O cangaço é um fenômeno resultante dos
conflitos rurais entre famílias poderosas, da desigualdade social, e da ausência
do poder publico, especialmente no sertão nordestino. Segundo o historiador
paulista Marco Antônio Villa[1],
durante as grandes secas que ocorreram na região, os poucos recursos que o
governo federal enviava para a sobrevivência dos flagelados eram na grande
maioria desviados pelas autoridades regionais. Não é difícil imaginar as
arbitrariedades cometidas pelos mandões locais, os senhores do
"baraço" e do "cutelo".
Virgolino
Ferreira da Silva, vulgo Lampião, entre as décadas de 1920 e 1930 do século XX,
foi o bandido mais notório do Brasil. Nascido em uma pequena vila pernambucana,
à época Vila Bela, hoje Serra Talhada, no ano de 1898, numa família de
remediadas posses. Em suas andanças percorreu sete estados nordestinos e ficou
quase 20 anos no cangaço como sua principal liderança. Extremamente
estrategista inovou o cangaço adotando uma nova estética e dividindo seu bando
em vários subgrupos, para os quais indicou como chefes diversos companheiros
entre àqueles que se destacaram pela lealdade, valentia e espírito de comando, sendo mais conhecidos Corisco, Zé Baiano, Zé Sereno, Labareda, Gato, Mariano, Azulão e outros mais (2).
Esses
grupos operavam diferentes áreas de vários estados, método que usavam para
confundir e despistar seus perseguidores, especialmente as polícias estaduais,
as denominadas volantes[3]. Com
a morte de Virgulino Ferreira e grande parte do seu bando em 28 de julho de 1938,
o cangaço perdeu sua força, não só pelas crescentes baixas e destroçamento dos
bandos, como também, em razão do isolamento decorrente de uma nova política
oficial, concebida como modelo para o Estado Novo que incluía a imagem de
modernidade e desenvolvimentismo, incompatível como grupos marginais como os
cangaceiros, representações da incivilidade e atraso, mazelas sociais que
precisavam ser erradicadas.
Os poucos sobreviventes, sucumbiram a repressão
violenta, optando pela rendição ou dizimados pelas forças militares, as
conhecidas volantes, como foi de Corisco, morto em 25 de maio de 1940, pelas
mãos do José Rufino – aquele mesmo que queria “passar de pato a ganso” – como
afirmara Lampião, em Brotas de Macaúbas, em território baiano. Antes, contudo,
nas muitas escaramuças com a polícia baiana, outros grupos sucumbiram, a
exemplo do que ocorreu com Azulão e seus companheiros abatidos no ano de 1933,
na fazenda Lagoa do Limo município de Monte Alegre, atualmente Mairí [4].
Município de Mairi, Bahia
Segunda a
narrativa oral dos meus avôs, antes de chegar a Lagoa do Limo, Azulão e seu
bando deixaram rastros de sangue na região. Na mesma semana em que foram mortos
passaram pela Fazenda Morrinhos, de Zezé Almeida, localizada entre os
municípios de Várzea da Roça e Mairi, ocasião na qual os bandidos assaltaram a
casa e assassinaram o vaqueiro, o proprietário e o seu filho. Os prisioneiros
foram levados para varanda, local em que um dos cangaceiros golpeou o rosto do
fazendeiro com o rifle e indagou onde havia escondido o dinheiro. Enquanto isso
os demais vasculhavam a casa em busca de jóias e ouro, Zezé ainda sem entender
o que ocorria interrogou o que estava acontecendo, recebendo como resposta um
tiro fatal.
Zabelê revirou os bolsos do morto encontrando um conto de réis,
quantia que repassou para o Chefe. O
filho de Zezé correu para socorrer o pai, porém, foi executado a tiros por
Canjica; Maria, companheira de Azulão, soltou o vaqueiro e ordenou que ele
fosse preparar a comida, que ao se recusar obedecer a cangaceira foi atingido
com um tiro nas costas, Azulão ainda o apunhalou na clavicular, como se sangra
um boi e ato contínuo a cangaceira impressionada com a quantidade de sangue que
brotava do cadáver, benzeu-se e, toda arrepiada disse:
“Nóis tomo cortado[5]”!!
