Festa de abertura do Cariri Cangaço em Aurora
Quão lisonjeiro e gratificante é a doce experiência de se viver toda a emoção de, literalmente termos mergulhados no fundo da história destes sertões do mundo. Principalmente em meio a uma sensação de alegria e contentamento quase descomunal, numa sinergia coletiva entre aqueles que procuram o tempo todo viver e sentir os fatos históricos na sua compleição mais forte e verdadeira, quase como uma profissão de fé.
Na sua grande maioria, pesquisadores, escritores e historiadores deveras apaixonados que são pela temática dos sertões e, em particular, do fenômeno do cangaço desde a sua gênese. Tendo como pano de fundo, o papel exercido pela ínclita figura de Virgulino Ferreira da Silva - O Lampião, rei do cangaço e os seus comandados, além de coronéis, beatos, jagunços, coiteiros e volantes.
Uma grande multidão de aficionados, dos mais diversos e distantes rincões do Nordeste (quando de outras partes do Brasil e do mundo) reunidos em torno de um tema no mais das vezes, recorrente e por demais palpitante. Movidos todos eles, pelo combustível incontrolável da curiosidade, da leitura e da pesquisa como um farol sempre a serviço da verdade e da ciência social. Uma multidão de abnegados pesquisadores, cuja paixão pela história lampiônica é quase uma marca indelével, notadamente na visão dos que desejam sempre quere aprender um pouco mais.
José Cícero recepcionando o Conselho do Cariri Cangaço em Aurora
Um considerável ingrediente que há muito tem fomentado a produção de conhecimento, chamando a sociedade (em especial a acadêmica) a pensar e se debruçar sobre toda uma série de questões a partir do enfoque do cangaço e seus desdobramentos. E, é bom que se diga, o Cariri Cangaço tem jogado um papel de destaque neste processo. Assim como outros eventos do mesmo naipe, que ora acontecem em outras paragens do Nordeste e pelo País afora.
Quem sabe, como uma profunda cicatriz deixada na própria pele (destes sertanejos curiosos), por espinhos de antigos mandacarus durante as inumeráveis andanças e incursões pelas inóspitas caatingas nordestinas.
Uma declaração de guerra em favor do bem. O bom combate anunciado como que por meio de medievais trombetas sertanejas, sobre os chapadões destes grotões caririenses. Uma sensação de alegria sem tamanho, estampada nos olhos, bem como no peito de todos estes verdadeiros vaqueiros visionários de uma saga sem fim, chamada cangaço.
Cariri Cangaço visita o Caldeirão do Beato Zé Lourenço
Pulsão de quase morte a nos impulsionar às andanças e à pesquisa, buscando conhecer um pouco mais daquilo que, de fato, aconteceu um dia neste sagrado chão e pelas bibocas desconhecidas de uma elite ainda hoje preconceituosa.
Sem dúvidas, num gesto da mais evidente ousadia dos que, ainda não se deram por satisfeito diante da mentira de uma história descrita e escrita pelos vencedores. E assim, decidem por si mesmos, ir além. Muito além da versão daquilo que há muito se convencionou a chamar de história oficial.
Diante de todo este incomensurável contentamento e disposição para este mergulho profundo e perigoso na história, ficamos a nos perguntar: Que força e que energia (talvez sobrenatural) nos impulsionam a esta grandiosa empreitada? Que motivação será tão forte, a ponto de fazer com que homens e mulheres das mais diferentes classes, profissões, idades, concepções, crenças e lócus geográficos; desconhecendo distâncias venham se compor como num verdadeiro exército de desbravadores pós-modernos ansiando ver de perto os nossos sertões hodiernos? A face cruel da história. Os resquícios do passado que sobreviveu a toda escuridão tenebrosa dos anos idos...
Que argamassa inquebrantável possui a fantástico história do cangaço ainda hoje, ao ponto de mexer o mais profundamente possível com todos nós pesquisadores e entusiastas desta temática?
Será que, como dizem os opositores, estamos implicitamente a enaltecer bandidos? Não. Isso não.
O que estamos na verdade, ao meu juízo, é lançando um novo olhar justo, preciso e necessário sobre a fenomenologia dos acontecimentos que, por mais de cem anos, impregnou os sertões e a sua gente de grandes percalços, marcados pela miséria e pela injustiça de toda sorte.
Independentemente, portanto, de enxergarmos (por exemplo) Lampião, quer seja como herói ou como bandido - o cangaço por seu turno, como um fenômeno eminentemente social e político, deixou sua marca na historiografia de todo o interior nordestino. E Virgulino Ferreira, o Lampião, quer queira ou quer não, foi o seu protagonista maior. De tal maneira que não poderá passar despercebido neste estudo de casos e acontecimentos. É fundamental que conheçamos nossa verdadeira história...
Como de resto, é mister que se diga que, só após as estripulias de Lampião com seu bando, foi que o sertão ´passou´ a ser visto de uma outra maneira pelos poderes do litoral. Contudo, parte daquela antiga realidade ainda persiste, vez que a ótica dos poderosos também permanece tal qual como no passado: míope, excludente, injusta, massacrante, discriminante e mentirosa.
José Cícero
Professor e pesquisador do cangaço
Fonte:http://diariodonordeste.globo.com
2 comentários:
Muito bom mesmo. Percebe-se nas linhas e entrelinhas, uma admiração, não direi exagerada, mas, repleta de uma adrenalina que, na nossa língua chamamos: Inspiração. Admiração pelo que se faz, pesquisa, demonstra; é desse gás que precisam os poetas e escritores, para externar ao mundo as suas opiniões e conhecimentos. PARABÉNS, Professor José cicero, continue pesquisando e nos dando a conhecer o fruto das suas descobertas. Joana Rodrigues
Bom dia Professor. Muito bom o seu texto. Agradeço, por ter compartilhado. Parabéns, pela exposição da sua pesquisa, envolvendo a cultura ainda escondida e pouco divulgada do nosso nordeste. É de muita valia e qualidade.
Postar um comentário