não tem mais jeito."

José Kehrle faleceu em Buíque no dia 06 de agosto de 1978, aos 87 anos. Sua grandiosa contribuição é lembrada para a história do interior de Pernambuco.
REFERÊNCIAS:
OLIVEIRA. Aglae Lima de. Lampião, cangaço e Nordeste. 2.ed. Rio de Janeiro: O Cruzeiro, 1970.
MELLO, Frederico Pernambucano de. Guerreiros do sol: violência e banditismo no Nordeste do Brasil. São Paulo: A Girafa, 2004
Por: Beto Rueda - FaceBook

Um comentário:

Anônimo disse...

Se todos os religiosostivessem sido como ele... quem sabe a politica teria sido decente! Teriamos tido outro Nordeste e outro Brasil 😔💕