Dia de Glória no Sertão Por:Márcio Costa


Dia 13 de junho de 1927, às 16h, e em meio a uma chuva fina, Mossoró ouvia os primeiros estampidos de uma guerra que entraria para a história como o início da derrocada de um dos homens mais temidos da história do país, o cangaceiro Lampião. O conflito marcado pela resistência pioneira foi antecedido por três dias de caminhada em território potiguar. Da noite de 9 para 10 de junho, os cangaceiros entraram no Rio Grande do Norte pela cidade serrana de Luís Gomes. No dia 12, chegaram ao povoado de São Sebastião, hoje Dix-sept Rosado, de onde foi enviado um bilhete para Mossoró, avisando sobre a chegada dos cangaceiros.

O jornal O Mossoroense publicou na época o bilhete na íntegra. “Cel. Rodopho, estando eu aqui pretendo é drº (dinheiro). Já foi um aviso, ai pª (para) o Sinhoris, si por acauso rezolver mi a mandar, será a importança que aqui nos pedi. Eu envito (evito) de Entrada ahi porem não vindo esta Emportança eu entrarei, ate ahi penço qui adeus querer eu entro e vai aver muito estrago, por isto si vir o drº (dinheiro) eu não entro ahi, mas nos resposte logo”. Ele assinava “Cap. Lampião”.



O prefeito Rodolfo Fernandes não aceitou a extorsão, esvaziou a cidade e montou as trincheiras para recepcionar os invasores. O bando, formado por 53 cangaceiros, não imaginava que por trás da recusa ao pagamento de 400 contos de réis estaria um exército montado por 150 homens comuns, prontos para reagir ao medo e ao terror imposto pelo temido Lampião. Não foi preciso completar a primeira hora de confronto para o capitão do sertão ter a certeza de que dominar a cidade seria praticamente impossível, mas a luta foi além.Repórter e testemunha do confronto, Lauro da Escóssia narrou nas páginas do jornal O Mossoroense: “Durante toda a noite, a detonação de armas em profusão. Parecia uma noite de São João bem festejada”.
No ataque, Lampião perdeu importantes cabras de seu bando. Colchete teve parte do crânio esfacelado por balas. E Jararaca, depois de capturado, foi praticamente enterrado vivo. O mito do Lampião invencível caíra por terra, dando ânimo à polícia, que passou a enfrentar o “rei do cangaço” com menos temor. Era o começo do declínio da carreira de Virgulino. Nesta edição especial, o jornal O Mossoroense mostra os principais detalhes desta história com uma roupagem contemporânea e abordagem de novos detalhes. Mossoró revive seu momento de glória, na resistência de um povo lembrada ao longo de décadas.
Voluntários e militares que defenderam Mossoró até hoje são lembrados como "Os Heróis da Resistência".As notícias da presença de Lampião no Oeste potiguar corriam como um rastilho de pólvora naquele período entre o final de maio e início de junho de 1927. O bando de Massilon vinha de um ataque à cidade de Apodi e juntara-se ao de Lampião com o intento de seguir para Mossoró e o prefeito Rodolfo Fernandes já tinha sido comunicado da situação.


Defensores na Mansão do Prefeito Fernandes

"A mansão do prefeito era um formigueiro humano. Todos queriam notícias. Fervilhavam falácias. A cada momento chegavam pessoas dos mais variados lugares", conta Raul Fernandes, filho de Rodolfo, no seu livro "A Marcha de Lampião". Ficou a cargo do tenente Laurentino de Morais, vindo de Natal, a organização das trincheiras que defenderiam a cidade do terrível bando, mas faltava contingente policial para o grave momento pelo qual passava a cidade naquele momento. A população resolveu, então, espontaneamente, juntar-se aos poucos militares na defesa de Mossoró. Segundo o historiador Geraldo Maia do Nascimento, quatro trincheiras foram montadas: a Trincheira de Rodolfo Fernandes, a Trincheira de Tertuliano Fernandes & amp; Cia., a Trincheira da Boca do Esgoto de Águas Pluviais e a Trincheira da Barragem.

Localizada na casa do prefeito, a Trincheira de Rodolfo Fernandes acabou sendo a que concentrou os momentos que iriam eternizar aquele ataque ao longo da história. Formadas por "altos comerciantes, figuras de destaque, funcionários públicos, trabalhadores urbanos e rurais", conforme apontamentos de Raul.

