Para aprofundar o conhecimento deste maravilhoso universo de Câmara Cascudo, Manoel Severo, curador do Cariri Cangaço, recebe a Presidente do Ludovicus - Instituto Câmara Cascudo; Daliana Cascudo Roberti Leite e o Conselheiro Cariri Cangaço, membro do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, pesquisador e escritor, Honório de Medeiros.
"Colecionador de Crepúsculos
Luís da Câmara Cascudo, construtor de monumentos culturais imorredouros, nasceu no dia 30 de dezembro – dedicado a São Sabino – de 1898, numa sexta-feira, às dezessete horas e trinta minutos – momento do Ângelus – na Rua Senador José Bonifácio, número 212, conhecida Rua das Virgens, no bairro da Ribeira, Cidade do Natal. Um canguleiro, pela divisão existente.
Seus pais, Francisco Justino de Oliveira Cascudo (27/11/1863 – 19/05/1935) e Ana Maria da Câmara Pimenta ou Donana (17/02/1871 – 09/03/1962) eram parentes próximos, ambos de Campo Grande, Rio Grande do Norte. Ele, militar de coragem comprovada, líder, habilidoso conversador, caridoso, honesto e respeitado comerciante no final da existência. Ela, religiosa, bondosa, dedicada dona de casa.
Luís tinha sido um sobrevivente das moléstias que acometeram seus irmãos. Maria Octávia e Antonio Haroldo faleceram em Caicó, onde o genitor era Delegado Militar. Já em Natal, Maria Severina, que trazia os olhos azuis paternos, morreu em 1903, com um ano e três meses. Todos sucumbiram da mesma enfermidade, crupe ou difteria. A parteira foi Bernardina Nery, falecida no Bairro das Rocas, onde morava, em 25 de agosto de 1922, com oitenta e dois anos. Trouxera ao mundo mais de oitocentas crianças. Ouvindo o choro alto do nascituro, o pai, Tenente do Batalhão de Segurança, perguntou aflito:- Homem ou Mulher? Respondeu “Mãe” Bernardina:- Ele veste calças.
Cascudo sempre respeitou sua masculinidade. Apesar da ausência de preconceitos que o caracterizava jamais se fantasiou de menina nem mesmo usou saiote kilt em festa escocesa. O nome escolhido foi promessa materna, que desejava Luís de França. O pai vetou o “de França”, mantendo a ortografia. Luís permaneceu com a letra “esse”. Batizou-o Santo Padre João Maria, na Capela do Bom Jesus das Dores, na Ribeira, hoje Matriz, no dia 9 de maio de 1899. Seus Padrinhos foram o Desembargador Joaquim Ferreira Chaves, Governador do Estado, e sua esposa D. Alexandrina Barreto Ferreira Chaves, amigos da família.
O Padrinho estudara latim e respondeu naquele idioma as perguntas do sacerdote. O Padre João Maria, hoje canonizado pela sabedoria popular, com busto em bronze perpetuamente cercado de velas e ex-votos, abençoou-o com nome em latim: Ludovicus. Ao término da cerimônia religiosa, a madrinha entregou o batizando à sua mãe, que ficara na residência, como era o costume, dizendo as palavras tradicionais:- Comadre, aqui está seu filho, que levei pagão e trago cristão!...Até sua morte, Luís procurou manter a fé e merecer sua cristandade.
Cascudo não denominava realmente a família paterna, constituída dos Justino de Oliveira, Gondim, Ferreira de Melo, e Marques Leal. Antonio Justino de Oliveira (1829-1891), pai de Francisco, filho de Antonio Marques Leal (1801-1891), vindo do português do mesmo apelido, era chamado de “o velho Cascudo”, pela devoção ao partido Conservador, possuidor de tal alcunha. Somente Francisco Justino e o irmão Manuel (1864- 1909) juntaram Cascudo ao nome. Manuel faleceu em São Paulo, major da Polícia Militar, Comandante da Guarda Cívica, casado com a alemã Carlota Ester, sem descendência. Luis da Câmara Cascudo foi assim registrado para perpetuar a tradição nascida com o pai e o tio Manuel. Nos primeiros anos do Século XX unicamente Luís e o primo Simplício, filho da tia Maria Severa e de criação de Francisco Justino, eram Cascudo. Depois o nome foi adotado por alguns primos, tornando-se “popular” no Estado.
