A Morte dos Cangaceiros Mané Moreno, sua Companheira Áurea e Cravo Roxo Por:Archimedes Marques

Mané Moreno

O grupo chefiado por Mané Moreno estava arranchado há três dias na fazenda Jaramataia, em Gararu, propriedade essa pertencente a Antônio Caixeiro, o maior coiteiro de Lampião em Sergipe. Nessa ocasião Antônio Caixeiro ali não estava presente, entretanto, os seus empregados tinham ordem expressa para receber os cangaceiros quando eles bem lhes conviessem, tanto é que a Jaramataia também era um dos portos seguros desses bandoleiros, além de outras tantas fazendas de um lado ou doutro lado do “Velho Chico”, então pertencentes a esse tão importante coiteiro. Assim, provavelmente por conta de informações de moradores circunvizinhos, Odilon Flor ali foi parar no encalço e rastro dos cangaceiros, oportunidade em que os mesmos já tinham “capado o gato”, ou seja, já tinham saído de Jaramataia. Diferente dos policiais sergipanos que não se atreviam a “apertar” os empregados de Antônio Caixeiro em virtude de ele ser o pai do governador Eronides Ferreira de Carvalho, logo, Odilon Flor “pressionou” um vaqueiro e este “vomitou” o trajeto tomado pelos cangaceiros que pararam na casa de Janjão, em Poço da Volta. Neste sentido o mestre Alcino Alves Costa nos ensina que o nome do vaqueiro que delatou a rota dos cangaceiros foi o Pedro Miguel. Tudo ocorreu da seguinte maneira:

Antônio Caixeiro

Era a tarde do dia 23 de junho de 1937, véspera de São João, e na fazenda vizinha, a Palestina, de propriedade de Nezinho Meia Lasca, fazenda essa situada à beira do rio Gararu, logo mais a noite haveria uma festança em homenagem ao santo mais comemorado do mês junino, entre nós, os nordestinos. Nezinho, além de ser um violeiro famoso era festeiro e assim o São João nas suas terras seria de primeira grandeza e o “arrasta-pé” prometia “pegar o sol com a mão”, ou seja, dança e muita animação até o raiar do dia.

A enorme fogueira acesa no meio do terreiro servia ao mesmo tempo para iluminar a para aquecer, pois o frio era intenso. O sanfoneiro não parava o fole, acompanhado de viola, surdo e pandeiro, um bom “Trio Pé de Serra”. Muita bebida, muitas jovens da redondeza e solteironas atiradas, foguetório, bombas, busca-pés. Mané Moreno dançava no alpendre da casa com a sua companheira Áurea.

Era por volta das nove horas da noite quando Odilon Flor guiado pelo exímio rastejador, o cabo Leonídio que também prestava serviços a tropa de Zé Rufino, ali chegou com os seus outros comandados que não se preocupavam em fazer silencio, vez que tudo era abafado pelo calor da festa, ademais a força policial estava em extrema vantagem, pois se encontrava na escuridão da noite enquanto os cangaceiros estavam no clareado da fogueira, alvos fáceis, além dos candeeiros postados na casa sede da fazenda, sem esquecer do fator surpresa, muito importante em qualquer combate, enfim, tudo estava a favor do bravo Odilon Flor naquela bela noite de São João. Assim, todos os policiais se postaram para o ataque surpresa, imprevisto para os animados festejadores, alvos bem visíveis. Alguns escolheram os seus alvos e com a ordem do comandante Odilon Flor “mandaram bala”, tiro que “só o diabo” e “pernas para que te quero” após o pandemônio da nova situação que quase não deu tempo de reação, apenas alguns tiros em revide contra o clarão que vinha da escuridão, enfim, o melhor era fugir e foi isso que o restante do bando fez, principalmente quando viram que o seu chefe já “alçava voo para se entender com São Pedro em pleno São João”, ou seja, o Mané Moreno havia sido atingido mortalmente. E o resultado desse tiroteio foi que ficaram estendidos sem vida cinco cadáveres: três cangaceiros e um casal de convidados que ali se divertia.

Mané Moreno e Áurea foram de logo reconhecidos. Quanto ao outro morto pensaram ser o Gorgulho. Depois o identificaram como sendo o Cravo Roxo. Além dos visitantes mortos, havia muita gente ferida, inclusive Nezinho Meia Lasca, dono da casa. Da força de Odilon Flor ficou ferido sem gravidade o soldado Luís Manoel Santos.


Dia seguinte o sargento Odilon Flor apresentou os seus “troféus”, as cabeças dos cangaceiros abatidos, na cidade de Gararu, onde foram fotografadas e de lá seguiu para Jeremoabo, na Bahia, onde esperava a devida promoção por bravura à patente de tenente.

Entretanto, ao invés de Odilon Flor ser promovido, fora severamente repreendido pelo capitão Manoel Campos de Menezes, comandante das F.O.N.E. (Forças em Operações no Nordeste) situada em território baiano. Odilon Flor fora repreendido por conta de interferência política do Estado de Sergipe com a Bahia, vez que além dos cangaceiros abatidos, sua tropa matara um casal de inocentes e ferira tantos outros que não tinham nada a ver com a bandidagem, apenas estavam em local errado, no horário errado, no dia errado, tão comum naquela época em que os cangaceiros intimavam as pessoas para as suas festas que se não fossem atendidos correriam risco de vingança. Vale ressaltar que o capitão Manoel Campos de Menezes nesse mesmo ano veio a falecer, aos 33 anos de idade, vítima de meningite que assolou aquela região baiana.

Aracaju, 03 de novembro de 2020
Archimedes Marques, Pesquisador
Presidente da ABLA e Conselheiro Cariri Cangaço

Um comentário:

Gallaecian Northeastern disse...

Antes de mais nada, meus parabéns pela persistência e pelo acervo enorme do blog! Me deparei com este texto, um tempo atrás, e achei bem diferente do que se fala mais comumente sobre Cangaço e como vocês são pesquisadores, talvez interesse uma visão diferenciada: https://frente-iberocelta.net/2018/08/17/uma-breve-nota-sobre-combates-e-homens-nas-caatingas-do-nordeste-brasileiro/