Gustavo Augusto Lima, é nascido em 23 de agosto de 1861
no seio de uma das mais importantes famílias do Cariri. Filho, neto e bisneto
de coronéis, teve desde a mais tenra idade convivência com a cultura do poder e
as relações entre os latifundiários e seus cabras e escravos. Não se conhecem
relatos nesse sentido, mas é quase certo que na sua infância de menino de engenho
nos campos do sítio Tatu, símbolo dos domínios de sua mãe, teve muitas
oportunidades de brincar no lombo dos escravos e subjugar os cabras da
propriedade, numa relação que embora não o sendo de fato, era bem próxima à
servidão medieval. Uma das características mais marcantes da educação que
recebeu de sua mãe, dona Fideralina Augusto Lima, foi o esmero pela instrução
formal. Dizia a matriarca do clã dos Augustos que a próxima geração exerceria o
poder a partir da força da caneta, não do bacamarte, como era na sua própria
época, de sorte a que teve especial zelo com a educação dos seus filhos e netos
(COUTO, 2018).
Não era o primogênito de dona
Fideralina, mas o seu quinto rebento. De início não foi preparado para assumir
a chefia do clã, lugar antes destacado para seu irmão mais velho, Honório,
contra quem haveria de protagonizar um dos mais peculiares episódios do
coronelismo caririense. Mesmo assim, foi enviado para estudar no tradicional
Colégio do Padre Inácio de Souza Rolim, em Cajazeiras, onde também estudaram
José Marrocos e o próprio padre Cícero Romão Batista.Mas a sua vocação era para
a política, o que bem cedo o levou ao protagonismo de famosa rixa com seu irmão
mais velho.
Fazenda Tatu, feudo dos Augustos
Antes mesmo de tomar as rédeas do
poder em Lavras da Mangabeira, exerceu vários cargos de honor, naturalmente
sempre através das firmes mãos de sua matriarca. Antes de 1907 já havia
exercido o cargo de coletor das rendas provinciais, membro do Conselho da
Intendência Municipal e já ostentava a patente de coronel da Primeira Companhia
do Batalhão da Guarda Municipal. Foi em 26 de novembro de 1907 (MACEDO, 2017)
que se deu o episódio, de longe, mais marcante de sua vida, que iria definir
seu destino no mandonismo local, mas também na sua própria desgraça. Também é
evento profundamente marcante na vida de dona Fideralina, cujas consequências
retumbaram até a hora de sua morte. Pode-se dizer também que o passamento mesmo
do coronel Gustavo, quase vinte anos depois, foi inevitável desdobramento desse
terrível episódio de relevância política, sem dúvidas, mas sobremaneira
marcante para todo o clã dos Augustos.
Era tão poderoso o mandonismo
exercido pela tradição da família, que somente outro membro dela poderia
desafiar as ordens da matrona. Ou pelo menos tentar. Foi exatamente o que fez o
filho Honório Correia Lima, cuja descendência desboca no atual prefeito da
capital Alencarina, Roberto Cláudio. Foi Honório o primeiro a dissentir da
orientação política da mãe e por esforços próprios chegou a galgar a posição de
líder do Partido Governista em Lavras. Dona Fideralina, contudo,
não admitia que ninguém brilhasse mais que ela mesma, o que a levou a tomar
sérias providências. Após firme recusa do filho em ceder o lugar conquistado,
resolveu toma-lo pelas armas. Valendo-se de seus destemidos cabras e sob a
liderança de Gustavo, fez apear do poder não somente do partido, como da
própria Intendência Honório. Foi o momento áureo da ascensão definitiva de
Gustavo ao poder local, posto que foi no lugar do irmão. Uma das histórias mais
replicadas da velha Fideralina remonta exatamente a essa ocasião quando, ainda
no alpendre do sítio Tatu, dirigiu aos cabras liderados por Gustavo a sentença
de que “aquele que derramasse o sangue de Torto morreria” (MACEDO, 2017). Torto
era o epíteto de Honório.Dali em diante a família nunca mais se reunificaria,
replicando aquela rusga original em vários outros episódios, que ao termo
conduziram à própria morte de Gustavo.