Cascudo não é o besouro, o coleóptero, nem muito menos o gestual de castigo. É um peixe de loca, acari, Precostomus loricariae. Cascudo é peixe, padrinho do rio Carioca, vindo do Acari-Oca, paradeiro dos Acaris. Luís da Câmara Cascudo, estudioso da heráldica, incluiu o peixe no seu ex-libris, acrescido da máxima latina: Dum Spiro Spero, que significa: enquanto respiro, espero. Dizia Jorge Amado que era a afirmação da esperança. Hoje o ex-libris acrescido do nome Ludovicus, é registrado pelo Instituto Câmara Cascudo, perpetuador do seu nome, obra, essência.
O primeiro banho do menino Luis foi com água morna, bem temperada com vinho do Porto. A “simpatia” era para ficar forte. Foi acrescentado um patacão de prata, do Império. Promessa de nunca faltar dinheiro. Conclui-se hoje que foram bem intencionados, mas sem garantias reais e palpáveis de concretização. Menino magro, enfermiço, pálido, cercado de dietas e restrições clínicas, assim se auto-descrevia meu pai. Mas os amigos mais próximos, Jaime Wanderley e “Babuá”, rejeitavam esses adjetivos. Afirmavam que os professores, especialmente Francisco Ivo Cavalcanti recordava criança vivaz, alegre, inteligente, buliçosa, inquieta. Mesmo proibido de correr, pular, pisar descalça na areia, subir em árvores, tudo pelo receio dos pais de ter Luis a destinação dos irmãos, aproveitava as oportunidades para desafiar a sorte. Obediente na aparência. Brincava no quarto cheio de brinquedos. Obrigavam-lhe o sedentarismo. Mas fugia, dando asas à sua imaginação sem limites, tomando banho frio, brincando na rua, pescando no rio Potengi.
Aprendeu a ler sozinho aos seis anos, graças à revista Tico-Tico. Sua primeira professora foi Totônia Cerqueira, que lhe amarrou no braço uma fita azul, jurando seu aluno ter aprendido tudo que ensinara. Estudou no Externato Sagrado Coração de Jesus, no Colégio Diocesano Santo Antonio. Morando no Tirol, os pais resolveram pelo ensino a domicilio. Professores magistrais, depois tornados amigos diletos: Pedro Alexandrino, Francisco Ivo Cavalcanti, Ivo Filho. Lia muito, tudo que encontrava. Revistas, álbuns, gravuras, almanaques, novidades, estórias. A curiosidade ilimitada que possuía abria seus tentáculos para o mundo que o cercava. Em 1914 passou a freqüentar cursos, preparando-se para os exames no Atheneu Norte-Rio-Grandense. Lá, estudou Humanidades, e se “enturmou”. Queixava-se do isolamento infantil. Da ausência dos “melhores amigos”. De brincar sozinho, com soldadinhos vindos da Alemanha, estação com trens ingleses, casa de madeira, armada sobre rodas no quintal da residência na Campina da Ribeira. Jaime Adour da Câmara (1898-1964) era um dos íntimos. A casa, depois “Vila Cascudo”, vivia repleta de amigos e era o supra-sumo da Democracia posta em prática: hospedou com o mesmo carinho a Família Imperial e Fabião das Queimadas, cantador que fora escravo.
Sobre a “Vila Cascudo”, façamos algumas considerações importantes. Em fins de 1913, Francisco Cascudo, empresário, adquiriu ao arquiteto Herculano Ramos, por vinte mil réis, a “Vila Amélia”, no Ti rol, “região de chácaras e quintais”. A propriedade abrangia três quartas partes do quarteirão entre as avenidas Campos Sales e Rodrigues Alves, Rua Apodi ao fundo e à frente a Jundiaí, número 93. Paralelamente, a Avenida Rodrigues Alves, era quase toda de Cascudo, lembra Jaime Câmara (Revista Província 2, 1998). No ângulo com a Rua Apodi, presenteou ao Monsenhor José Alves Ferreira Landim, o terreno para a construção da Capela de Santa Terezinha do Menino Jesus, hoje Matriz, “onde nenhuma inscrição rememora a generosa dádiva” (Luis da C. Cascudo, O Tempo e Eu). O Coronel Cascudo murou-a de balaustres e instalou-se com a mobília adquirida do Senador Pedro Velho, jacarandá entalhado de dragões, descanso em rosáceas confeccionadas de veludo francês. Pérgula, do terraço ao portão na Rua Jundiaí. A sala de visitas era pintada a óleo com grinaldas e florões, pelo artista espanhol Rafael Foster que aqui residia. Mosaicos belgas em toda a extensão residencial, vindos do antigo proprietário. Tetos forrados em fundo de masseira. Lustres de cristal tcheco. No saguão, iluminado pelas janelas de rechias, abria-se a primitiva biblioteca de Herculano, depois com literatura selecionada por Henrique Castriciano e Pedro Alexandrino. No meio dos livros, Luís se sentia no Paraíso...
