O Arsenal dos Coronéis Parte II Por:Fábio Costa

Winchester 1886...

Evidente que os coronéis possuíam muitos desafetos e inimigos devido aos crimes que cometiam e a política acirrada, tinham de manter suas propriedades e rebanhos, bem como se defender dos assaltos de bandoleiros e cangaceiros (que o digam os potes e botijas enterrados e repletos de moedas e jóias que aparecem nas histórias de assombração, mudas testemunhas da riqueza desses homens...). Suas casas eram verdadeiras fortificações (já vi uma até com seteiras). Meu finado tio Zeca lá pelos anos 40 trabalhou na fazenda de um rico fazendeiro na fronteira da Bahia/Minas Gerais. Ele me contou que na casa da sede tinham caixas fechadas com dezenas de carabinas Winchester e 8 pistolas Parabellum, além de outras armas curtas!! Para economizar tempo na hora de limpar eles simplesmente jogavam óleo por cima e fechavam a caixa. 

O mosquetão Mauser (e por vezes o fuzil) realmente existia em grande número, inclusive podia ser comprado por encomenda, bastava um telegrama para a FN ou a DWM e caixas destas armas aportariam em Santos, Salvador ou Recife. Fuzis Mauser inclusive, são itens constantes em um catálogo de afamada casa paulista no início do Séc. XX. Fuzis e mosquetões Mausers Oviedo espanhóis aparecem com certa raridade também. Como detentores de arsenais governamentais, diversos fuzis oficiais estavam em sua posse, como os Comblain 11 mm de tiro único (a “combréa” da guerra de Canudos). Estes são citados no combate de Brotas de Macaúbas/Ba de 1914, usados por jagunços do Cel. Militão Coelho. Mas as preferidas mesmo eram as armas de repetição por alavanca (lever action), pois eram leves e rápidas, como são as Winchester (sendo “repetição” uma das alcunhas desta arma, que em diferentes versões, parecia uma praga por aqui), existiam também carabinas Marlin, e outras menos famosas no mesmo sistema. 


Cel.  Militão Coelho

Carabinas Colt, e Remington por ação de bomba ou deslizante (pump action) também aparecem.Quanto aos fuzis além dos de ferrolho como o Mauser e um ou outro Mannlicher perdido por aqui, aparecem outras armas longas exóticas, mas em menor número, se vendo praticamente um pouquinho de tudo. Os revólveres na sua maioria eram de origem americana (principalmente Colt e SW), além de seus clones espanhóis, sendo que destes os mais famosos eram os populares “H.O.” (o correto é “O.H.” - Orbea Hermanos da cidade de Eibar), mas se encontram muitos outros espanhóis como os Tanque, os Corso, BH, GH. Etc. Etc. Etc. Para mais umas 20/30 marcas espanholas. 

Os revólveres Nagant em calibre 440, de dotação do Exército Brasileiro foram extremamente comuns entre os civis no nordeste do Brasil (e como relíquia até os dias de hoje se acham muitos). Creio que nada impede que alguns deles tenham sido desviados de quartéis na época do coronelismo. Os calibres mais comuns nos revólveres da época eram o 32 SWL, 38 SPL, .44 SW russo, 44-40, e em regiões do mato-grosso o .44 SPL. Evidente que sempre se pode ver algum em calibre mais raro ou exótico. Ouvi falar de pelo menos um exemplar de Colt Peacemaker 1873 em calibre 44-40 que estava e mãos de um rico fazendeiro, arma bem rara por estas plagas. Dentre as pistolas, as alemãs da casa Mauser, notadamente a C-96 de 7,63 mm alcunhada de “caixa de pau” por causa do coldre-coronha de madeira, arma predileta do Cel. Horácio de Matos que febrilmente usou uma nos combates de 1918 em Brotas de Macaúbas/Ba contra o também Coronel Militão Rodrigues Coelho, num entrevero onde quase 500 jagunços lutaram, cavando trincheiras e sitiando várias fazendas e povoados, e desafiando e entrando em combate com uma expedição da Força Pública Estadual que havia ido em socorro de uma das partes. 


