A Fazenda Santa Cruz Por: Valdir José Nogueira

Fotografia de André Magalhães.

Numa madrugadinha friorenta de julho de 1927, as jovens mocinhas Belisarina Alves de Carvalho (Belisa) e Gertrudes Gomes de Carvalho (Tudinha), na companhia do vaqueiro Pedro Leôncio, em suas montarias seguiram da fazenda Malhada Grande com destino à fazenda Santa Cruz para realizar o pagamento de uma promessa, pois Belisa havia alcançado uma graça com o milagroso Bom Jesus dos Aflitos, padroeiro daquela fazenda. A devoção ao Senhor Bom Jesus dos Aflitos possui suas raízes em Portugal, de onde foi levada aos países de colonização portuguesa, como Brasil, Angola e Açores. A tradição conta que a imagem venerada na Fazenda Santa Cruz foi trazida de Portugal pelo Sr. Manoel Gomes dos Santos, casado com Maria Águida Diniz (de Panela D’Água), arrendatários e proprietários da Fazenda Inveja. A referida imagem foi benta pelo padre santo de Juazeiro Cícero Romão Batista, numa de suas inúmeras passagens pela Santa Cruz, sendo zelosamente segregada dentro de um antigo oratório de jacarandá que veio da Bahia, com outras imagens e relicários de santos também antigos e de raro valor, dentre os quais uma belíssima imagem de Santa Escolástica, hoje em poder de dona Maria José Primo de Carvalho Costa, esposa de seu Levino Costa, residente no Recife. Tradicionalmente se rezava naquela fazenda todos os anos a novena ao Bom Jesus dos Aflitos, por sinal, muito concorrida, onde afluía um grande número de devotos entre parentes moradores, agregados e vizinhos.

Ao chegarem a dita fazenda, depois dos costumeiros cumprimentos as mocinhas foram guiadas ao Quarto dos Santos onde ficava a imagem do Padroeiro da fazenda. Ora, frustrou-se a jovem Belisa porque as guardiãs do santo, dona Adelina e dona Abigail, estando as duas em seus dias de mau humor, não permitiram que o oratório fosse aberto. Tendo rezado apenas um mistério do rosário, voltaram as mocinhas para a Malhada Grande com muita raiva, sem soltar os fogos nem acender as velas que haviam levado.

A Santa Cruz era um “Condado”, conforme se falava na Ribeira de Belmonte. Foi uma das sedes da unidade familiar dos Carvalhos, da atividade produtiva do ciclo do gado além de ter sido também sede da vida política local, da grande autarquia sertaneja dessa poderosa família com poderes quase que absolutos e da rede de mandos e desmandos que pautou a própria organização do território belmontense. Além de que seu primitivo proprietário possuía ali uma grande escravaria.

Augusto Martin, Manoel Severo e Valdir Nogueira

A fazenda Santa Cruz foi arrendada à Casa da Torre da Bahia em 04 de novembro de 1829 por Gonçalo Gomes dos Santos. Este senhor era filho do português Manoel Gomes dos Santos e de Maria Águida Diniz, proprietários da Fazenda Inveja. Da fazenda Inveja originou-se o Patrimônio de Belmonte. “Tendo Ana Maria Diniz, recebido de herança de sua mãe Maria Águida Diniz uma propriedade na fazenda Campo Grande (Floresta), permutou essa fazenda pelo Sítio Santa Cruz de Cima (Belmonte), pertencente ao seu irmão Gonçalo Gomes dos Santos.” Este é o texto do documento cartorial datado de 24 de agosto de 1831, da Comarca de Floresta, conforme publicação do livro “Do Clã do Tapuio Os Primos”, da escritora belmontense Zélia Primo de Carvalho Leal. Dessa forma a referida fazenda Santa Cruz, pertencente a Ana Maria Diniz, passou por herança, para a sua filha Manoela Maria de Jesus, que casou com José Alves de Carvalho e Sá, que era filho de Manoel Goiana de Carvalho e de Maria Gomes de Sá.

