O Pacto dos Governadores para Eliminar os Cangaceiros Parte I Por: Honorio de Medeiros

Honório de Medeiros e Manoel Severo

Teria havido um pacto entre os governadores para a eliminação dos cangaceiros, sem que lhes fosse dado o direito de responderem processo ante a Justiça? O estudo dos cangaceirólogos e os indícios levam a crer que sim.

Houve uma reunião em Recife, no dia 28 de dezembro de 1926, entre os chefes de polícia dos estados do Nordeste, cujo teor não pôde ser vazado para a imprensa em decorrência do seu caráter reservado e das medidas de ordem interna que estavam sendo tomadas e não podiam ser reveladas.

Governador Estácio Coimbra

O Governador anfitrião, Estácio Coimbra, na abertura do conclave, fizera críticas contundentes aos coronéis do interior e sua complacência com o banditismo. E já havia tomado algumas medidas radicais no combate ao cangaceirismo: nomeara, a 16 de novembro daquele ano, o Major Teófanes Ferraz Torres para comando geral das unidades policiais de cidades e vilas no interior do Estado e lhe dera “carta branca” para atacar o principal suporte dos cangaceiros, através da eliminação ou redução drástica de seus coiteiros, mesmo que para isso fosse necessário prender e torturar, como de fato foi feito ao longo dos anos seguintes.

Frederico Pernambucano de Mello[1] comenta o encontro:

Daí para a idéia da promoção de novo encontro[2] ia apenas um leve passo. Ele é dado logo a 28 de dezembro desse ano[3] com a reunião, mais uma vez no Recife, de representantes dos Estados atingidos pela ação do banditismo – os tradicionais, como os mais recentes – de modo especial a que decorria do comando superiormente engenhoso de Lampião.

Da Paraíba, freguesa antiga do bandido, chega o chefe de polícia, Júlio Lira; do Ceará, Paes de Carvalho; do Rio Grande do Norte, Benício Filho[4]. Pernambuco se faz representar pelo chefe de polícia, Eurico de Souza Leão, e pelo secretário de Justiça, Genaro Guimarães. (...) Alagoas, Ernande Teixeira Bastos; (...) Madureira de Pinho, chefe de polícia da Bahia.” 

Eurico de Sousa Leão

Vamos aos indícios: no Rio Grande do Norte, Sérgio Dantas relata o episódio da morte de Mormaço e Bronzeado[5]: 

“Mossoró, 12 de março. A cadeia pública passava por minuciosa revista. Prisioneiro recambiado para a cidade de Apodi deu conta às autoridades de plano de fuga encabeçado pelos cangaceiros Mormaço e Bronzeado. O objetivo da empreitada – segundo o delator – seria o aprisionamento do carcereiro e a tomada das armas depositadas no paiol. 

A polícia não titubeou e investigou sumariamente a denúncia. Descobriu sinais de arrombamento em porão localizado no setor norte do presídio. Sem maiores rodeiros, responsabilizou os dois cangaceiros por tentativa de fuga e os imobilizou à força de algemas[6]. 

Na manhã seguinte decidiu-se pelo encaminhamento dos prisioneiros para a capital. O tenente Laurentino ficou encarregado de facilitar o transporte. Além de Mormaço e Bronzeado, seriam de igual recambiados os criminosos Thomaz dos Santos e Waldemar Ramos, presos comuns, detidos há meses na cidade salineira.

A ordem de transferência para Natal – segundo insinuações surgidas no período subseqüente à eclosão do movimento revolucionário de 1930 – partira do Governo do Estado, ainda na véspera. Fato concreto, imaculado de dúvidas, é que a transferência em discussão foi efetivamente autorizada.

Museu Lauro da Escóssia, antiga cadeia pública de Mossoró

Entre Mossoró e Açu, no Sítio Lagoa Cerrada, os bandoleiros encontraram a morte. Foram fuzilados. Não se chegou, à época, a ser apresentada à sociedade civil versão verossímil para o caso.

Durante o governo revolucionário de 1930, entretanto, foi aberto Inquérito para apurar os extermínios de criminosos, inclusive cangaceiros. O Tenente Abdon Nunes – não se sabe a que pretexto – chamou para si toda a culpa pelos assassinatos. Isentou o Governo do Estado de qualquer responsabilidade. Durante interrogatório, disse, textualmente: ‘Não recebi ordens de ninguém. E diga ao Chefe de Polícia que tive pena de não ter podido matar os outros’[7]. 

No Ceará a imprensa reagiu à chacina, em tudo e por tudo realizada nos moldes utilizados para a morte de Jararaca, Bronzeado e Mormaço, comandada pelo Sargento José Antônio do Nascimento, do cangaceiro Lua Branca e quatro comparsas, remanescentes do bando de João Vinte e Dois[8]: 

‘Os grandes responsáveis são os poderosos e tranqüilos mandantes dessas tropelias dos cangaceiros. São vendedores de armas e munições. São os compradores solertes dos produtos de cada assalto’.” 

[1] “GUERREIROS DO SOL”; Massangana Editora; A Girafa Editora Ltda. ; Segunda edição; 2004; São Paulo; SP.
[2] O anterior fora em 15 de dezembro de 1922.
[3] 1926.
[4] Benício Filho era Chefe de Polícia do Governador José Augusto Bezerra de Medeiros e irmão do Chefe dos Correios e Telégrafos de Mossoró, este acusado por Paulo Fernandes, ex-Prefeito de Mossoró e filho de Rodolpho Fernandes, de fomentar o afastamento de seu pai com o Governador do Estado que era seu correligionário político.
[5] “LAMPIÃO E O RIO GRANDE DO NORTE”; DANTAS, Sérgio Augusto de Souza; Cartgraf – Gráfica Editora; 2005; Natal; Rn.
[6] Terá sido armação? Por que esse preso foi recambiado para Apodi? Talvez tenha sido seu prêmio, caso contrário teria o mesmo fim dos outros presos comuns. Observe-se a rapidez com que a polícia agiu.
[7] Sérgio Dantas informa que a afirmação está em SUASSUNA e MARIZ, 2002, p. 236.
[8] “LAMPIÃO E O RIO GRANDE DO NORTE”; DANTAS, Sérgio Augusto de Souza; Cartgraf – Gráfica Editora; 2005; Natal; Rn.

Continua...

Honório de Medeiros
Pesquisador, Escritor, Conselheiro Cariri Cangaço
Conselheiro da SBEC
Fonte:http://honoriodemedeiros.blogspot.com.br/

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