Dona Fideralina Augusto Lima
Tanto Honório quanto seu irmão
Gustavo eram casados com duas primas legítimas, ambas filhas de uma irmã de
Fideralina, Dulcéria Augusto de Oliveira, conhecia por Pombinha. Naquele
episódio, Pombinha tomou as dores de Honório, tendo se arregimentado a ele na
indignação pela desfeita de Fideralina. Daí nasce a inimizade e oposição
perpétua levada a cabo pelas irmãs até o final de suas vidas. Consta que já no
leito de morte, Fideralina chamou a irmã para proceder às pazes, ao que
Pombinha retrucou que não iria, que se fosse para perdoar, faria isso à
distância mesmo (MACEDO, 2017). Uma vez que Honório se retirou para Fortaleza
(jamais tendo retornado a Lavras), a liderança da oposição coube a Pombinha.
Outra cena folclórica, também
decorrente desse episódio, se deu quando, a partir da queda da oligarquia de
Nogueira Accioly, começaram a ser nomeados os novos Intend entes municipais
adversários dos coronéis. A indicação para a Intendência de Lavras teve o
patrocínio de Pombinha (tendo recaído na pessoa de seu genro, conhecido por Zé
Burrego), que em cumprimento a promessa atravessou todo o largo da Matriz da
cidade de joelhos, indo assim até o altar, em louvor pela graça alcançada, que
era a aparente derrocada política e sua irmã (MACEDO, 1990). Mas aquele foi
apenas um hiato passageiro do poderio absoluto de dona Fideralina, seu filho
Gustavo e a horda de cabras que lhes garantia o mandonismo.
Nogueira Accioli
No Cariri cearense, o fenômeno do
coronelismo teve cores bem marcantes e violentas. Enquanto no âmbito nacional
vigia a Velha República, no plano estadual foi o tempo do reinado despótico de
Nogueira Accioly, que ganhou nas armas e nos cabras dos coronéis locais uma de
suas forças mais consideráveis. Embora as fraudes eleitorais garantissem a
vitória da situação em todo os pleitos, o poder nesse rincão era tomado a bala.
A lei e a ordem prometidos pela autoridade maior da oligarquia Accioly de quase
nada valiam. Para ascender ou se manter no poder era imprescindível o fogo do
bacamarte e a força dos cabras, arregimentados entre os trabalhadores braçais
dos coronéis ou alugados quando era necessário fortalecer o regimento.
Nesse período, houve alteração no
mando dos coronéis em quase todas as cidades caririenses. Sempre arregimentados
pelo poder da bala, os inimigos simplesmente cercavam, dominavam o opositor e o
depunham. Não houve um único caso de reação por parte do poder do Estado. A
postura do comendador Nogueira Accioly sempre foi a de consagrar na Intendência
municipal o coronel vencedor do embate (MACEDO, 1990). Assim caiu o coronel
Belém, em Crato, Neco Ribeiro em Barbalha e Antonio Roseo em Missão Velha. Um
dos episódios mais marcados pela violência foi a chamada questão de 8 (porque
ocorrido no ano de 1908), em Aurora, que antes da deposição do poder local do
coronel Totonho Leite, deu azo à terrível chacina do Taveira, uma emboscada a
mando do coronel Totonho e com a participação de homens do governo do Estado,
que resistida, levou ao poder outra famosa matrona caririense, dona Marica
Macedo, ou Marica do Tipi (MACEDO, 1990).