Filhos de Manoela e José:
1 – Antônia Benedita de Carvalho. Casou em 28/08/1861 com Manoel de Sá e Araújo Neves, filho de Manoel de Sá e Araújo e Quitéria Maria da Cruz.
2 – Maria Teodora de Carvalho. Casou em 16/11/1859 com Manoel Lopes da Silva Barros, da fazenda Icós, filho de Martinho Lopes Diniz e Maria Águida Diniz. Esse casal deixou 8 filhos dentre os quais o tenente coronel José de Carvalho e Sá Moraes, grande vulto da história belmontense. Dentre os cargos públicos que ocupou foi prefeito em dois mandatos e grande líder político da família Carvalho no município. No tempo das questões com os Pereiras, foi embora para o Estado da Bahia, onde faleceu no ano de 1920.
3 – Gertrudes Maria de Carvalho. Casou em 28/05/1859 com Clementino Alves de Carvalho, natural da freguesia de Fazenda Grande, filho de Antônio Alves de Carvalho e Antônia Maria de Carvalho. Esse casal também deixou 8 filhos, dentre os quais Antônio Clementino de Carvalho e Sá, o famoso caudilho Antônio Quelé. Este se transformou no principal desafeto da família Pereira em decorrência de ter assassinado Manoel Pereira Maranhão seu parente. Quelé foi preso e inocentado. A sua absolvição demarcou o ressurgimento da secular questão entre Carvalho e Pereira na ribeira do Pajeú no século passado.
4 – Joaquim Ernesto de Carvalho. Solteiro, em 13/01/1874, aos 27 anos de idade faleceu de “bexigas”.
5 – João Alves de Carvalho e Sá. Nascido no dia 16/05/1838, época em que estava acontecendo as imolações no “Reino Encantado da Pedra do Reino”. Foi batizado solenemente pelo reverendo Frei Simão do Coração de Maria que lhe pôs os santos olhos na Capela de São Francisco a 22/06/1838, sendo padrinhos Manoel de Carvalho Alves (seu tio paterno) e Gertrudes Maria de Barros (sua tia-avó materna).
6 – Ana Maria Diniz – faleceu ainda criança.
José Alves de Carvalho e Sá, que era conhecido também como Zezinho ou Zé de Carvalho da Santa Cruz, seu antigo proprietário, depois da morte do seu cunhado José Pires Ribeiro, encabeçou a relação dos responsáveis para a conclusão da igrejinha de São José do Belmonte que havia ficado inacabada.
Há relatos de que Zé de Carvalho sempre dizia: - “Quando eu morrer me enterre na porta central da Igreja de São José para que o povo de Belmonte passe por cima, como forma de remir os meus pecados.” Ao falecer em 1897 seu desejo foi cumprido sendo então sepultado no local por ele indicado. Em 1927, trinta anos depois, o padre Renato de Menezes empreendeu uma reforma na Matriz de São José. Quando os mestres foram cavar os alicerces da base da torre, que logo após desabou, o mestre da construção encontrou as meias de seda e as botinas do velho Zé de Carvalho da Fazenda Santa Cruz ainda intactas.
Observem os sinais do caminho do tempo, a sede da Fazenda Santa Cruz, imóvel secular que abrigou tantas histórias se transformou hoje em assentamento do MST, onde o único sobrevivente do seu passado é um nobre, grande, belo e poderoso Baobá, que triste e saudoso vive ali a contemplar o passado glorioso daquela velha fazenda do torrão belmontense.
Valdir José Nogueira de Moura, Conselheiro Cariri Cangaço

2 comentários:

Anônimo disse...

Não há assentamento de MsT na referida fazenda.

neriwho disse...

Não há assentamento de MsT na referida fazenda. Houve engano. A fazenda pertence aos filhos do ex-prefeito da cidade. Por favor, corrigir este detalhe. Obrigado.