Destruição, Atraso e Violência Por:Carlos Eduardo



Carlos Eduardo Gomes

Tendo minha atenção cativada pelas histórias de cangaceiros, passei a freqüentar os eventos organizados para debater e desenvolver os estudos sobre o cangaço. Inicialmente, despertou minha curiosidade, a valentia dos protagonistas desse fenômeno, a resistência física dos cangaceiros para conseguir transpor grandes distâncias com seu equipamento, e o romantismo que impregnava os relatos dos poetas do cordel, primeiros a registrar os movimentos de rebeldia dos bandos de salteadores.
Procurando saber um pouco mais sobre esses titãs das caatingas, passei a ler e pesquisar na literatura e em conversas com outros estudiosos do assunto, a respeito do cangaceirismo.
Muitos historiadores consideram a adesão dos cangaceiros a vida bandoleira, como uma reação desses elementos a um código de ordem assimétrico (aos amigos tudo, aos inimigos a lei), imposto pelos coronéis que comandavam a política na região, notadamente na segunda metade do século XIX e início do século XX. Bem como, a dura sobrevivência no ambiente hostil da caatinga, onde o cidadão tinha enorme dificuldade de produzir seu sustento, principalmente durante épocas de secas prolongadas. Por tudo que tenho lido e escutado nos seminários que freqüento, parece que esta hipótese é aceita quase que de forma unânime entre os “cangaceirólogos”.

Antônio Silvino, agachado no centro

Embora essa motivação possa ser compreendida, os cangaceiros nunca demonstraram estarem conscientes e interessados em mudar aquela situação, quando muito, seus objetivos eram de conquistar pela força, um poder igual ou maior do que aquele que os coronéis detinham. O terror imposto ao sertanejo nordestino foi sendo ampliado com a disputa pelo controle político entre grupos adversários, a violência dos cangaceiros e a convivência com forças policiais despreparadas, que no lugar de dar tranqüilidade ao cidadão aplicava métodos tão cruéis quanto os bandoleiros. Essa situação deixou uma herança negativa na região, causando grande destruição de riqueza e perda de vidas. Os recursos subtraídos da produção (comerciantes, fazendeiros, etc.) passaram a financiar o combate e deixaram de circular no sertão, indo em boa parte para as mãos dos traficantes de armas e munição. A insegurança atrasou e encareceu o desenvolvimento da infra-estrutura para acelerar a comunicação e progresso.
Considerando apenas os grupos de cangaceiros mais conhecidos, não encontro em nenhum deles, uma atitude que pudesse ser considerada como protesto aos oligarcas e a situação de desamparo legal ao sertanejo.

-         Jesuíno Brilhante. A literatura relata que este cangaceiro foi mais preocupado com a situação de miséria imposta pela seca. Porém esses registros não encontram confirmação oficial.

-         Antônio Silvino. Na sua fase inicial, encontramos alguns episódios descritos pelos poetas de cordel, principalmente, onde o cangaceiro tomou atitudes que poderiam ser vistas como reparadoras de injustiças contra os sertanejos “sem padrinho”. Com o passar do tempo Silvino foi abandonando sua versão justiceiro e usando as armas para roubar.

-         Sebastião (Sinhô) Pereira. Esse cangaceiro adotou a vida das armas como soldado da família Pereira que de longa data mantinha luta com os Carvalho. Com problemas de saúde e aconselhado pelo Padre Cícero, abandonou o sertão nordestino, indo refugiar-se em Goiás e depois no estado de Minas Gerais.

-         Virgulino F da Silva – Lampião. A grande referência do cangaço. Sua biografia vem sendo discutida e registrada com detalhes por diversos pesquisadores. Apesar de alguns autores apresentarem Lampião como tendo sido um rebelde em luta contra os coronéis, nada confirma esta hipótese. Os registros policiais, o relato de contemporâneos de Virgulino e suas relações com os donos do poder, não comprovam esta tese.