Árvores de frutos raros, que eram podadas por jardineiro italiano; cajueiros, mangueiras, jambeiros. Frondosos e plenos de frutas deliciosas. Caramanchões com jasmins do cabo, resedás e bogarís, de odor penetrante. Donana Cascudo conservava um jardim lindíssimo, que contornava a casa. Possuía enorme variedade de rosas, de cores diversas, e mais de duzentas dálias, de tamanhos e tons diferenciados. Profetizava o nome de quem seria sua nora, Dáhlia. Na Vila, seriam recebidas as maiores personalidades nacionais. Perto do largo portão da Rodrigues Alves, o estábulo das vacas holandesas, e a estribaria do Cavalo Cossaco.
Luís da Câmara Cascudo foi para a Vila ou Principado do Tirol adolescente, com quinze anos incompletos. Saiu de lá aos 34, bacharel, professor, pobre, casado e com um filho, sustentando mãe, pai, esposa e primogênito. F. Cascudo hipotecara todo aquele mundo por trinta réis, e não conseguiu saldar a dívida, executada. Não pediu nem solicitou auxilio de ninguém. Donana lhe entregou todas suas valiosas jóias, que depois assistia, sendo usadas pelas mulheres dos “amigos...”. Todos os empréstimos, feitos sem recibos pela credulidade do Cel. Cascudo não foram resgatados. A conhecida promessa da honra motivada por um fio de cabelo do bigode do devedor não funcionou... A falência do pai provocou uma imensa reviravolta na vida do filho, segundo suas próprias palavras: “A pobreza de meu pai, altiva e nobre, não me permitia abandoná-lo e viajar para o sul, vencer no Rio. Filho único devia retribuir em assistência quanto tivera em pecúnia e carinho. Fiquei, definitivamente e sem recalques, provinciano. Ia ser até a velhice, professor jagunço. Sem perder o aprumo senhorial, o olhar azul irresistível, as maneiras gentis e afáveis. Continuou uma das figuras mais prestigiosas e queridas da cidade.” (“O Tempo e Eu”, Luís da Câmara Cascudo).
Sua verdadeira vocação era ser cientista. Foi cursar medicina na Bahia em 1918. Fez até o quarto ano. Sonhava possuir laboratório e desenvolver pesquisas. Naquele tempo não havia a especialidade. Era indispensável ter uma esmeralda no dedo. Mas com meu avô, Francisco Justino de Oliveira Cascudo já empobrecido, o filho não poderia ser mais um pesquisador na terapêutica tradicional, como desejava. Os móveis, os utensílios, tudo demandava muito dinheiro. Sem uma queixa, abandonou o curso no último ano e fixou-se na Cidade do Natal. Começou a ensinar nos Colégios e Cursos particulares.
Foi para a Faculdade de Direito do Recife, levando as economias pessoais, hospedado em pensões humildes e típicas. Em dezembro de 1928 formou-se em Ciências Jurídicas e Sociais. A pobreza do seu pai, altiva e nobre, não lhe permitia abandoná-lo e viajar para o sul, mesmo recebendo convites tentadores. Já era noivo. Filho único devia retribuir em assistência quanto tivera em pecúnia e carinho. Ficou, definitivamente e sem recalques, provinciano. Ia ser até a velhice, professor jagunço.
