Pela sua proximidade com o Rio São Francisco, a Gruta de Angico, os sertões de Poço Redondo e as alagoanas Piranhas e Entremontes, pelos idos dos anos 30 Cajueiro era um verdadeiro reduto de famosos coiteiros, principalmente os da família Félix, como os irmãos Manoel Félix e Adauto Félix. Também de outros renomados nomes como Lourival Félix, Erasmo Félix e Messias Caduda.
Adauto Félix era figura de proa na comunidade ribeirinha, sempre vivendo nas suas entranhas e arredores. Um dia, depois de juntar os trocados na sua lida do dia a dia, lançou o olhar sobre uma casa grande, verdadeiro sobrado, de paredes largas e dependências confortáveis, com muro à frente e arquitetura esmerada, e resolveu adquirir para nela fincar sua família. E foi assim que o sobrado então pertencente a Durval Rodrigues Rosa (o mesmo Durval político e ex-prefeito de Poço Redondo, que nasceu e por muito tempo viveu na região) passou a ser de propriedade do famoso ribeirinho.
Mas hoje, infelizmente, o casarão do saudoso Adauto Félix está praticamente abandonado, sem portas, tomado pelo mato e pela força do tempo. Ao adentrar, logo se percebe a pujança de outrora, o que deixa o visitante entristecido pelo abandono a que foi relegada esta grandiosa página da história de Cajueiro e de Poço Redondo. Dizem (e não era nem pra dizer isso) que discordâncias entre os herdeiros se tornou o grande empecilho para que o casarão tenha uma digna destinação. Esperamos que logo tudo se resolva. Ou os verdadeiros donos de tudo logo resolverão a questão: O tempo vai se arvorar do que é seu. Dos escombros não restarão nem a poeira nem o pó.
Em Cajueiro, o casarão do coiteiro Adauto Félix fica em elevação privilegiada, de onde se pode avistar a beleza rústica e bucólica da povoação ribeirinha estendida no município de Poço Redondo. Desde os degraus aos fundos, tudo parecendo fundido no ferro da paciência. Entretanto, tudo já envelhecido pelo abandono humano e o desgaste do tempo. Mas a estrutura é tão sólida que sua inteireza impressiona. Galhagens e folhas vão se acumulando para dificultar a subida nos degraus. Na mureta da frente ainda a beleza do encosto de proteção e das vigas, onde muita gente no passado se debruçou para apreciar a beleza do rio logo adiante, do Velho Chico e sua passagem em fina flor.
A firmeza da velha construção de paredes grossas, largas, em tijolo dobrado e cimento grosso, faz lembrar uma fortaleza assim construída como proteção contra os ataques de hordas inimigas. Apenas um pedaço ou outro do reboco mostrando suas chagas abertas. Que feridas feias são as do abandono! Os sulcos nas paredes causados por pontas de paus ou outros objetos, mas não pela ação do tempo. Salas e quartos grandes, amplos, espaçosos demais. Portas e janelas altas, estreitas, mas com a madeira já carcomida de tempo. No chão, o cimento duro, corroído pelos passos dos anos e o solado da renegação. Pelos cantos, paredes e chão, o amarelado da poeira e do pó que vão se acumulando nas coisas velhas. Tudo tão belo e tão triste. Tudo tão nostálgico e angustiante. Difícil imaginar que uma construção com tamanha beleza tenha se tornado, ao invés de símbolo da preservação das memórias familiares, em mera estrutura ao deus dará. E ao adentrar, é como se vozes chamassem, dissessem, clamassem: venha, estou aqui, me faça renascer!
Rangel Alves da Costa
Pesquisador e Escritor
Conselheiro Cariri Cangaço, Poço Redondo-SE
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