Família Ferreira em foto de 1926 em Juazeiro do Norte

Apesar das conseqüências tão negativas no meio em que atuaram, os cangaceiros despertaram um sentimento de curiosidade e até admiração, que passados aproximadamente 70 anos do desaparecimento desses bandoleiros, suas histórias continuam motivando pesquisas, livros, filmes, seminários e etc.
Devemos considerar que os cangaceiros deixaram marcas evidentes na cultura local. Na musica, dança, alimentação. A indumentária do bando de Lampião, ainda nos dias de hoje serve como inspiração para a moda. Sem dúvida, o traço mais marcante da influência dos cangaceiros na cultura nordestina, é a adoção como marca registrada da região, do chapéu de aba virada.

Tenho visitado regularmente esta página, que é hoje, um ponto de encontro de muitos pesquisadores e colecionadores destas façanhas sertanejas. Por isso gostaria de deixar aqui algumas perguntas:

- Por que um capitulo tão cruel e negativo da história pode motivar tanto debate?

- Corremos o risco de confundir criminosos com heróis?

Muito boa a idéia do coordenador do Cariri Cangaço, Manoel Severo, de colocar ao lado das palestras sobre os cangaceiros, na próxima edição, uma exposição da vida de Delmiro Gouveia, sem dúvida uma referência muito importante e positiva para a sociedade. Um cearense paradigmático. Outro cearense que poderia enriquecer o seminário e que deixou um legado a ser exposto e debatido, poderia ser Rodolpho Theóphilo. Um homem que dedicou boa parte da sua vida e patrimônio pessoal, para salvar vidas dos seus conterrâneos.
Entendo que comparando as ações desses grandes personagens regionais, ajudaria a criar uma consciência daquilo que queremos exaltar ou não.
Precisamos ser cuidadosos ao escolher nossos heróis e vilões.

Carlos Eduardo Gomes.

11 comentários:

Anônimo disse...

Caro Carlos Eduardo, parabéns pelo excelente texto.
As perguntas são pertinentes.
Com a palavra os estudiosos.
Concordo com a idéia do Severo, quanto a inclusão do nome de Delmiro Gouveia, e quem sabe, de outros nomes nos futuros seminários.

Deixo um forte abraço para todos os confrades.

Assis Nascimento // Mossoró (RN)

Anônimo disse...

Você afirma que...”os cangaceiros nunca demonstraram estarem conscientes e interessados em mudar aquela situação”...

Não sei como voce chegou a essa conclusão. Quem em sã consciência acredita que alguem gostava daquela vida? Na realidade eles nunca acreditaram que pudessem mudar alguma coisa. Todos eles nasceram e viveram aprendendo e sendo convencidos de que eram párias da sociedade, de que aquela era uma verdade que deveria ser admitida e mantida por todos. Era dizer amém e fim de conversa. Alguns não suportaram.
Quem tinha a força e poder de mudança social eram os donos do poder, os mandões da politica; os coronéis. Será que os coronéis queriam essa mudança? Você já se perguntou isso?

Em outro trecho você resume bem essa situação...
...O terror imposto ao sertanejo nordestino foi sendo ampliado com a disputa pelo controle político entre grupos adversários, a violência dos cangaceiros e a convivência com forças policiais despreparadas, que no lugar de dar tranqüilidade ao cidadão aplicava métodos tão cruéis quanto os bandoleiros”...
Quantos documentos nos mostram que a polícia era conivente com o cangaço?. A polícia queria mesmo mudar aquilo? Perder a “boquinha”?
Quanto a “Jesuíno Brilhante...porém esses registros não encontram confirmação oficial.”... a literatura não oficial começou a ser escrita décadas depois. Portanto da época de Jesuino Brilhante só temos os registros da polícia e dos juízes. Nenhum testemunho de sertanejos. É a versão unilateral contada pelo vencedor

Em “Antonio Silvino” voce admite a atitude humana dele. Quanto a Sinhô Pereira e Virgulino, estes foram legítimos representantes do caos social instalado no seu tempo. Foram figurantes no grande teatro montado pelos Coronéis. Se não existissem eles, seriam outros nomes. Os mecenas, aqueles que os criaram ainda estão no poder 60 anos depois. Podemos encontrar centenas, milhares de descendentes mandando nos currais politicos ainda existentes no Brasil.
Vamos continuar lendo. Mas vamos procurar a neutralidade.
Um abraço

Wilton Dedê
(wildd@bol.com.br)

IVANILDO SILVEIRA disse...

AMIGO CARLOS EDUARDO,

Parabéns pela postagem do tópico acima, e pela sua grande contribuição no estudo do tema - CANGAÇO.