Professor do Atheneu Norte-Rio-Grandense em 1928, Américo de Oliveira Costa relembra as aulas que fascinavam alunos, com a classe repleta de intelectuais que vinham assisti-las, incrédulos pela verve e erudição demonstradas, contrastando com sua jovialidade. É válido registrar que até pouco tempo atrás, era conhecido como jornalista brilhante e filho de milionário. Agora era sustentáculo familiar. Ensinava História Geral e do Brasil em diversos cursos e ainda dava aulas particulares. Permanecia lendo e escrevendo sem descanso. Sem dúvida, um trabalhador. Foi ainda Professor da Escola Normal, dos Colégios D. Pedro II e Marista, e Nossa Senhora das Neves. Um guerreiro. Em 1950, o Governador José Augusto Varela nomeou-o Diretor do Museu e Arquivo. Antes fora advogado de funcionários da Great Western e Secretário do Tribunal de Justiça, com a penitência diária de lavrar atas. Junto com Valdemar de Almeida, fundou um Instituto de Ensino Musical. Dizia-se apaixonado pela Música, popular ou clássica. Lia as pautas com rapidez impressionante. Foi esta a base para a criação da Escola de Música.
Silvio Piza Pedrosa, grande amigo, companheiro na deslumbrante tarefa diária de buscar os mais belos crepúsculos da cidade, lembrou do seu nome para a recém fundada Faculdade de Direito do Natal em 1951. Mas antes ensinava Etnografia na Faculdade de Filosofia e Ética na Faculdade de Serviço Social. Foi, com Onofre Lopes e uma plêiade de abnegados, capitaneados pelo Governador Dinarte de Medeiros Mariz, um dos responsáveis pelo ingresso no nível de Universidade que seria Federal. Seu discurso na Cerimônia de Abertura da Universidade, em 1959, até hoje é citado pela perfeição textual. Em algumas Faculdades de Filosofia ou Jornalismo do Sul, exemplo de técnica, traduzido para vários idiomas.
Filho único de Chefe Político, com o dom da palavra e carisma de líder, o mundo não aceitava seu desinteresse eleitoral. Amigo de Dinarte e Aluisio Alves, em entrevista, declarou que era impossível para ele dividir conterrâneos em cores ou gestos de dedos, quando a terra é uma unidade com a sua gente. “Meu país vive e pensa no nosso corpo”, repetia. Nacionalmente, foi muito convidado à Senadoria. “O difícil é escolher o estado. Sou principalmente brasileiro. Amo todo o seu território”, finalizava. Professor foi a sua destinação. Ainda na UFRN dirigiu o Instituto de Antropologia, hoje Museu Câmara Cascudo. Aposentou-se em 1966. Em 1967 recebeu o Título de “Professor Emérito” e, em 1977, o de Doutor Honoris Causa. Presença ativa em todas as frentes da atividade local, nacional e internacional. Ergueu a escada ascendente de sua obra pioneira e única, adquirindo conhecimentos graças a esforço isolado, pesquisa paciente e labor continuo que o tornaram sábio. Solitariamente, sem recursos pecuniários e em rincão nordestino, produziu um conjunto de obras de pesquisa, análise e interpretação da realidade brasileira em todos os ângulos, de elevado grau de criatividade e densidade cultural.
Estudiosos da sua biografia, documentando-a analiticamente, ressaltam que esse fenômeno das nossas letras provou que é possível escrever livros que revelam ampla erudição e pontos de vista absolutamente pessoais, numa cidade sem bibliotecas, vivendo sem nenhum privilegio de fortuna e de poder, trabalhando duramente para manter a família. Segundo Carlos Drummond de Andrade, “ele diz, tintim por tintim a alma do Brasil em suas heranças mágicas, suas manifestações rituais, seu comportamento em face do mistério e da realidade comezinha. Não é apenas o Homem-Dicionário que sabe tudo, é muito mais, e sua vasta bibliografia de estudos folclóricos e históricos marca uma bela existência de trabalho inserido na preocupação de “viver” o Brasil.”
Na sua obra, pois, há o historiador, o etnógrafo, o folclorista, o antropologista, o sociólogo, o ensaísta, o jornalista, o tradutor de diversos idiomas, o comentador, memorialista, o cronista. Até romancista de costumes animais, com nitidez cientifica.As “Actas Diurnas”, artigos escritos de 1939 a 1960 nos dois jornais locais, iniciaram a crônica histórica, estilo diferente de fixador, pintor de tipos humanos. Inventou conceito brasileiro para a literatura oral. Deu foros de ciência ao folclore, que difundiu e valorizou. Inovou fornecendo caráter enciclopédico à sua pesquisa. Sua atualização e modernidade são surpreendentes. O texto enxuto, claro, parece saído de um manual de redação. Descobertas e afirmações postas em dúvida anteriormente, pela ausência de técnicas, são reconhecidas como verdades, nos dias de hoje.
