Os Coronéis com "c" Minúsculo Por: Fernando Fernandes


Dom Pedro II

A compreensão e a percepção de cada um, acaba determinando em menor e maior grau o entendimento sobre este tão complexo tema, que é o Cangaço. Entretanto, penso que algumas premissas têm que está presentes no bojo de qualquer análise sobre esse que sem duvidas se manifesta como um dos maiores fenômenos sociais de nosso país. Principalmente sob que condições sociais, econômicas e políticas se deram tão badalado fenômeno: a sociedade rural nordestina do início do século XX.

Ainda em 1889, um ano após o nascimento daquele que viria a ser o mais famoso personagem da saga cangaceira; Virgulino Ferreira, o Lampião; foi proclamada a República, ali se vislumbrava inúmeras conquistas sociais em detrimento do dito atraso monarquista brasileiro, dentre essas sem dúvidas estava a descentralização do poder, tão bem caracterizado pelo imperador.

Na verdade as mudanças pouco aconteceram, o centralismo mudou de forma e as instabilidades políticas dos primeiros anos da república acabaram criando outro tipo de poder, o regionalizado, representado através dos “Coronéis”, figuras emblemáticas que davam sustentação política ao governo central. A denominação “coronel” é oriunda dos tempos da criação da Guarda Nacional, ainda em 1831, quando imperava a Regência Trina, sob o comando do Padre Diogo Antônio Feijó, criador  da referida Guarda;que conferiu aos chefes locais e regionais das antigas Ordenanças tal título e honraria. 
Regente Padre Feijó

Com o tempo a Guarda seria extinta, mas o uso do título permaneceria como também o poder inerente ao mesmo. No nordeste esses senhores acabariam sendo de fundamental importância na história do cangaço. Esse poder se caracterizada pela força política; pela troca de favores, nas nomeações para os mais diversos cargos na máquina pública, na transferência de verbas e nos grupos armados. O fenômeno do Cangaço ocorreu justamente neste ambiente político.

Não só na primeira fase da república, vamos ver essa intrínseca ligação dos "coronéis" com o cangaço, também no segundo reinado de Virgulino, entre os anos dos 1929 e 1938, quando teve seu destino traçado entre as rochas do leito seco do riacho Angico, em Porto da Folha; atual Poço Redondo, em Sergipe; também poderemos verificar a extremada ligação daquele sistema de poder com os cangaceiros, daí destacamos os mandões dos rincões afastados dos estados da Bahia, Alagoas e Sergipe, que a exemplo de seus companheiros de "patente" do lado de cima do São Francisco; principalmente, Pernambuco, Paraíba e Ceará; viriam a contribuir para a perpetuação do fenômeno cangaceiro.

Cronista e Contista Fernando Fernandes
Fortaleza, Ceará


8 comentários:

Anônimo disse...

Caro Fernando Fernandes, parabéns pelo excelente texto.
Discordo apenas quanto a data de nascimento do Rei do Cangaço, ja que ele nasceu em 1898, portanto nove anos após a proclamação da República.
Um forte abraço.

Assis Nascimento // Mossoró (RN)

Anônimo disse...

Excelente texto caro Fernando, as reflexões são pertinentes, gostei demais.

Mauro Morais,

Gregório

IVANILDO SILVEIRA disse...

QUERO PARABENIZAR O SR. FERNANDO PELO EXCELENTE TEXTO, ACIMA POSTADO.

NÃO SE PODE ESTUDAR O CANGAÇO, SEM PENETRAR NESSE TEMA TÃO INTERESSANTE, QUE FOI O CORONELISMO, SOBRETUDO, NO NORDESTE. AMBOS, GUARDAM UMA RELAÇÃO MUITO FORTE DE PODER E SUBSEVIÊNCIA.

Um abraço a todos.
IVANIDO SILVEIRA
Colecionador do cangaço
Natal/RN

Anônimo disse...

Caro Fernando,

Pensar em coronelismo nos leva a refletir acerca de um período de autoritarismo com a imposição de vontades particulares e na impunidade absoluta destes autoritários. Os ditos “coronéis” agiam em seus latifúndios, transformando estes redutos geográficos em jurisdições, onde a lei, o julgamento e a execução das penas imposta passavam tão somente pelo o crivo de suas vontades e ordens. O poder de mando eram os mais diversos possíveis, indo das ações políticas em caráter local, regional ou federal, onde se aplicava o domínio econômico e social para a manipulação eleitoral em causa própria ou de seus afilhados ao controle sobre as vidas dos que deles dependiam. Embora estas práticas tenham ganhado força no Primeiro Reinado, seu apogeu se deu nas primeiras décadas do século XX.

Segundo Vitor Nunes Leal em sua obra ‘ Enxada e Voto’ a estrutura do coronelismo tem sua gênese na tradição patriarcal brasileiro e no esteio agropecuário. Para ele:

“... o coronelismo apresenta-se como um aparelho político da Primeira República, que predomina em uma relação de ajustes entre os senhores donos de terras em declínio e o poder público cada vez mais forte. Onde os coronéis (chefes políticos) exerceram poder de modo distinto em seu domínio e que, depois da Revolução de 1930 suas práticas perduraram até os dias atuais, empregadas por grandes fazendeiros, comerciantes, religiosos, industriais e profissionais liberais, entre outros que dispunha de certa influência sobre as massas e apresentavam-se para estas uma autoridade indiscutível e parecendo, para este aparelho, em toda sua extensão como um dispositivo político fundamentado em um poder paralelo ao estado oficial e utilizado, por estes para seus fins e para se manterem frente aos seus cargos, através de um emaranhado de tramas de afinidades que começa do coronel até chegar ao presidente da República, por meio de compromissos recíprocos".