De acordo como o depoimento do meu tio avô Manoel Ferreira Dias, mais conhecido como Manezinho, na passagem do grupo de Azulão na região da Várzea da Roça eles também surraram uma curandeira, surgindo daí uma história segundo a qual, essa mulher teria feito um “trabalho” para deixa-los “bobados[6]”, circulando sem poder sair dessa região da Lagoa do Limo e facilitando assim a ação das seus perseguidores. Importante destacar que a prática de curandeirismo[7] no Sertão é a mistura do candomblé africano com elementos da cultura indígena, o conhecido Candomblé de Caboclo, por isso que as casas de candomblés são chamadas de casas de curadores, diferente do candomblé de matriz puramente africana que conhecemos em Salvador e Recôncavo baiano.
Sobre este fato
ouvi do meu tio Pedro Lopes, morador do Bom Sucesso, povoado daquele município,
dizer que no ano de 1933 uma volante oriunda de Jeremoabo e integrada com a
Força[8] do
sargento José Fernandes de Mundo Novo - ambas cidades sediadas na Bahia - e sob
a chefia do Tenente José Rufino passou pela região em busca dos cangaceiros que
estavam escondidos naquelas localidades. Segundo ele as volantes seguiam em
direção da Fazenda Lagoa do Limo, pois já tinha informação onde os “cabras”
estavam acoitados[9].
Os bandidos chegaram à noite, Azulão gritou o coiteiro Zeca das Batatas para
prepara a comida, Zeca abriu a janela lentamente e depois foi a porta com um
candeeiro na mão, dizendo para os cangaceiros entrasse logo, no interior da
casa o dono avisou que era melhor irem se arranchar no mato próximo da roça de
mandioca. Advertiu que ali estava infestado de “macacos[10]”.
Quase todos os dias passa uma Volante por essas bandas. Com essa informação
Azulão colocou o cangaceiro Canjica de vigia na frente da casa, enquanto os
demais jantavam. Quando os militares chegaram à fazenda onde os bandidos se
alojavam encontraram uma mulher a quem interrogaram sobre o paradeiro do bando,
a qual afirmou nada saber, não tendo mesmo visto nenhum cangaceiro na região. O
comandante estava muito desconfiado da resposta, já que rastos de alpercatas
marcavam o solo dando evidencia de muita gente no terreiro da casa, quando
naquele momento chegava um garoto do mato, filho da mulher interrogada, com uma
cabaça onde havia transportado água, sendo que neste instante um dos chefes das
volantes indagou ao menino de onde ele vinha, momento em que a mãe do garoto
começou a chorar temendo que os soldados lhes matassem.
O menino, igualmente assustado, então contou ter levado água para alguns trabalhadores e pressionado pelos policiais, os levou até onde estavam os supostos trabalhadores. Feita a aproximação cautelosa do local o Tenente orientou que o garoto apontasse o esconderijo e voltasse abaixado, e deu sinal para que os soldados se espalhassem e tomasse suas posições de combate. Cumprida a determinação, quando os sitiantes aproximavam-se do coito um dos integrantes pisou em um galho seco que estalou chamando atenção dos “cabras”, que estavam no maior folgar comendo ovos cozidos com batata doce e tomando café.
O tiroteio foi rápido e fulminante
não havendo tempo para os cangaceiros sacarem as armas, o resultado final foi à
morte de três homens e uma mulher, enquanto outros dois conseguiram escapar.
Zabelê e Maria Dórea, ou Maria de Azulão como também era conhecida tombaram
mortos, Arvoredo e Calais escaparam pela caatinga, Azulão e Canjica caíram
baleados. Segundo o escritor José Anderson Nascimento[11],
alguns bandoleiros foram decapitados ainda com vida, “Canjica, malferido,
implorava-lhes (aos militares, grifo
nosso) que não cortasse o pescoço, mas as suas súplicas não foram ouvidas.
Azulão diante da aproximação do verdugo grunhiu: "Morri como homem cabra!"
