Respeito à história: Restauração da verdade a cerca de Lampião e Maria Bonita Por:Voldi Ribeiro

Voldi Ribeiro


Tomei conhecimento, por vários veículos da proibição, em pedido liminar, de publicação e a comercialização do livro "Lampião - o Mata Sete" de autoria do advogado e juiz aposentado Pedro de Moraes. Decisão do juiz Aldo Albuquerque, da 7ª Vara Cível de Aracaju (SE), na Ação movida por Expedita Ferreira Nunes, filha de Lampião e Maria Bonita. A Ação é preventiva e foi tomada pela família, a quem vou louvar a iniciativa, com um foco muito adequado: não se trata da CENSURA (capítulo negro da história brasileira) - se trata mesmo da reparação moral da intimidade da família - como bem arguída e acatada judicialmente. Acredito que quando se tem a liberdade de expressão garantida há também a possibilidade de ser dirimida qualquer contenda de interesses no nível jurídico e foi o que ocorreu.

No meu modo de ver o tal ex-juiz e advogado Pedro de Moraes - pisou na bola - destratou a história e as pessoas - indicando inclusive que a Expedita não é filha de Lampião - as evidências afirmativas da paternidade já de muito tempo foram provadas - a imprensa da época foi testemunha - o irmão de Lampião de nome João Ferreira a criou e não há dúvidas pelos diversos depoimentos de cangaceiros sobreviventes da Saga do Cangaço.




Somente quem, de fato, tem conhecimento apurado acerca do comportamento moral das mulheres que participaram dos grupos de cangaceiros é que poderia ou poderá ainda tratar a questão da fidelidade e da infidelidade no Cangaço. Das quase 80 (oitenta) mulheres, mais ou menos, relacionadas na pesquisa que desenvolvo há mais de 08 anos, apenas Lydia de Zé Baiano, Cristina de Português, Lili de Moita Brava, foram mortas pelos seus companheiros por terem praticado ADULTÉRIO.

Prática social de restauração da HONRA considerada na época como legítima " apoiada, defendida, praticada e cobrada pela ampla maioria dos homens e mulheres rurais " herança da estrutura PATRIARCAL da família brasileira advinda de Portugal, mantida por quase 05 séculos. Já entre os índios brasileiros a infidelidade inexistia ou era tratada de outras maneiras. Há quem afirme ainda está em "voga" este formato de família patriarcal no Brasil. Em baixa é verdade. Ainda hoje ocupam páginas policiais de jornais importantes os chamados crimes passionais.

Há ainda o caso de Maria Jovina de Pancada (Lino de Zezé) que, embora também tenha praticado ADULTÉRIO, não foi morta pelo seu companheiro " foi deixada com a família em Santana do Ipanema pelo cangaceiro Moreno que era amigo da família (depoimento ao autor), e após a morte de Lampião (ocorrida em 28/07/1938), e após as chamadas "ENTREGAS" (ato de se entregar), o cangaceiro Pancada aparece em foto com seu grupo tendo Maria Jovina ao seu lado " se deduz que houve o perdão " caso exótico e diferente para os costumes da época.



Maria de Pancada, ao centro, por ocasião das entregas

O último caso de ADULTÉRIO envolvendo mulher cangaceira " foi o de Dulce do cangaceiro Criança " ocorrido após as "ENTREGAS", quando em companhia de Zé Sereno e Sila " já estavam a caminho de São Paulo capital. Bem retratado pelo pesquisador Antônio Amaury Corrêa de Araújo. Outro caso exótico " Criança apenas carregou os filhos e deixou Dulce já grávida do seu amásio (no caso era ex-policial e proprietário da fazenda onde se encontravam Sila e Dulce). Esperavam seus companheiros que haviam ido antes para criarem as condições de se estabelecerem.

Então no universo de 80 mulheres cangaceiras, mais ou menos, comprovadamente apenas 03 praticaram ADULTÉRIO, durante o período que antecedeu a morte de Lampião (julho de 1938) e todas foram mortas pelos seus companheiros, ou seja, 3,75% em estatística rasteira. Se acrescentarmos os 02 casos pós "ENTREGAS" ainda assim ficamos apenas na casa dos magros e raquíticos 6,25% - inexpressivos e confirmadores da regra social mantenedora da FIDELIDADE FEMININA nas uniões estáveis do mundo do Cangaço.