Contendas do Sincorá, Bahia

A contenda (nome inclusive de uma das cidades da região: Contendas do Sincorá, batizada segundo contam em lembrança as freqüentes rixas entre os poderosos nesta área) durou cinco meses, com um saldo de centenas de mortos.Curiosamente a cara e bem feita Mauser C-96 era bem popular no Nordeste. Um aparte deve ser feito ao sistema de municiamento destas armas, que usavam um carregador fixo municiado por uma lâmina, e quando estava cheio com os 10 cartuchos o povo via nele os dentes de um pente, surgindo assim a expressão leiga “pente” usada até os dias de hoje para denominar qualquer tipo de carregador de armas semi ou automáticas. Como as Mauser foram as primeiras semi-automáticas a chegar por aqui, seu nome por muitos anos foi sinônimo de pistola, “fulano tem uma mausa”, se fosse grande era uma “mausona”, se pequena ”mausinha”. 

Fato pouco estudado é que dizem que a Força Pública de Pernambuco usava um clone espanhol das Mauser, a pistola Royal com seletor de fogo automático, sendo inclusive arma das tropas “volantes” que combatiam o cangaço. As pistolas Parabellum mod. 1906 (a maioria do contrato militar brasileiro, raras eram comerciais) e 1908 de 7,65 mm e 9 mm Luger, também foram muito apreciadas, várias fotos de época mostram seu uso, inclusive de variantes raras destes modelos. De outras pistolas se vêem principalmente as Belgas (FN-Browning, Jieffeco, Pieper, e outras marcas menos famosas), e cópias espanholas do tipo Ruby, e americanas a maioria da Colt, aparecem ainda algumas austríacas como as Steyr em diferentes modelos, inclusive as 1911 militares. A maioria esmagadora era em calibres 6,35 mm e 7,65 mm, mas algumas que calçam munições incomuns também são vistas. Raras são as pistolas semi- automáticas inglesas, mas de quase todas as marcas e modelos mundiais se vê um pouco. Espingardas existiam em profusão para a caça, a maioria eram “cartucheiras” belgas, inglesas ou espanholas, sendo que algumas ganharam fama e notoriedade entre a população (como as espanholas Victor Sarasqueta).

A justiça dos coronéis era rápida e brutal, os adversários eram eliminados nas infames tocais, emboscadas feitas por jagunços ou pistoleiros “avulsos” contratados para tal fim, quando não eram as escondidas em alguma estrada deserta, eram a luz do dia mesmo para que todos vissem e temessem. Como até o judiciário era engessado pelo poderio político, pouco podia fazer o populacho no caso de uma ofensa perpetrada por um destes poderosos (além dos assassinatos, se ouve falar principalmente em casos de abuso sexual e surras). 

Alguns coronéis no Nordeste e norte de Minas Gerais chegavam até a usar a seu serviço bandos de cangaceiros e bandoleiros, bem como lhe davam guarida e suporte. É fato mais do que sabido que Lampião conseguia seus víveres e munição através de extensa rede de coiteiros, inclusive alguns coronéis, e até com a polícia que o perseguia! Para ilustrar tais desmandos cito certa feita em 1920 e alguma coisa em Vitória da Conquista/BA, quando duas importantes famílias rivais em pleno centro da cidade chegaram, como em um bom western spaghetti que se preze, ao meio-dia a trocar intensa fuzilaria encastelados em suas fortalezas, parando por completo a cidade. Evidente que ninguém foi preso.Com tanto poder assim que peitava governos e desafiou as forças da lei mais de uma vez, só restava a Getúlio “quebrar a espinha dos coronéis”, minar seu poder e evitar obviamente a contra-revolução. 



Getúlio Vargas em foto de 1930

Assim, logo após a revolução houve o famoso desarmamento iniciado em 1930, com a promulgação do regulamento 105 (o famoso R-105 do exército nacional, uma lei draconiana que regula a fabricação, o comércio, e a posse de armas de fogo no Brasil, em vigor até hoje com algumas mudanças). As milícias dos coronéis foram dispersadas, chefes políticos presos, humilhados e levados as capitais. Assim foram presos alguns dos grandes coronéis da Bahia como Horácio de Matos (assassinado com um tiro pelas costas em Salvador no dia 13 de Maio de 1931, no Largo 2 de julho, pelo Guarda Civil Vicente Dias dos Santos, num crime de mando segundo consta encomendado pela viúva do Major Mota Coelho), Marcionillo Antônio de Souza (me informa seu bisneto Luiz Fernando, que ele morreu em 1943 aos 84 anos e não aos 75, e que não deixou os 3 filhos do segundo casamento na miséria, isso é uma informação errônea espalhada hoje de forma virtual.), Anfilófilo Castelo Branco de Remanso, dentre muitos outros nomes menos famosos historicamente, mas igualmente poderosos. 

