Carlos Pena Filho
Como parte da bela
e vasta obra poética e literária de Carlos Pena Filho, com quem,
no ano de 1960, tomei chopp geladíssimo no Bar Savoy, o
Recife, que foi objeto de um dos suas famosas poesias, destaco o poema
“Virgulino Lampião”, uma visão humana dramática e sensível do famoso
cangaceiro Virgulino Ferreira da Silva . Não pense que
se trata de poema laudatório, falando em bandido herói, justiceiro
social ou coisa e tal. Tampouco, também não se trata de mais uma
objurgatória de condenação do perigoso e
temido bandoleiro, fugitivo da lei, e terror da população sertaneja
nordestina. Não. O conhecido esto poético de Carlos Pena,
marcado pur um sempre amorável lirismo e consagrada beleza
artística, de sua poesia, continha também indisfarçável sentido de
poesia social, ética,e refinada ternura e misericórdia com todos os
viventes, entre esses, seu trágico conterrâneo Virgulino Lampião.
Inicialmente, Pena Filho viu em “Lampião” como homem abstrato, com todo seu drama
existencial e sua humanidade intrínseca e sua loucura potencial.
Sobretudo, o viu como homem concreto, sujeito às contradições
do seu contexto social específico da catinga, do necessitarismo
econômico, da presença constante da morte, do coronelismo
arrogante e violento, do jaguncismo homicida e impune, e, também
como homem isolado, ferido e desmontado de seu mundo interior, enlouquecido e
furioso na sua determinação social e psicológica. Mas, sempre o
homem.
Gravura de Aldemir Martins
Sobre ele, talvez um tanto insatisfeito e inseguro, repetiria
o que disse o grande líder do realismo socialista, Máximo Gorki: “homem,
homem, como essa palavra soa nobremente”. Homem injustiçado,
indignado, ferido, excluído, e que talvez revoltado com a “festa
(moralmente) pobre” de um poder, exercido, freqüentemente, pelo
egoísmo, pela simulação, pela corrupção, pela fraude e pela violência.
Inteligente e
extremamente corajoso, ansioso por poder e fama (glória?), foi
líder nato e estrategista, deslocando-se com seus cangaceiros
pelas vastidões do hinterland semi-árido de 05 estados do Nordeste,
Ceará, R. G. do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas e Sergipe, onde
atuava com sua rapinagem e se afirmava pelo terror. Através da catinga
ínvia e agressiva, deslocava-se rapidamente, a pé com sandália de couro
ou a cavalo, conseguindo suprimento, ordem e união entre os comandados,
e obtendo informações que o permitiam escapar ou bater-se em pequenos
combates com forças policiais oficiais mais numerosas e mais bem
armadas. Contudo, neste contexto difícil e macabro conseguiu
lutar e sobreviver por cerca de 20 anos de violência,
isolamento e terror.
Apesar disso, dizem seus biógrafos que Lampião, que
era alfabetizado e tendo freqüentado escola para ampliação de seus
conhecimentos, cultivava, embora de forma ambígua e incoerente,
certos valores éticos e sociais. Não admitia o crime de estupro que punia
severamente, e costumava lamentar o destino, que o tornara bandido ao invés
de trabalhador honesto, e que assim o conduzia certeiro à “morte
matada”, embora a tolerasse, como dizia, caso tivesse a sorte de
morrer em combate leal. Morreu desta forma, em 1938, em
combate violento na Fazenda Angicos, em Sergipe, próxima do
Rio S. Francisco. Segundo o inventário dos seus bens pessoais
apresentado pela polícia da Bahia ( ver “Maria Isaura P. de Queiroz”,
em Os Cangaceiros), na parte anterior do seu chapéu estava
engastada em uma medalha de ouro a inscrição “Deus te Guie”, e
portava aliança de ouro com o nome “Santinha” (Maria Bonita) na
parte interna.
Ainda nos primeiros anos de cangaço, procurou a bênção e
a proteção do Padre Cícero Romão, indo a Juazeiro, no Ceará, que além de
chefe religioso já famoso no Nordeste era poderoso líder político desta
região. Foi com a interseção do Pe. Cícero, que recebeu a patente de
Capitão da Guarda Nacional, das mãos do mais graduado funcionário federal
da cidade, juntamente com um fuzil e farta munição para seus homens.
Vejamos como Carlos Pena Filho, com todo esse seu humanismo exuberante, sua
responsabilidade social e sua sensibilidade poética, interpretou a
complexidade da tragédia humana deste seu conterrâneo, Virgulino
Ferreira da Silva.
VIRGULINO LAMPIÃO
Sobre o chão de sol
manchado, passeavas pelos campos, o teu
cangaço sem rumo, com um olho na morte e o outro, no fel que se
elaborava, em
sua vida sem rumo.
Teus olhos apenas
viam fogo, sol, lâmina, fumo, e apetrechos de
emboscada. Em
vez de chapéu, possuías um céu de couro à cabeça,
com três
estrelas fincadas.
Tua missão neste
mundo, era governar o escuro,acender uma
fogueira, com
mil destroços de fúria.
A solidão que
habitava, teu sono e tua ração, e que ia mesmo até
onde, não ia nem
boi nem cão, onde não chega nem homem, nem
sua degradação.
Nos sítios
onde campeavas, nordeste avaro e sinistro, de sois
sem fim do
sertão, povoavas as campinas e as vastidões
desoladas, com tua negra solidão.
Cultivar lavoura
estranha, semear em sepulturas e arriscar, o
que é outro risco, na profissão da aventura.
Um dia é apenas um
dia, pois os dias, dias são, um dia será o
teu
dia, Virgulino Lampião.
Carlos Pena Filho – Recife – PE
Texto de Adalberto Arruda
Enviado por Ismael Gouveia e Rosa Bezerra
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