Antonio Conselheiro na Mira da Imprensa Por:José Gonçalves do Nascimento

Conselheiro sob a arte de Demóstenes Fidélis

Inteiramente alinhada com os interesses das classes dominantes, a imprensa assumiu papel assaz significativo no processo de disseminação do discurso anti-conselheirista, responsável pela estigmatização, perante a sociedade brasileira, da imagem de Antônio Vicente Mendes Maciel, conhecido pela alcunha de Antônio Conselheiro.


Conselheiro foi líder e fundador do arraial de Canudos, uma das mais belas experiências de vida comunitária de que se tem conhecimento. Situada às margens do rio Vazabarris, no semiárido baiano, a povoação reuniu milhares de sertanejos provenientes, dos mais diferentes rincões do nordeste. Em apenas quatro anos (1893-1897), Canudos tornar-se-ia um dos maiores aglomerados populacionais do estado da Bahia, adquirindo, inclusive, sua autonomia econômica.


Poucos personagens da história do Brasil foram tão hostilizados pelos órgãos de imprensa quanto Antônio Conselheiro. Tudo começou quando o jornal O rabudo, da cidade de Estância, na edição de 22 de novembro de 1874, publicou uma reportagem sobre a presença do peregrino de origem cearense em terras de Sergipe.

Antonio Conselheiro de José Wilker

Após classificar o Conselheiro como “misterioso personagem”, “aventureiro santarrão”, operador de “mentirosos milagres” e possível criminoso, o informativo sergipano solicitava a intervenção das autoridades, no sentido de que fosse tal “homem capturado e levado à presença do governo imperial, a fim de prevenir os males que ainda não foram postos em prática pela palavra do frei Santo Antônio dos Mares moderno.”

Daquele momento em diante, seria essa a tônica adotada por praticamente todos os jornais que trataram da temática do Conselheiro – antes e depois da fundação do arraial de Canudos. 

Caso típico é o da crônica do jornal Correio da Bahia, publicada no dia 7 de julho de 1876, dois anos após a notícia saída na folha estanciana: “Este indivíduo apareceu em diversos lugares desta província, pregando doutrinas errôneas e desmoralizando as autoridades e até os vigários. Contra esse escândalo reclamou o vigário capitular, que, tendo as mais fundadas suspeitas de ser o indivíduo em questão um dos célebres criminosos do terrível morticínio que se deu no Ceará, em 1872, mandou buscar [Antônio Conselheiro] a esta capital”. 



Anos mais tarde, já estabelecido o peregrino na comunidade de Canudos, repetir-se-ia o mesmo diapasão. Em matéria veiculada no dia 31 de maio de 1893, o Diário de notícias, de Salvador, ao tempo em que chamava atenção para “o célebre fanático, conhecido por Conselheiro”, “indivíduo perigoso” e “elemento de desordem” – tendo se tornado “o terror das autoridades” – reclamava por providências enérgicas “a fim de se evitarem cenas de maior gravidade.” 

A campanha persecutória da imprensa contra o movimento liderado por Antônio Conselheiro culminou com a guerra fratricida de 1896/1897. Naquele reduzido, mas conturbado espaço de tempo, quiçá o mais crítico da história do Brasil, cerca de uma dúzia de jornais de todo o país, a maioria deles a serviço dos interesses governamentais, viria a tomar parte na questão de Canudos. Vários jornais, especialmente de Salvador, São Paulo e Rio de Janeiro, enviaram correspondentes especiais para o teatro da luta, a fim de seguirem de perto o desenrolar dos acontecimentos.

Para facilitar a comunicação, uma linha telegráfica foi construída entre Monte Santo e Queimadas, as duas principais bases de operação militar. Era a primeira vez, no Brasil, que se utilizavam os serviços telegráficos para noticiar um conflito armado. Outros eventos ocorridos poucos anos antes, como a Revolta da Armada e a Revolução Federalista, não dispuseram da mesma cobertura.



Do teatro da guerra, as notícias eram despachadas para Monte Santo e dali expedidas via telégrafo para outras cidades do país, em especial Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo, onde eram publicadas pelos órgãos de imprensa. Dentre os principais jornais que se ocuparam do caso, destaca-se O Estado de São Paulo, o qual teve como enviado especial o escritor Euclides da Cunha, autor do clássico Os Sertões, uma das principais fontes sobre o abominável confronto.

No plano internacional, diversos periódicos se ocuparam da cobertura dos acontecimentos, cabendo destacar o Vossische Zeitung, de Berlim, o The Times, de Londres, o Le Temps, de Paris, o New York Herald, de Nova York, e o La Nación, de Bueno Aires. Isso faria da guerra de Canudos um tema midiático, não só no Brasil, mas também no exterior, afirma um especialista no assunto, o professor Berthold Zilly. 

Tamanha cobertura jornalística foi, toda ela, operada em oposição ao Conselheiro e seu movimento libertário, concorrendo para o deslanche da guerra fratricida de 1897, quando foram massacrados milhares de brasileiros, entre sertanejos e homens de armas. Para tal fim, contribuiu não só a artilharia militar, mas também o bombardeio ideológico da imprensa brasileira e mundial.

José Gonçalves do Nascimento
Poeta e cronista
jotagoncalves_66@yahoo.com.br

Um comentário:

Unknown disse...

É impressionante como o tempo passa e a historia volta a se repetir! Hoje, em pleno seculo 21, nos ainda temos uma imprensa toda curvado aos interesses do baronato. E a população ainda insiste em cair na propagando daqueles que os enxergam como gado, muitas vezes jogando o oprimido contra aqueles que os querem livrar da opressão.