Outra coisa é querer, sem propriedade nenhuma de conhecimento, atribuir o comportamento ADÚLTERO à Maria Bonita. Da história da presença das mulheres nos grupos de cangaço, se deduz com muita clareza que os costumes rígidos do Sertão nordestino, quanto a Moral, o Respeito e o Recato exigido ao sexo feminino " foram ainda mais reforçados. Diferentemente das falsas notícias de jornais da época que atribuíam comportamentos promíscuos às mulheres cangaceiras. Isso também é, relativamente, dedutível " havia a necessidade de manter forte coesão e respeito à hierarquia dentro dos grupos de cangaço " o comportamento promíscuo, caso tivesse existido, resultaria em conflitos de honra que no Sertão sempre foram resolvidos por meio aniquilamento físico (morte) do transgressor (a).

A fidelidade e o amor de Maria Bonita por Lampião é flagrante nas cenas registradas em 1936, do filme feito por Benjamin Abraão Botto e, sobretudo, por depoimentos de cangaceiros e cangaceiras e soldados volantes que conviveram com a Rainha do Cangaço. Isso é assunto inquestionável na convivência marital entre os dois por quase 09 anos.

Quanto ao "triângulo amoroso" entre Lampião, Maria Bonita e Luis Pedro " essa é outra falácia que não se sustenta na história do Cangaço. Senão vejamos: Luis Pedro tinha sua companheira chamada Neném, morta em combate e vandalizada sexualmente pelos seus algozes " além do sentimento de perda por não ter conseguido proteger sua mulher da morte em combate, este foi também um dos motivos pelo qual Luis Pedro não mais se deixou acompanhar permanentemente por outra mulher.

Se verdade fosse o "triângulo amoroso" na esfera do alto comando do Cangaço, então como poderia ser abaixo do mesmo? Na visão distorcida do ex-juiz Pedro de Moraes " seria então um ambiente completamente promíscuo. NÃO O ERA. Pelo contrário: era de extremo respeito entre cangaceiros e cangaceiras. Isto está revelado nos anais da história por várias pessoas que conviveram dentro e fora dos grupos de cangaço.

Então a restauração do respeito e da verdade pode e deve prevalecer sobre a mentira, já que temos a liberdade de expressão garantida em Lei. Quando alguém intencionalmente ou não, denigre moralmente pessoas e fatos históricos distorcendo verdades já verificadas, a esfera judicial é a GUARDIÃ para todos os efeitos e julga limitando o autor ou mesmo o punido. Essa novela apenas está iniciando. Pena que o público veja tudo isso apenas como um fato JOCOSO - isso sim é homofobia ou heterofobia.



Tânia Alves a bonita Maria da televisão

A LIBERDADE DE OPÇÃO E PRÁTICA SEXUAL DEVE SER SEMPRE DEFENDIDA - isso é uma coisa - A OUTRA É SE TER OPÇÃO HOMOSSEXUAL E QUERER FORÇAR A BARRA AFIRMANDO QUE PERSONAGENS DA NOSSA HISTÓRIA TIVERAM A MESMA OPÇÃO.

Aliás, pergunta-se, quem é mesmo o tal ex-juiz e advogado Pedro de Moraes? Nunca vi ou li do mesmo, algum livro publicado sobre o Cangaço que atestasse seu conhecimento acerca da temática. Muita gente que leu alguns livros se diz especialista. Poucos são aqueles que tratam o assunto com a seriedade que o mesmo requer.

Outra falsa abordagem é opor os adjetivos "BANDIDO ou HERÓI" para qualquer personagem real do cangaço " tenha sido cangaceiro ou volante policial - essa falsa oposição cega a análise isenta e leva o pesquisador a distorcer a realidade para enquadrá-la neste esquema. Houve uma época, um contexto cultural, jurídico-político, social e econômico que propiciou o aparecimento do Cangaço, bem como do Messianismo - como foram os casos do CALDEIRÃO, PAU de COLHER e CANUDOS.

Para este último a recém fundada República propagou para a NAÇÃO que era um aglomerado de fanáticos em torno da liderança de um LOUCO. Denegrindo Antônio Vicente Mendes Maciel, o Conselheiro. Essa ideologia impregnou o povo das capitais. E a guerra de 1894 a 1897 exterminou algo em torno de 35 mil vidas humanas de sertanejos pobres - que desejaram viver por conta própria " até hoje uma VERGONHA.

Voltemos ao tal ex-juiz e advogado Pedro de Moraes: contemporizar é algo que devemos fazer quando a intenção tem razões nobres e válidas. Não é o caso do citado senhor.

