A Grande Invasão à Casa de Gonzaga em Belmonte...1922

Da fazenda Cristovão; pouso de Ioiô Maroto e coito dos cangaceiros; partiu a Caravana Cariri Cangaço e as 15 horas chegávamos ao centro de São José de Belmonte para mais uma espetacular visita técnica, desta vez à "Casa de Gonzaga" e à célebre invasão que resultou em sua morte... Agora com a palavra o pesquisador Valdir Nogueira: "No centro histórico da cidade de São José do Belmonte, dominando a paisagem da bonita e tradicional Praça Pires Ribeiro, um imponente casarão chama atenção por sua extrema beleza.Pouca gente sabe, mas o casarão foi construído, entre os anos de 1911 e 1912, pelo Coronel Luiz Gonzaga Gomes Ferraz, importante comerciante, fazendeiro e pecuarista nascido no vizinho município de Floresta.Esta imponente casa, em estilo neoclássico, é uma herança dos tempos opulentos em que o poder oriundo da borracha da maniçoba, dominava o cenário local.Por toda a extensão do casarão há belos elementos decorativos, não apenas no frontão, mas por todas as paredes que compõem a fachada do imóvel."
 Valdir Nogueira nos apresenta a trama do ataque à Casa de Gonzaga em 1922
 
Ivanildo Silveira, Manoel Severo, Clênio Novaes, Valdir Nogueira e Débora Cavalcantes
Louro Teles
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E continua Valdir: "A importância deste Casarão não se resume apenas aos seus belos traços arquitetônicos, vai muito além uma vez que está intimamente ligada ao fenômeno do cangaço em Belmonte. Esta casa, no alvorecer do dia 22 de outubro de 1922 foi atacada por cangaceiros dentre os quais Lampião, em parceria com um parente do chefe cangaceiro Sinhô Pereira, Crispim Pereira de Araújo, conhecido por “Ioiô Maroto”. Como não poderia deixar de ser, o ataque à residência de Gonzaga foi implacável. A resistência ofertada pelo proprietário e por policiais da guarnição de Belmonte arrastou-se longo tempo, mas o local foi invadido, saqueado, arrasado e o comerciante sumariamente executado em um quarto contíguo a sala de visitas."
 
Camilo Lemos e a "Casa de Gonzaga"
Wilton Silva, Aderbal Nogueira, Cicero Aguiar, Manoel Serafim e Camilo Lemos

"O trauma provocado pelo trágico desaparecimento do coronel Luiz Gonzaga Gomes Ferraz, levou a sua esposa Martina a retirar-se definitivamente do Município de Belmonte com sua família. Entre os anos de 1930 a 1934 o Casarão passou a sediar o Paço e Conselho Municipal de Belmonte (Prefeitura), até ser adquirido no ano de 1936 pelo Sr. João Batista Frutuoso de Pádua, tabelião local, pela quantia de quatro contos de réis. Seu João de Pádua foi casado com dona Pergentina Nunes da Silva, descendente do antigo sesmeiro Aniceto Nunes da Silva e prima legítima do escritor Rodrigues de Carvalho, autor do livro “Serrote Preto, Lampião e seus sequazes”. Hoje o Casarão pertence aos herdeiros do Sr. João de Pádua, cuja neta Perginha, residente no imóvel, ao longo do tempo vem lutando com todas as forças para preservar este grande patrimônio, histórico, turístico e cultural de São José do Belmonte", acentua Valdir Nogueira.
Desse sótão caiu o coronel Gonzaga e ao tentar escalar a janela abaixo foi executado... 
 Valdir Nogueira no interior da "Casa de Gonzaga" e o passo a passo do episódio...
O pesquisador e escritor Sousa Neto, Conselheiro Cariri Cangaço nos ajuda também a compreender como tudo aconteceu: "Yoio Maroto escolheu o dia ideal para o ataque. Belmonte estava em festa, outubro era o mês dos festejos celebrados ao Sagrado Coração de Jesus. Dia 19 de outubro o “noitário” ou patrono da festa era justamente Luiz Gonzaga Gomes Ferraz e o ataque teria que ser no dia seguinte logo cedo, pois com certeza Gonzaga estaria em casa. Ao romper o dia 20 de outubro o casarão de Gonzaga estava completamente cercado. 
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O povoado é acordado ao som de machadadas, pernadas e várias outras formas de conseguir arrebentarem as portas da residência. As pancadas pouco a pouco iam despertando os vizinhos e outros moradores que logo perceberam se tratar de um violento ataque a residência do homem mais prestigiado daquele vilarejo. Segundo o cangaceiro Cajueiro na aludida entrevista, disse ser ele o primeiro a penetrar no interior da residência após escalar o muro do quintal. Ficou dando apoio enquanto os seus companheiros arrombavam um portão que dava para a rua dos fundos. Outro grupo tentava o arrombamento da porta da frente. Foi justamente nesse momento que Cajueiro assistiu a morte de Baliza, um dos que tentavam despedaçar o portão. A morte de Baliza ainda não está de tudo esclarecida, há mais razões para esse assassinato,isso é outra história." 
 Família de Gonzaga
 Foto da época do ataque: Praça Pires Ribeiro, rua onde estava o comércio de Gonzaga
Ioio Maroto, na foto à nossa esquerda