Esse derradeiro episódio teve reflexos
indiretos no acontecimento de 1910 em Lavras da Mangabeira, onde no curso da
sequência de levantes do poder local, também tentaram apear do poder o coronel
Gustavo Augusto. O acontecido teve vez em oito de abril de 1910, quando aproximadamente
cento e cinquenta cabras, liderados por Quinco Vasques (Joaquim Vasques
Landim), proveniente da serra de São Pedro (hoje Caririaçu), tomou as ruas de
Lavras e apeio fogo de bacamarte contra a residência do coronel Gustavo Augusto
Lima, que avisado com antecedência do ataque, havia arregimentado seu pessoal,
o que possibilitou que resistisse com sucesso. Esgotada a munição do agressor,
forçado foi a bater em retirada. CALIXTO JÚNIOR (2017) em obra específica sobre
esse acontecimento não consegue identificar as razões precisas que teria Quinco
Vasques para entregar-se a tão perigosa empreitada. Aduz, contudo, que “foi
atribuída pelo Pe. Alencar Peixoto a responsabilidade do ataque a Lavras (...)
aos mandões do Crato” (CALIXTO JÚNIOR, 2017, p. 55). Também em outra passagem
do mesmo trabalho, conclui ter havido algum tipo de atrito entre Gustavo e
Vasques desconhecido, contudo, das fontes históricas.
Quinco Vasques
Do inquérito que foi instaurado
para apurar tal ocorrido, o próprio Quinco Vasques confessa que ao cabo de sua
missão deveria entregar a intendência a José Augusto de Oliveira, o Zé Burrego,
por sua vez filho de Pombinha e cunhado do coronel Gustavo. Também, antes de
invadir a vila de Lavras, Vasques pernoitou na propriedade do major Eusébio
Tomás de Aquino, primo de Gustavo. Já na urbe, invadiram a casa do irmão de
Gustavo, coronel Francisco Augusto Correia Lima. Apesar do parentesco com a
vítima do ataque, ambas as personagens eram seus inimigos políticos,
partidários da dissidente Pombinha (MACEDO, 1990).
Por sua vez, há evidências de que
os derrotados de oito, em Aurora, intentavam fortalecer sua posição através da
nova Intendência de Lavras, o que facilitaria a retomada de seu poder em
Aurora. Conforme vaticina MACEDO (1990, p. 122), é preciso se considerar “as
profundas vinculações de parentesco e amizade de José Augusto de Oliveira, ou
seja, José Borrego, e José Leite de Oliveira com os Leites e Gonçalves de
Aurora, os quais (...) haviam sido escorraçados, com seu chefe, o coronel
Antônio Leite Teixeira, vulgo, Totonho Leite”.
Portanto, o ataque era claramente
uma tentativa de substituir o poder de um coronel por outro, dessa feita com
peculiaridade de serem os pretensos depositor e deposto membros da mesma
família. Claro revide à deposição anos antes do coronel Honório. Só que dessa
vez, foi vencedora a resistência, no único episódio no Cariri de manutenção do
mesmo potentado após os ataques dos inimigos.
Logo no ano seguinte viria a ter
fim a prática da deposição à bala. Não pela autoridade do oligarca Accioly, que
seguia como sempre pusilanimemente referendando o vencedor pelas armas,
alegando o fato consumado, mas pela arte nada menos que de padre Cícero, que
valendo-se da autoridade e respeito que possuía sobre todos os contendores,
arquitetou o famoso Pacto dos Coronéis, documento firmado em Juazeiro, sob a
presidência do padre, que estabelecia o armistício e a instituição de
procedimentos pacíficos de solução de futuros conflitos.E desde então não houve
mais refregas desse tipo no Cariri.Os tiros de bacamarte, contudo, ainda não
silenciaram, porque com a queda da oligarquia Accioly, veio a desgraça política
de todos os coronéis locais, que humilhados viram a substituição de seus
Intendentes por pessoas da confiança do novo Presidente do Estado, Franco
Rabelo.Era preciso derrubá-lo, pois. E a tempestade perfeita se apresentou
quando o Presidente do Estado se recusou a apoiar a candidatura do todo
poderoso Pinheiro Machado à Presidência da República.
Pesquisador e escritor Jorge Emicles
ICC-Instituto Cultural do Cariri
Parte de 2 de Artigo de Jorge Emicles
E vem ai
Cariri Cangaço 10 Anos
Crato-Juazeiro do Norte-Barro
Missão Velha-Lavras da Mangabeira
Nenhum comentário:
Postar um comentário