O historiador Geraldo Maia exalta a valentia dos combatentes de 1927: "Não contavam, os cangaceiros, com a fibra do povo de Mossoró. A cidade se preparou e expulsou à bala os facínoras. Esse evento constituiu-se num marco da história do cangaço". Os "Heróis da Resistência", como ficaram conhecidos os combatentes daquela fatídica noite, ganharam homenagem no frontispício de um dos principais monumentos de Mossoró, o Memorial da Resistência, e são lembrados em livros e placas pela cidade.

Capela de São Vicente

Heróis da Resistência

Manoel Duarte, Honório Ferreira, Francisco Pinto, Antonio Pinto, Manoel Arão e seus filhos: Paulino e João, José Pereira Lima e seu filho Jorge Pereira Gomes, Júlio Maia, Francisco Fernandes de Queiroz, Enedino Inácio, João Domingos, José Rodolfo Fernandes, Amaro Silva, Abel Coelho, Adrião Duarte, Francisco Vidal, Francisco Calixto e seu irmão Raymundo, Herculano Barbosa, Geraldo Dunga, Joaquim Benedicto, Rochinha Freire, Antonio Caldas, Antonio Rolim, José Grosso e José Conrado, Luiz Amâncio, Tibúrcio Silveira, Florêncio Netto, Manoel Reis, Francisco Ferreira, Cícero Pereira, Evaristo Pereira, Manoel Tonel, Raymundo Calistrato, Pedro Raymundo, Euclides Aleixo, Sinhô Bento, Manoel Serra Negra, Júlio Souza, Sebastião Raymundo, João Pedro, Antônio Alves, Manoel Pereira, José Ribeiro, João Chá e Octavio Cavalcante, Manoel Alves de Souza, Léo Teófilo e Manoel Félix, Vicente Sabóia Filho, Pedro Sílvio de Morais, Clóvis Marcelo de Araújo, Severino França, Lafaiete Tapioca, Raimundo Leão de Moura, Lourenço Menandro da Cruz, José Cordeiro, Francisco Santiago de Freitas, João Delmiro, José Tenório, José Pereira, Inácio Bispo e Pacífico de Almeida, Mirabeau Mello, Alcides Magalhães, Mário Villar de Melo, Moacir da Cunha Melo, Manoel Leandro Bezerra, Francisco P. de Souza, Laurentino de Morais, Abdon Nunes de Carvalho e João Antunes, João Arcanjo de Oliveira, Gilberto Studart Gurgel, José Furtado de Castro, Padre Motta, Cônego Amâncio Ramalho e Padre Ulisses Maranhão, Júlio Ramalho, Homero Couto, João Fernandes de Queiroz, Cornélio Mendes, José Gomes, Antônio Araújo, Eliseu Viana, Antonio Brasil, João Manoel Filho, Antônio Juvenal, João Ferreira da Silva, Luiz Chico, José Manoel e Francisco Canuto, Manoel Sabino Lima, Francisco Campos Nogueira, Sérgio Queiroz, Francisco Porto, Pedro Maia e Monte Belo, Francisco Alves Cabral, José Alves de Oliveira, José Ibiapino, Manoel Moraes, Celso Alves, Nestor Leite e Pedro Nonato, Amâncio Leite, João Damasceno, Manoel Luz, Affonso Freire, Leônidas Freire, Pedro Ferreira Leite, Lauro Leite, Francisco Negócio da Silva, Abel Chagas Filho, Tertuliano Ayres Dias, José Mathias da Costa, Severino de Aquino, Noberto de Souza Rêgo, Basílio Silva, Manoel Ferreira, Luiz Mendes de Freitas, Antônio Godeiro, Antônio Estevam, Joaquim Gregório da Silva, João Antônio de Oliveira, Leonel Pastel, David Sabino, José Abreu, 
Manoel Pedro, Ismael Siqueira.
Porque Lampião Invadiu Mossoró
Quatrocentos réis, esta foi a quantia pedida pelo cangaceiro Lampião na sua investida a Mossoró naquele 13 de junho de 1927. O valor, atualizado, equivale a algo em torno de R$ 2,8 milhões. Eis, que agora, 88 anos depois daquele dia que ficou registrado na história de Mossoró, o pesquisador e historiador Honório de Medeiros Filho levanta uma pergunta: por que Lampião invadiu Mossoró?