Após o ritual macabro, os militares vasculharam os bolsos, bornais e chapéus dos cangaceiros, só foi encontrado um canto de réis no bolso de Azulão. Arrancaram os anéis dos dedos do cadáver de Maria e um deles apanhou o trancelim[12] de ouro, embebido de sangue e areia, o qual antes ornava o pescoço da cangaceira”.
Volante do Tenente Zé Rufino, em pé à esquerda
O menino, igualmente assustado, então contou ter levado água para alguns trabalhadores e pressionado pelos policiais, os levou até onde estavam os supostos trabalhadores. Feita a aproximação cautelosa do local o Tenente orientou que o garoto apontasse o esconderijo e voltasse abaixado, e deu sinal para que os soldados se espalhassem e tomasse suas posições de combate. Cumprida a determinação, quando os sitiantes aproximavam-se do coito um dos integrantes pisou em um galho seco que estalou chamando atenção dos “cabras”, que estavam no maior folgar comendo ovos cozidos com batata doce e tomando café.
Cabeças de Zabelê, Maria, Azulão e Canjica
Após o ritual macabro, os militares vasculharam os bolsos, bornais e chapéus dos cangaceiros, só foi encontrado um canto de réis no bolso de Azulão. Arrancaram os anéis dos dedos do cadáver de Maria e um deles apanhou o trancelim[12] de ouro, embebido de sangue e areia, o qual antes ornava o pescoço da cangaceira”.
Continua...
Vicente Figueiredo
Historiador, Salvador - BA
[1] VILLA, Marco Antônio. Vida e morte no sertão: história das secas no
nordeste nos XIX e XX. São Paulo: editora Ática-2001, p. 190, 192.
[2] Podemos
citar ainda Português, Arvoredo, Pancada, Canário, Moita Brava e Moreno.
[3] As
volantes eram grupos militares mantidos pelo Estado. Seus membros eram nativos
recrutados que conhecia bem a região, para combater o cangaço.
[4] Situado
em antiga região aurífera, próxima a cidade de Jacobina, a vila de Monte Alegre
passou a chamar-se Mairi, por força do Decreto-lei Estadual nº 141, de
31-12-1943, retificado pelo Decreto Estadual nº 12978, de 01-06-1944.
[5] Cortado
as proteções do corpo fechado, na qual os cangaceiros acreditavam.
[6] Bobados
derivado de bobo. Expressão de uso corrente entre os sertanejos.
[7] Prática de
rezas e curas usadas no interior do Brasil. Sugerimos consulta a medicina
popular do Brasil.
[8]
Denominação que os sertanejos davam as volantes, aos grupos policiais.
[9] Derivado
de coito, ou seja, esconderijo.
[10]
Denominação pejorativa que os cangaceiros davam os policiais.
[11] NASCIMENTO, José
Anderson. Cangaceiros, coiteiros e
volantes. -são Paulo: Editora Ícone, 1998,
P. 228.
[12] Cordão delgado de ouro usado
principalmente pelas mulheres.
7 comentários:
Parabéns pelo excelente trabalho!
Parabéns pelo excelente trabalho.
Parabéns pelo excelente trabalho.
Muito bom,Vicente é um dos melhores historiador jovem.... excelente pesquisa , parabéns!!
as alguns erros nao havia coiteiro algum,nao era zeca das batatas e sim Raimundo Moreira Oliveira e sua mae Dna Cyrila, na na fazenda bom sucesso de Pedro bento eles eles deram palmatoria nas maos de dna Joana Ferreira ali nao matarm ninguem a fazenda e Lagoa do LINO- ADELSO MOTA HISTORIADOR DO CANGAÇO EM NOSSA REGIAO. SERROLANDIA, VARZEA DO POÇO, VARZEA DA ROÇA,MAIRI, MUNDO NOVO,ITAPEIPU,MUCAMBO, MIGUEL CALMON,JACOBINA
Segundo minhas pesquisas, ouve reação do cangaceiros, não foi tão rápido! Há relatos que Maria estava com um revóilver na mão!
realmente na fazenda bom sucesso era o Sr. pedro lopes - Adelso mota
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