Valeu cangaceiro carioca (rsrsrsrsrsrs).

Abraço a todos.
IVANILDO SILVEIRA
Natal/RN

Yuri Luna disse...

Caro Eduardo,

Vc coloca o que faz um tema tão selvagem e violento chamar a atenção até hoje;

Na verdade a violencia de ontem não é muito diferente da que vemos hoje; mesmo compreendendo suas colocações, vejo os cangaceiors como produto daquela meio, daquela época, então, chamam a atençaõ até hoje porque de alguma forma mostram uma reação, um grito social, apesar de voltado para o banditismo.

E outro fator que contribui para essa perpetuidade do cangaço é justamente o conjunto de fatores que o envolvem: tanto tempo, a caatinga, as roupas, enfim, os cangaceiros de alguma forma enfeitiçam os estudiosos e curiosos do tema, mas isso não tem nada a ver com confundir bandidos com herois, de forma nenhuma,
não acredito em pesquisador que chega a confundir cangaceiro com herói.

Eles eram bandidos, fora da lei, apesar de serem a meu ver produtos do meio.

parabens pelo artigo e por nos proporcionar o debate.

Yuri

Lima Verde disse...

Professor Carlos Eduardo, concordo com o senhor quando diz que os cangaceiros não tinham a menor intensão de mudar aquela situação; e podemos confirmar isso na famosa entrevista de Lampião ao médico cratense Otacílio Macedo; quando o cangaceiro diz que "não prentendia abandonar o cangaço, pois estava se dando bem no NEGOCIO"

Lampião e todos os seus eram simplesmente bandidos que acabaram fazendo do cangaço um meio de vida.

Entretanto concordo quando se fala que cangaceito é cangaceiro, não vejo nenhuma confusão com relação a endeusar bandido, quando estuda-se o cangaço não quer dizer que se endeusa bandido, de jeito nenhum.

tambem o parabenizo pelo artigo.

Fernando L Verde

Lima Verde disse...

Wilton Dede, gostei da sua afirmação quando fala no "teatro dos coronéis", mas acho que Lampião não foi só um figurante não; ele era sim um dos principais personagens.

saudações,

Fernando L Verde

Anônimo disse...

Concordo; o cangaço se mantem até hoje despertando atenções acho que por todas as suas peculiaridades, aqueles homens passarem quase cinquenta anos cambatendo, fugindo, vivendo em condições incomuns, e como diz Frederico Pernambucano de Melo "Sem Rei e Sem Lei", acho que outra questão é sem dúvidas o que o amigo acima completa, a personalidade de Lampião, que sem dúvidas não era figurante e sim ator principal desse teatro dos coronéis.

Tambem acho que não se confundo heroi com cangaceiro.

abraços,

Roberval Tenório - Recife

Helio disse...

Professor Carlos Eduardo, parabens pelo artigo, perfeitamente lúcido.

É importante analisar o cangaço com essa isenção.

Grande abraço e parabens.

Professor Mario Helio

Anônimo disse...

O professor Carlos traça um paralelo entre os líderes cangaceiros; Jesuino Brilhante, Silvino, Sinho Pereira, Lampião. na verdade eles guardam discrepancias grandes; nenhum dos outros tres se assemelharam a Lampião, não posso considerar Jesuino Brilhante e mesmo Antonio Silvino bases para comparação com Lampião; nenhum deles manteve grupos tão numerosos e por tanto tampo e com a ação em árae tão grande; lampião foi um bandido realmente diferente dos outros, mas: bandido! Nada além disso.

E não tinham, nem ele nem nenhum deles , consciencia social ou coisa que o valha.

parabens ao professor Carlos.

Sérgio Monteiro - Fortaleza

Anônimo disse...

Agradeço a todos que dedicaram um pouco do seu tempo para ler esse pequeno texto que escrevi sem a pretensão de ser totalmente correto, mas querendo exatamente ouvir a opinião dos amigos que, como eu, gostam do assunto e freqüentam essa página na internet. Obrigado pela colaboração.

Um grande abraço aos amigos.

Carlos Eduardo Gomes.

Dedê disse...

Abraço grande professor,
essa atitude demonstra a seriedade com que vc trata o assunto.
Parabens