Não tenho dúvida que logo-logo o tal ex-juiz venha a estar em algum programa de televisão para, em cadeia nacional, apoiar mais e mais a visão degenerescente das nossas tradições nordestinas e sertanejas. Obras e Novelas tem sido levadas ao público e, em nome de uma palavrinha mágica, "FICÇÃO", roteiristas e diretores tem adotado quase sempre o tom jocoso e depreciativo - como se o povo do SERTÃO nordestino fosse somente essa coisa que casa risos e diverte a Nação.

Penso que o SERTÃO do nosso Nordeste seja a única área verdadeiramente definidora de um caráter BRASILEIRO - há várias razões para se propor tal afirmação. Ainda estamos por aprofundar a nossa "chamada identidade nacional" a antropologia cultural brasileira ainda é devedora disso.

Vejamos: onde ocorreram mais conflitos e por longos períodos na formação brasileira? O que mesmo significaram tais conflitos na nossa formação moral e ética? Antes do Cangaço, envolveram: índios (levantes de Tapuias - vários), negros (os quilombos como foi o de Palmares e suas muitas ramificações pelo Sertão - há evidências históricas comprovadas) e, as chamadas revoltas sociais - ex. o Quebra-Quilos dentre outras.

Eis a pobreza com qual nos deparamos na história brasileira - o fato de termos a mais rica cesta de expressões culturais e artísticas (música, pintura, dança, artes do couro, do metal, do barro e da madeira, rituais, crenças religiosas, a literatura cordel acessível ao povo simples e a literatura erudita, etc., e nelas se encontrar o lado divertido e inteligente de zombar com a própria desgraça é que, decerto, pode ter influenciado este desprezo NACIONAL.
Finalizo meu comentário crítico com uma breve observação quanto ao debate: enquanto há aqueles que inventam ABSURDOS no afã do sucesso fácil e outros que apenas riem e fazem pouco caso do assunto ou até o desmerecem " atitude infantil e leviana, felizmente também há aqueles que por sensatez conseguem ver o lado importante da nossa história e não costumam empurrar a poeira para debaixo do tapete tentando escondê-la, ao contrário buscam a VERDADE e seu desvendamento como forma de provar o que somos hoje como POVO.

Voldi Ribeiro - Sociólogo e Pesquisador de Paulo Afonso-BA - 

Fonte: http://www.folhasertaneja.com.br

8 comentários:

pedro luís disse...

Voldi consegue aliar conhecimento de pesquisador à indignação de leitor crítico. As teses estapafúrdias do autor do "mata sete" autorizam reconhecê-la como a pior das obras sobre lampião, equiparada ao filmes pornagráficos que vestiam (e despiam...) seus "atores" com vestes que lembram as dos cangaceiros.

IVANILDO SILVEIRA disse...

VALEU VOLDI,

BELÍSSIMOS COMENTÁRIOS, COM LUCIDEZ, OBJETIVIDADE, E, RESUMIU EM POUCAS PALAVRAS, O QUE NÓS ESTUDIOSOS DO TEMA, TAMBÉM, GOSTARÍAMOS DE DIZER.

SOU CONTRA A " CENSURA " , MAS, NESTE CASO, NÃO RESTOU OUTRA ALTERNATIVA Á FAMÍLIA FERREIRA (Lampião e Maria), PARA TEREM PRESERVADOS A SUA HONRA, E A MEMÓRIA DOS SEUS MORTOS...

ESSE ASSUNTO, PRECISA SER MELHOR DISCUTIDO COM A PLATÉIA SELETA DO CARIRI-CANGAÇO, EM OUTRO EVENTO...

Abraço a todos
IVANILDO SILVEIRA
Colecionador do cangaço
Membro da SBEC e CARIRI-CANGAÇO
NATAL/rn

Anônimo disse...

Espetacular artigo de VOLDI RIBEIRO de Paulo Afonso, parabens grande Voldi,

Ricardo Ramos

Anônimo disse...

Caro amigos,

Somente ontem é que verifiquei a publicação no Cariri Cangaço da minha opinião crítica quanto ao livro do ex-Juiz de Aracaju.

Gostaria inicialmente de agradecer as opiniões recebidas em comentários do Pedro Luís, do Ricardo Ramos e do amigo Ivanildo que demonstram o rota certa de como devemos tratar a nossa história.

Acabo de ler o livro de Pedro Baptista - Os cangaceiros - de 1929 - e vejo o quão era comum no nosso Sertão a mão armada para a solução das intrigas pessoais, familiares, políticas etc.
Assim como os livros de Ulysses Lins de Albuquerque - na sua trilogia fantástica - que corrobora minha visão de Sertão.

