Vicente de Marina: O Gatilho mais Temido do Sertão Por:Luiz Ferraz Filho

Luiz Ferra Filho e Maria Marina da Conceição, sobrinha de Vicente de Marina

Nas veredas desse Sertão esturricado, onde no século passado foi arena para gladiadores, o bem mais valioso foi a amizade. E nenhum jagunço foi mais fidedigno ao seu patrão do que o mulato Vicente de Marina. Nascido no final do século XIX, na ribeira da Malhada do Bom Nome (hoje, povoado de Bom Nome, distrito de São José do Belmonte), tornou-se o lendário cangaceiro de melhor pontaria conhecida até hoje. Alto, robusto e das costas largas, era uma verdadeira baraúna. Nasceu e se criou trabalhando arduamente para o major Deodato Pereira da Silva, patrão da ex-escrava Marina, vendida ainda criança juntamente com a mãe por um boiadeiro do agreste pernambucano. 

Na degustação de um doce de leite, no povoado de Bom Nome, tive a oportunidade de conhecer a matriarca Maria Marina da Conceição, 94 anos, filha de Cícero de Marina (irmão de Vicente). Na lucidez de quem trabalhou arduamente lavando roupa nas cacimbas do Riacho do Cristóvão, recorda ela de tudo que falavam sobre o tio, Vicente de Marina. 'Ele atirava melhor que todos, mas era lento. O povo falava que certa vez, Sinhô Pereira deu 24 tiros e Vicente só deu 16 tiros. Ele gastava pouca munição, mas era certeiro', revelou ela. Vicente de Marina iniciou essa irmandade bélica com Sebastião Pereira e Silva (Sinhô Pereira), quando ambos eram jovens caçadores nas caatingas da Gameleira, Passagem do Meio e Serra da Forquilha. Foi uma verdadeira escola de tiro ao alvo. Conta o renomado escritor Luis Wilson de Sá Ferraz (Vila Bela, Os Pereiras e Outras Histórias, pág. 316), que 'em outra ocasião, um dos Rufinos, Antônio ou Jeremias Rufino (da Gameleira), ofertou a Vicente uma caixa de balas e um rifle para o negro matar veado e trazer o couro pra ele, recebendo de volta, alguns dias mais tarde, 50 couros de veado. A conta fechou certinho'. Naqueles idos de lutas entre gregos e troianos, Vicente de Marina com sua espetacular pontaria não podia ficar de fora. Com o assassinato de Né Pereira (irmão de Sinhô Pereira), em outubro de 1916, na Fazenda Serrinha, entrou definitivamente no cangaço, sempre ao lado de Sinhô Pereira.

Barragem de Serrinha, que inundou a antiga Vila São Francisco

Serrote próximo a vila São Francisco que serviu de muralha para a resistência de Sinhô Pereira e Luis Padre

Atirador de elite, Vicente de Marina tornou-se célebre em abril de 1919, quando a força volante do tenente Holanda Cavalcanti atacou o povoado de São Francisco, reduto dos Pereiras, para desalojar o bando de Sinhô Pereira e Luis Padre. Escondido por trás das pedras de um serrote, Vicente de Marina lentamente alvejava a volante. Morreram oito soldados, ficando mais um soldado ferido, que acabou falecendo dias depois. Sepultados numa única cova, o túmulo ficou conhecido pela 'cruz dos 9 soldados', nas proximidades da Vila São Francisco, hoje inundadas pelas águas da Barragem de Serrinha. Foi uma verdadeira catástrofe para a Polícia Militar de Pernambuco. Enfurecido com a derrota, o capitão João Nunes chegou dias depois na Vila São Francisco e mandou atear fogo em algumas casas comerciais, cartório e casebres. Só escapou a capela de São Francisco das Chagas, o padroeiro.

Maria Marina da Conceição e pesquisador Valdir Nogueira 

Após a morte dos 9 soldados, a fama de ótimo atirador se espalhou pelo sertão. Vicente de Marina  para 'se exibir na pontaria, jogava uma laranja para cima e a esbagaçava com um tiro de carabina ou de fuzil. (FERRAZ, Luis Wilson, ob. cit., pág. 312). Continua o nobre escritor dizendo que 'ao voltar de Alagoas, no dia em que Luis Padre matou o assassino de seu pai, chegaram à casa do cangaceiro, numa curva do caminho que ia de São João do Barro Vermelho para São Francisco, ele (Luis Padre), Sinhô Pereira e Vicente de Marina. Sebastião chamou na porta da frente pelo nome do cabra que, arisco, saiu na carreira pela porta da cozinha da casa, quando Vicente mete-lhe bala, ganhando, no entanto, Luis de França o mato, no escuro da noite'. 

Luís Padre lamentou, com tristeza, para Sinhô Pereira que o cabra havia ido embora. - Não patrão, fui eu que atirei nesse camarada. Ele não pode ter ido a lugar nenhum - , disse Vicente de Marina. Ou seja, um tiro dele quando não matava, deixava aleijado. Era o gatilho mais temido do Sertão do Pajeú. Em agosto de 1922, seguiu com Sinhô Pereira para Minas Gerais, deixando sua noiva grávida de uma única filha que faleceu solteira em avançada idade. Já seu irmão, Cícero de Marina - protegido pelo Sr. Pedro Donato de Moura - continuou residindo em Bom Nome, onde faleceu com 105 anos, deixando numerosa família.  Ao lado do amigo pesquisador e historiador Valdir José Nogueira de Moura, tive o prazer de encontrar a sobrinha Maria Marina e seus filhos, que cantou um dos inúmeros versos que guarda na memória sobre o tio.

'Te abaixa, Zé Caetano

Mode a bala do meu rifle

Quando ela vai danada

Só respeita o Padre Cicero'. 

(Verso após o combate da Serra da Forquilha, em novembro de 1921, entre a força volante do capitão José Caetano e o bando de Sinhô Pereira e Lampião).

Luiz Ferraz Filho, Presidente da Comissão Organizadora do Cariri Cangaço Serra Talhada

2 comentários:

Anônimo disse...

Luiz que matéria maravilhosa. Você sabe muito meu primo

Anônimo disse...

Luiz tiro o chapeu para você Valdir