Até marqueteiro se revelou. Sua frase, “O melhor do Brasil é o Brasileiro”, deu origem à campanha de autoestima, detentora de diversos prêmios populares e da área. Dizia o IBOPE que nove entre dez brasileiros se identifica com a sentença. Foi, em termos comparativos, maior e por mais tempo no ar na televisão, dando seqüência à valorização de símbolos e cores pátrios, qual sirene chamativa de significados adormecidos.
No dia 30 de julho de 1986 ele deixou a terra, viajando para outra galáxia. Mas de maneira inédita, permanece entre nós.
Criou a Universidade Popular, com aulas públicas por dois anos. Fundador e idealizador, com grupo de escritores potiguares, da Academia Norte Rio Grandense de Letras em 1936; fundador, com o gaúcho Dante Laytano, da Academia Brasileira de Arte, Cultura e História, ativa em São Paulo; Homem do Século, em votação popular ocorrida em 2007, promovida pela Rede Globo de Televisão, no Rio Grande do Norte. Nove vezes inspirou e protagonizou Coleção de Selos dos Correios e Telégrafos; foi cédula de cinqüenta mil cruzeiros; cartões de telefone; bilhete da Loteria Federal, esgotado em uma semana. Sonhou e concretizou a Sociedade Brasileira de Folclore, em 1941, quando a cultura popular era ignorada e até estigmatizada pelos estudiosos brasileiros. Destacado como pensador sul-americano em religiosidade, teve painel gigante comemorativo na EXPO 98, em Lisboa, Portugal, sob a égide de Nossa Senhora Aparecida, Padroeira do Brasil. A Europa comentou favoravelmente sua frase sábia: O Brasileiro, na sua fé particular, traz para si o conforto da mãe de Jesus, retirando-a do coletivo. Assim, passamos a usar “Valei-me minha Nossa Senhora”!
Motivo de exposições nacionais, como, por exemplo, “Um Homem Chamado Brasil”, nos salões do BID, Rio de Janeiro; escolhido para titular colégios no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Norte, pracinha, rua em Belo Horizonte, São Paulo e Natal, avenida, elevado em São Paulo, faculdades, creches, memorial, museu, agências bancárias, lojas de artesanato. Foi nome de Concurso Internacional em setenta e oito países, no PARLATINO, dirigido pelo Deputado Federal Nei Lopes de Souza, seu aluno na Faculdade de Direito da UFRN; Semana de Estudos pela sua obra na USP, SP; Núcleo de Estudos na UFRN, tendo a frente o Prof. Humberto Hermenegildo e equipe. Seus livros inspiraram peças teatrais brasileiras e espanholas, programas radiofônicos, séries televisivas, documentários em Portugal, Espanha, Brasil, México.
Por um sortilégio, está no meio de nós... Foi eleito “santo”, “São Cascudo - Padroeiro da Tradição”, com reza e santinho, no Simpósio Internacional dos Contadores de História, realizado no Rio de Janeiro, em agosto de 2007. Vivo e presente esteve nos quatro mil componentes das alas da Escola de Samba “Nenê de Vila Matilde”, em fevereiro de 2008, Grupo Um do carnaval paulista. No carro Abre-Alas, conferi, emocionada, o enredo alusivo ao seu trabalho ser cantado e dançado, com comentários generosos e gratificantes pelo Júri da TV Globo.
Na cidade de Olímpia, Estado de São Paulo, confesso que fui às lágrimas, na qualidade de Presidente de Honra do 44º Festival de Folclore em sua homenagem. Na oportunidade, mais de dois mil brincantes de todos os Estados Brasileiros faziam exatamente o que ele sempre desejou: vestidos com roupas típicas entoavam as melodias das suas terras. Iniciou-se em 2 de agosto de 2008 até o dia 8. Lá foi chancelado o Grande Colar Cultural Câmara Cascudo, pela Prefeitura de Olímpia, Festival Nacional do Folclore e Academia Brasileira de Arte, Cultura e História. Na capital, a Global Editora organizou exposição dos seus livros por ela editados, e a Academia Brasileira de Arte, Cultura e História – que tenho a honra de figurar no Conselho e como Sócia Comendadora - promoveu uma noite com presenças ilustres de todos os ramos do conhecimento do Estado de São Paulo. Inaugurado seu retrato, pintado pela Acadêmica Gigi, fato noticiado pela mídia com destaque, em 12 de agosto de 2008.