A pesquisa, que vai ser transformada em livro, aprofunda as pesquisas já realizadas e, segundo o pesquisador, faz questionamentos que precisam ser verificados: “No senso comum Lampião invadiu Mossoró por pura ganância. Ele veio aqui em busca de dinheiro. Isto é verdade? É. Mas isto é uma consequência da decisão que ele tomou de invadir. E esta decisão não tinha nada a ver com isto. Há uns quinze dias antes da invasão a Mossoró, quando Lampião chegou em Aurora/CE, nas terras do coronel Izaías Figueiredo, encontrou Massilon que estava voltando do ataque que havia realizado em Apodi. E este ataque, foi resultado de uma questão de natureza política. Como Massilon estava no ataque a Apodi e estava no ataque a Mossoró, ele é o elo que une as causas dos dois ataques. Então é em cima desta linha argumentativa que o meu trabalho se fundamenta”, relata o autor.


Massilon

Sem concordar com a hipótese de que o ataque tenha cunho financeiro, o historiador relaciona perguntas que diz, precisam ser respondidas para comprovar a teoria estabelecida há oito décadas: “A história da vinda de Lampião a Mossoró meramente com intuito de arrancar dinheiro, não tem o menor fundamento. Ele poderia atacar várias cidades da Paraíba, do Ceará, do Pernambuco, todas do porte de Mossoró ou um pouco menor, como Patos, Catolé, Sousa. Todas estas cidades sem passar pela possibilidade de derrota que ele passou quando atacou Mossoró.”

Quatrocentos quilômetros de uma caminhada insólita, um comércio rico, e um ataque suspeito. Entre os vários questionamentos levantados por Honório para a invasão, ele aponta que o grupo de Lampião adentrou o Rio Grande do Norte de forma incomum, o que demonstra que o rei do cangaço não estava seguro de suas ações: “Você imagine o cidadão andar quatrocentos quilômetros de distância para vir atacar uma cidade do litoral, sem conhecer a terra, sem conhecer os lugares, vindo por uma rota errada. A rota que ele pegou, contornando Martins, era de descampado e os cangaceiros jamais usavam este tipo de caminho. A grande arma dos cangaceiros era procurar proteções naturais, rochas, serras, velames e nada disto tinha no caminho”.

Honório estranha o fato de o grupo de cangaceiros, chegando a Mossoró, não ter buscado as fontes de recursos como o comércio e o próprio banco, atacando primeiramente a casa do prefeito Rodolfo Fernandes, o que deixa margem para uma conotação política para o ataque:
Honório de Medeiros e Manoel Severo

“A hipótese que eu levanto, é que Lampião foi manipulado, pois havia um projeto interno menor, capitaneado por Massilon, que era alcançar um desfecho que teve como alvo Rodolfo Fernandes. Você raciocine: se você é cangaceiro e você quer dinheiro, você vem atacar Mossoró e ataca a casa do prefeito? O comércio de Mossoró pujante como era, com banco inclusive. Eles não sabiam que o dinheiro do banco havia sido levado para Areia Branca por Joaquim Perdigão. O banco estava aí à disposição. Ao invés de invadir Mossoró pela rota natural, que era margeando o rio, como eles sempre fizeram, alcançar o centro da cidade, onde estava o comércio de Mossoró e o Banco do Brasil, onde estava o dinheiro, e eles resolvem atacar Rodolfo? Massilon queria atacar Rodolfo, tanto é que no ataque, ele entrou pelos fundos. Mandou Jararaca distrair os resistentes que estavam na frente da casa, enquanto isto, ele atacava pelos fundos da casa. O que ele não contava era com a resistência que lhe foi proposta. Então tudo isto é extremamente curioso”.

Sobre a entrada ou não de Lampião na cidade como contestam alguns, Honório relata que o Virgolino Ferreira acompanhou o ataque ao prefeito do cemitério da cidade, tentando assim, assegurar a segurança do bando. O livro “Porque Lampião Invadiu Mossoró” deverá ser lançado por Honório em outubro deste ano.

Márcio Costa

Editor-geral
FONTE:http://omossoroense.uol.com.br/index.php/o-jornal/cotidiano-mobile/67548-dia-de-gloria-no-sertao

Um comentário:

Petrônio Lima disse...

Tem alguma foto da trincheira do Telegrafo Nacional, meu avô estava lá: Mário Villar deMelo.