Gostaria também de agradecer ao Manoel Severo pela iniciativa de publicar o texto que enviei para o amigo Galdino da Folha da Sertaneja on line.

A pretenção na época era dar uma contribuição positiva e combater o aspecto jocoso com que vinham tratando a questão MORAL no ambiente do Cangaço. Penso que cumpri meu objetivo.

Acrescento finalmente que a confirmação de todos quanto a opinião emitida traduz nossas posturas frente a verdade dos fatos.

Cordias saudações,
Voldi Ribeiro
Sociólogo e Pesquisador,
Paulo Afonso-BA

Anônimo disse...

Professor Voldi Ribeiro, parabens pela lucidez de seu artigo, é mais que urgente a história ser levada a sério.

Heleno Tavares

Anônimo disse...

O sociólogo Voldi escreveu um texto cuidadoso criticando as acusações do Sr Pedro de Morais sobre um possível comportamento homosexual de Lampião e outros membros de seu bando de cangaceiros. Sua critica é bem construida e a hipótese apresentada no livro do Sr Morais, é indefensável.
Voldi vai além, faz uma análise do comportamento de parte da sociedade barsileira em tempos atuais e declara seu entendimento: “Penso que o Sertão do nosso Nordeste seja a única área verdadeiramente definidora de um caráter BRASILEIRO”. Acho que Voldi exagerou nessa afirmação.
Em outro trecho, Voldi discordando da forma como parte dos meios de comunicação tratam a cultura nordestina, declara: - em nome de uma palavrinha mágica “FICÇÃO”, roteiristas e diretores têm adotado quase sempre o tom jocoso e depreciativo, como se o povo do SERTÃO nordestino fosse somente essa coisa que causa risos e diverte a nação. Adiante, o sociológo inconformado fala de um desprezo nacional pelo sertão nordestino e sua gente.
Eu, muito humildemente quero divergir das opiniões de Voldi, pois não concordo absolutamente com essa opinião de que a nação vê o nordestino e sua cultura com desprezo e falta de seriedade. Nem tão pouco que o caráter brasileiro será exclusivamente resultante do povo nordestino. Para dar um exemplo bem simples e atual, no Carnaval do Rio de Janeiro, foram homenageados o Rei do Baião Luiz Gonzaga, a literatura de cordel, São Luis do Maranhão, e o escritor Jorge Amado. Entendo que a homenagem foi o reconhecimento do valor cultural da poesia nordestina e do talento dos dois artistas representantes da região.
C Eduardo

Francisco Félix disse...

Só nos resta dizer que o autor do livro Lampião o Mata Sete, simplesmente desconhece a historia Nordestina e principalmente do Cangaço, onde se lavava a honra com sangue. Parabens Voldi Ribeiro!! Espetacular sua matéria, simplesmente dispensa comentários.

Francisco Félix

Anônimo disse...

Amigo Voldi.

Li seu texto com atenção e achei muito bom, inclusive comentei com outras pessoas a respeito, pois, trata-se de uma matéria abrangente e objetiva. Foi elucidativa a explicação dada por você citando os raros casos de traição entre as 8 dezenas de mulheres que participaram dos grupos de cangaceiros. Muito boa também a análise que você fez a respeito da atitude da família ao impedir na justiça a venda do tal livro.
Conversando a respeito do tal livro com o Amaury, ele acha que o autor foi influenciado por alguém, já na minha opinião, acho que a intenção foi tentar aparecer e ganhar dinheiro. Veja bem, qualquer pesquisador que leu o tal livro, percebeu facilmente que o autor não tem nenhum conhecimento sobre a história do cangaço. Além disso, os argumentos usados pelo autor, para sustentar que Lampião era brocha, corno e viado, são fracos demais, e só poderiam ser sustentados por quem nada entende sobre cangaço. Vamos raciocinar: Durante esses mais de 70 anos da morte de Lampião,foram dados centenas de depoimentos por ex cangaceiros e outros participantes ligados direta ou indiretamente ao cangaço. Nunca, jamais qualquer um deles se referiu a tal coisa. Também, durante todo esse tempo, uma infinidade de pesquisadores, alguns deles dedicando parte de suas vidas pesquisando sobre o assunto, jamais disseram algo semelhante. Seria então preciso aparecer alguém que nada entende de cangaço, para descobrir tal coisa? É BRINCADEIRA...

Nesse momento nosso amigo Alcino está no hospital lutando pela vida. Vamos rezar para que o caboclão fique entre nós ainda por muito tempo.

Abraço do seu amigo Sabino Bassetti.

Viva a Bahia!!!