No dia 13, fui entrevistada na Televisão da Faculdade de Teologia Umbandista, e falei para alunos de diversas classes daquela entidade de estudos, respondendo sobre sua obra e importância na valorização da Umbanda no Brasil. Em Novembro de 2008, Luis da Câmara Cascudo foi consagrado como um dos inspiradores do Primeiro Congresso de Umbanda do Século XXI (o do século XX ele compareceu com Mário de Andrade) realizado na Faculdade de Teologia Umbandista, em São Paulo. Fui honrada como uma das Professoras de tão importante acontecimento.
Em 10 de dezembro de 2008 recebi a Medalha de Mérito Câmara Cascudo, instituída pela unanimidade dos Deputados e referendada pelo Presidente nos salões da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Norte. Este ano, fui abençoada. A maior consagração como escritora e biógrafa. O título do meu livro, “O COLECIONADOR DE CREPÚSCULOS” (2004) narrando, com ótica filial e na qualidade de testemunha-confidente passagens vividas pelo eterno mestre, foi utilizado para titular, no Teatro SESI de São Paulo, Serviço Nacional da Indústria uma peça excepcional. O autor e Diretor Teatral Vladimir Capella reuniu vinte e quatro atores, com participação afetiva de Rolando Boldrin, que faz o Senhor Brasil, Câmara Cascudo. O autor destacou que o Brasil está contido na riqueza literária do homenageado, tributo justo à sua vida e obra.
Deixo de enumerar seus mais de cento e cinqüenta livros, plaquetes, opúsculos, separatas e crônicas, descobertos constantemente no Brasil, em Portugal, Espanha e França, para não me alongar em demasia. Na síntese panorâmica da existência do meu pai, o coração bate forte, apontando figura feminina que ele denominava, na dedicatória dos seus livros, “animadora incomparável” ou “flor sem espinhos”. Dáhlia Freire Cascudo, de tradicional família macaibense, filha caçula do Juiz de Direito, depois Presidente do Tribunal de Justiça e Desembargador José Teotônio Freire e da fidalga Maria Leopoldina Viana, conhecida por Sinhá, virtuose no piano e apaixonada pela língua e civilização francesas. Luís a conheceu com dezesseis anos, aluna das Irmãs Dorotéias, tímida e encabulada. Criticado pela genitora, Donana Cascudo, por deixar de lado nomes famosos de apaixonadas mulheres e se interessar apenas por uma menina, respondeu ofertando à linda adolescente a boneca Elza, até hoje sob a guarda da nossa primogênita, Daliana. Foram 57 anos de casamento, harmonioso e feliz. Pergunto-me se a obra gigantesca de Luís da Câmara Cascudo, profunda e consistente, existiria em tal dimensão, sem a permanente doçura da companheira. Na plaquete comemorativa ao seu centenário, que será brevemente editada, na crônica intitulada “Planeta Saudade”, como filha observadora, mas ainda calcada na prática da Promotoria de Justiça e no exercício jornalístico, opinei. Escrevi que: “O segredo de Dáhlia foi à definição da escolha. Ela possuiu a lucidez de peneirar o real, reservar o importante, apagar o supérfluo. Fazia-se de desentendida quanto uma escapadela boêmia, valorizando a harmonia familiar, a segurança do lar, a simplicidade do cotidiano. O marido conservou ideário de liberdade, sem amarras, buscas, averiguações. Regressava para o carinho leal e aparente credulidade nos seus sonhos.”
Meu irmão, Fernando Luís, e eu, herdamos dos nossos pais a sabedoria de manter harmonia conjugal, base para a riqueza emocional que nossos filhos e netos ampliarão através dos seus descendentes. Na nossa paisagem intima, realizamos a mais autêntica imortalidade. Tal sanidade moral , de envelhecer amando, é o baú de tesouros que legamos. Que nossos herdeiros o mantenham, através dos tempos...
Termino transcrevendo o Santinho que foi distribuído no Rio de Janeiro, quando da sua eleição como São Cascudo - Patrono da Tradição:
“Primeiro os preparativos: acenda o fumo, deixe a conversa tomar rumo. A rede esticada, presa em duas palmeiras. O céu noturno cheio de estrelas. Agora, a oração:
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