O desarmamento levado a cabo na década de 1930 foi bem profícuo na Bahia, sendo apreendidos nas fazendas e cidades da região da Chapada Diamantina (as famosas “lavras”) segundo consta cerca de 30.500 fuzis!!!, 376 kg de munição, 236.000 cartuchos, 2 fuzis-metralhadores e 2 máquinas de recarga de munição (creio que provavelmente eram as máquinas de carregar os pentes dos fuzis metralhadores FMH, pois não se praticava recarga naquela época). Os números certamente parecem absurdos, mas deve-se lembrar que não havia uma legislação rigorosa a época restringindo tipos de armas, nem tampouco havia controle sobre as importações e o comércio. Via de regra os coronéis importavam de maneira direta com encomendas nas grandes casas que vendiam armas de fogo ou a caixeiros viajantes (inclusive muitos sírios e libaneses apelidados indevidamente de “turcos”) que levavam estas armas e munições de porta em porta. Há até relatos confiáveis que dão conta de coronéis que possuíam além de boa louça inglesa, metralhadoras Lewis, da mesma origem, bem como de outros modelos. 

Só do Cel. Horácio de Matos e seu clã, as tropas do governo tiraram 3.000 armas longas de tipos variados, além das armas curtas (pistolas e revólveres, até mesmo as “facas de ponta” foram apreendidas). A chapada era um local pródigo - muito antigamente - para se “garimpar” e achar armas raras. Da Região de Maracás/Ba, sob a influência de Marcionillo, dois batalhões federais recolheram cerca de 2200 armas longas e curtas, e 50 mil cartuchos.


De Vitória da Conquista-Ba, fui informado em conversas com moradores mais antigos que conheceram de perto aquela época violenta (o chamado “tempo do carrancismo”) onde a “política” terminava seguramente em tiros, que se retirou um caminhão e um automóvel lotados de armas de fogo variadas apreendidas. Um velho armeiro me falou certa feita que trabalhando como encanador, ao entrar num porão de tradicional família conquistense na década de 70, achou num canto ao lado da tubulação de ferro, um caixote de munições de diversos calibres, totalmente “zinabradas” (oxidadas), e certamente imprestáveis. 

Exemplos que corroboram a lenda corrente de que quem não queria perder sua arma a enterrou em porões ou em locais seguros, onde a “gente do governo” não andava. Cito um velho revólver S & W DA nº 3 cal. .44 totalmente carcomido que se achou no porão de uma antiga fazenda que foi de uma “coronela”, localizada próximo ao sul da Bahia, bem como outro achado embrulhado em um couro em MG, ou uma carcomida carabina FN-Mauser 1922 enterrada no mesmo estado. Há boatos até de uma metralhadora pesada (Hotchkiss 1914) abandonada em uma fazenda de MG pela coluna prestes, bem como de fuzis achados em diversos locais de MG, SP e RS, todos abandonados por revolucionários ou tropas governamentais.


Pelotão da morte na cidade de Jequié na Bahia em 1930 em ação desarmamentista. As pilhas são de carabinas Winchester e pistolas garruchas.

O coronelismo foi uma chaga. A marca viva de uma época de desigualdade social e econômica, de violência, de impunidade, de atraso e falta de cultura, onde a maioria da população era vítima de homens que manipulavam a sociedade a seu bel prazer através de uma política baixa, interesseira, corrupta e descompromissada socialmente... Peraí! Mas de que época afinal estamos falando, do início do Séc. XX ou do XXI ? MUDA BRASIL!!!!

Fábio Costa

Cortesia: Ivanildo Silveira - Conselheiro Cariri Cangaço
Fonte:http://vitrinedaarmaria.blogspot.com.br/2010/02/o-arsenal-dos-coroneis.html

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