A criação da Guarda Nacional em 1831 pelo governo imperial tinha como objetivo a defesa da integridade do império e da Constituição vigente. A formação desta corporação se dava por nomeação, feita pelo governo central e ou pelos presidentes de província, ambos utilizavam-se de um mecanismo bastante conhecido por todos nós, o tráfico de influência e a corrupção política.

O sistema eleitoral era totalmente manipulado, os coronéis controlavam o voto de todos os seus comandados, por ser o voto aberto, ninguém ousava afrontá-lo, votando em outro candidato que não fosse o apoiado por ele. No dia da eleição um capanga de confiança acompanhava seus agregados com intenção de garantir que o resultado fosse sempre o esperado, evitando-se assim, que sua vontade fosse contrariada. Estes votos eram denominados ‘votos de cabresto’ e as localidades comandadas por eles, ‘currais eleitorais’.

Em sintese, o sistema adotado era essencialmente oligárquico, seus líderes, os grandes latifundiários e oligarcas, homens poderosos que financiavam não só a estrutura em si, bem como bancavam as campanhas políticas suas ou de seus afilhados. Tais empreendimentos políticos lhes garantiam o poder de mando e comando não só na política, mas na Guarda Nacional, além da patente de “coronel da Guarda Nacional” patente esta conferida aos grandes patrocinadores da campanha, ou seja, proprietários de grandes latifúndios.

Os resquícios ainda são percebidos nos dias atuais, porém, pode-se dizer que o declínio do coronelismo ocorreu com a Revolução de 30, o sistema de governo imposto por Vargas enfraqueceu a prática do coronelismo em várias regiões do Brasil, sendo que no Nordeste este poderio ainda perdurou por algumas décadas.

Parabéns pelo texto.

Juliana Ischiara

Anônimo disse...

Cara Juliana.

Uma frase do Coronel Chico Heráclito, típico homem do sertão nordestino, sintetiza muito bem seu oportuno comentário: " A lei é como uma cerca - quando é forte a gente passa por baixo; quando é fraca a gente passa por cima."

Parabéns pelo comentário.

Assis Nascimento // Mossoró (Rn)

Anônimo disse...

Fico muito grato a todos os companheiros que dedicaram seus comentários a este despretencioso artigo.

Ao Senhor Assis de Mossoró, gostaria de lhes agradecer pela correção com relação à data do nascimento do Rei do Cangaço; na verdade no ímpeto de atender ao Manoel Severo com esse texto, acabei atropelando as idéias, rsrsrsrs. obrigado.

Aos senhores Ivanildo e Mauro, meus agradecimentos sinceros e a Professora Juliana ishiara, muito obrigado de coração pelo talentoso comentário, que eu diria, sem medo de errar, deveria constar como Artigo e meu artigo como seu comentário. Saudações a todos.

Fernando Fernandes de Morais
Fortaleza.

Anônimo disse...

Esse assunto “Coronelismo” é delicado e de grande importância na história regional. Os coronéis não podem ser classificados como um mal absoluto. Numa época em que a ausência de uma estrutura organizada para cumprir a função do estado deixava o povo quase desamparado, esses coronéis, bem ou mal, substituíam parcialmente esta ordem.
Não quero de forma alguma defender que esta situação fosse desejada, assim como sempre achei um absurdo a aceitação de formação de milícias para impor respeito nas comunidades atuais. Esse poder paralelo acaba tomando uma dimensão incontrolável e ao invés de solução passa a ser o problema.
O artigo do Fernado Fernandes junto com outros textos publicados neste blog, nos convidam à aprofundarmos as discussões sobre este assunto.
Recentemente tivemos um texto de Manoel Severo, sobre o coronel Delmiro Gouveia, que apesar do seu autoritarismo, deixou uma sinalização de como vencer as dificuldades e criar riqueza no sertão. Outro artigo que mostra a crueldade dos coronéis disponível neste blog “ A Tragédia de Guaribas”. Os coronéis estão entrelaçados com o cangaço, quem pesquisa um assunto tropeça no outro. Um grande tema para colocarmos em constante exame aqui no ponto de encontro dos “cangaceirólogos”.

Um abraço a todos,

Carlos Eduardo Gomes.

Anônimo disse...

Com certeza o tema "Coronéis" é por incrivel que possa parecer, atualíssimo. As ligações dessas estancias de poder rural com o poder armado, as ingerencias sobre o poder político, todas as repercusões e capilaridades, enfim, e concordo com a reflexão de Carlos Eduardo Gomes, é importante aprofundarmos cada vez mais essas discussões, para entender e desvendar o que ainda não foi revelado sobre o assunto.

Ribeiro Matos, Floresta.PE