E continua Sousa Neto: "Alguns moradores já acordados vieram em socorro de Gonzaga e assim começa o tiroteio. Gonzaga que ao ouvir as pancadas e perceber que o bando sinistro havia penetrado na residência subiu a escadaria por um dos quartos que dava para o sótão da casa. Ainda segundo Cajueiro uma senhora apavorada pergunta quem é o chefe, ele responde: “nois num tem chefe”, nesse momento um cangaceiro tenta contra uma jovem que parte em sua direção e lhe agarra dizendo: valha-me senhor pelo amor de Deus! Cajueiro manobra o rifle e diz: Agora você escolhe, ou solta à moça ou me mata ou morre. 
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Então o seu companheiro a soltou e essa foi em direção a sua mãe que se encontrava na cozinha. Cajueiro então pergunta: Cadê o “major” tá ai? Ela respondeu “tá ai dentro sim senhor”. Ato continuo Cajueiro tranca a família em um quarto e chama o cangaceiro Livino para nas palavras dele “dar uma busca na casa”. Cajueiro dando boas risadas, confessa ao Dr. Amaury que Gonzaga havia caído do sótão e estava escondido atrás da porta. Estive recentemente observando o sótão da casa de Gonzaga e pude perceber que a parte que compreende a sala de estar, bem como todos os quartos do lado esquerdo do grande corredor estavam forrados"
 Imagens internas da "Casa de Gonzaga"
 
Amélia Araujo e Mabel Nogueira


E conclui Sousa Neto:"O lado direito da casa, o sótão estava em construção. O detalhe é que a parte acima dos quartos por onde tinha a escada de acesso, eram de tabuas fornidas e pregadas de cima para baixo, ambiente propicio para armazenar objetos, alimentos etc. A parte da sala de estar era toda forrada de madeira fina, toda ela pregada com pregos de baixo para cima, apenas dar adornar ainda mais o bonito recinto.Luiz Gonzaga aterrorizado tentando se ocultar naquele ambiente escuro, caminhou para o mais distante possível da escada e foi para a parte da sala de estar. Penso haver ele esquecido que aquele adorno não suportaria o seu peso. Foi ai que o assoalho cedeu, ele caiu e tentou se abrigar atrás da porta, mas a casa já estava infestada de bandidos que pensavam apenas em passar a mão nos objetos de valor.
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Ainda segundo Cajueiro Livino Ferreira foi quem fez o serviço, matou o “major” Gonzaga. Morreram nesse episódio o cangaceiro José Dedé “o Baliza”, Antônio da Cachoeira (sofreu um ataque cardíaco fulminante) e o soldado Heleno Tavares hoje homenageado com o nome da rua que combateu o bando nefasto. Saíram feridos do bando de Lampião, Yoio Maroto com um tiro no braço, o valente Zé Bizarria e Cicero Costa.Anos depois foi aberto um inquérito para apurar essa ocorrência e em 07 de outubro de 1929 todos os 42 implicados foram condenados. Yoio Maroto refugiou-se no Barro debaixo da proteção de Justino Alves Feitosa que dias depois lhe deu carta de recomendação endereçada ao Coronel Leandro da Barra, homem influente na região dos Inhamuns que o acolheu. Yoio passou a viver usando o nome fictício de Coronel Antônio Alves. Com muito esforço e trabalho adquiriu a fazenda Malhada Vermelha aonde veio a falecer em 19 de maio de 1953."

O centro histórico de São José de Belmonte a partir de sua tradicional Praça Pires Ribeiro, e praça da Matriz de São José, de seu casario histórico e da "Casa de Gonzaga"...
 
Geraldo Ferraz e Clênio Novaes
Demétrio, o telegrafista genro do Coronel Gonzaga.
É Valdir Nogueira que  nos conta mais alguns detalhes do trágico episódio: "Telegrafista na Agência Postal e Telégrafo de Belmonte, natural de Recife, José Demétrio de Albuquerque Silva era noivo da senhorita Maria de Lourdes Gomes Ferraz (Bida), filha do coronel Luiz Gonzaga Gomes Ferraz quando aconteceu a hecatombe de 22 de outubro de 1922 em que este coronel foi barbaramente assassinado nas hostes do banditismo. Durante o assalto à casa do coronel Gonzaga, o jovem Demétrio tendo naquele dia pernoitado na dita residência, foi juntamente com dona Martina e filhos segregados em um quarto.contíguo a sala de jantar pelo cangaceiro Cajueiro, cumprindo assim um pedido feito por Ioiô Maroto para poupá-los de qualquer tipo de agressões por parte dos demais cangaceiros.
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O telegrafista Demétrio era um senhor elegante, que não saía de casa sem paletó e gravata e que alguns falavam ter idéias comunistas. Em Belmonte Demétrio trabalhou na Agência Postal e Telégrafo por anos a fio. Casou duas vezes, sendo que a primeira com Maria de Lourdes Gomes Ferraz (Bida), filha do coronel Gonzaga Ferraz. De acordo com o Livro de Notas nº 4, pág. 169/170 do 2º Ofício de Belmonte, no dia 27 de maio de 1933, José Demétrio comprou ao Sr. Joaquim Leonel Pires de Alencar um lote de terras na fazenda Campos e denominou de Fazenda Montreal. Dizem que nessa fazenda Demétrio hospedou clandestinamente, entre os anos de 1935 a 1936 o Sr. Antônio Vilar, cidadão português, que nada mais nada menos se tratava de Luis Carlos Prestes, militar e político brasileiro com identidade diferente."
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Edificada e pertencente ao coronel Luiz Gonzaga Gomes Ferraz, esta casa sediou a partir do ano de 1917 a Agência Postal e o Telégrafo da cidade de Belmonte e onde também residiu quando aqui chegou no ano de 1921 o jovem telegrafista José Demétrio de Albuquerque Silva. Esta residência foi adquirida em 25 de abril de 1951 pelo Sr. Joaquim Donato de Moura, cujos proprietários atuais são seus herdeiros.  
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De Belmonte, José Demétrio de Albuquerque Silva foi residir no Estado da Paraíba onde se tornou advogado e ao longo dos anos se aposentou como Juiz de Direito. “Postura de Arribação” é o título do livro editado em 1958 pelo Dr. Demétrio, onde o autor narra fatos marcantes da sua vida inclusive de sua passagem pelo município de Belmonte...
Assassinado barbaramente durante o assalto a cidade de Belmonte no dia 20 de outubro de 1922 pelo bando de Lampião. O soldado Heleno aos 22 anos de idade caiu em poder dos bandidos quando acudia a chamada para a defesa da cidade. Foi sepultado no cemitério local. O soldado Heleno Tavares de Freitas era natural do Estado de Alagoas, filho de João Tavares de Freitas e Joana Maria da Conceição. Soldado do destacamento de Polícia da cidade de Belmonte, cujo comandante na época era o sargento José Alencar de Carvalho Pires (Sinhozinho Alencar), aos 20 anos de idade casou com Enedina Maria da Conceição, natural do município de Salgueiro, filha de Rufino Benedito da Silva e Jesuina Maria Ribeiro. O matrimônio do soldado Heleno foi realizado na Matriz de São José de Belmonte no dia 27 de julho de 1920 pelo padre José Kherle, e teve como testemunhas José Bezerra Leite e Luiz Mariano da Cruz, ambos também soldados da Polícia Militar de Pernambuco. 
Sinhozinho Alencar

Com imagens de Raul Meneleu Mascarenhas:
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Andanças...
 
 
 

Cariri Cangaço São José de Belmonte
Casa de Gonzaga, Centro
12 de Outubro de 2018
Fotos: Ingrid Rebouças e Louro Teles

Imagens da Grande Invasão do Cariri Cangaço à tradicional Praça Pires Ribeiro
 
 
 
 
 
 
 
 
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4 comentários:

Fernando Cunha disse...

Muito interessante a história do Cangaço. Gostei do estilo e das imagens da narrativa do fato histórico. Parabéns!!!

Airton disse...

A história que conta é que essa invasão a casa desse Coronel não foi para roubar, e sim fazer justiça já que esse coronel era muito ruim com as pessoas comuns e foi o responsável pelo espancamento feito pela volante a família de Crispim! Esse então prometeu vingança e foi pedir ajuda ao Senhor Pereira que era o chefe de Lampeão e dos cangaceiros naquela época! O Senhor Pereira então mandou Lampeão e um bando ajudar Crispim a se vingar desse coronel e aí aconteceu essa brutalidade!

Jose Rosa disse...

O comentário de Airton está correto.

Cristiane disse...

A versão desse artigo sobre a invasão é bem diferente das histórias que ouvi da minha avó e minha mãe (ambas nascidas em São José do Belmonte). Na verdade a versão que ouvi era mais parecida com o comentário do Airton. Inclusive elas sempre cantavam uma música sobre essa história, como era costume do povo daquela época contar os fatos em forma de música, para que fossem memorizados e já que não poderiam escrever. O começo da música era mais ou menos assim "Gonzaga estava dormindo, quando Lampião chegou; - Hoje você paga a surra, que mandou dar em Iôiô..." e música segue contando que a invasão foi por conta das atitudes do Gonzaga,, e ainda narra a parte que a mulher dele e a filha fogem da cidade.