Natural da região compreendida pela Palestina bíblica, o sírio-libanês Benjamin Abraão Botto chegou ao Brasil no ano de 1914, fugindo da convocação compulsória para lutar na Primeira Guerra Mundial, determinada pelo império inglês que dominava a região na época.
Botto rumou para o Ceará, na companhia de outros conterrâneos que alimentavam o mesmo objetivo. Na terra de Iracema, manteve contatos no Juazeiro do Norte com o célebre padre Cícero Romão Batista, tornando-se secretário particular do polêmico sacerdote católico.Interessado em cinema e fotografia, Botto foi o responsável pelas únicas imagens cinematográficas existentes de um dos protagonistas do ´milagre da hóstia´. Em Juazeiro do Norte, no mês de março de 1926, assistiu à chegada do grupo de cangaceiros chefiado por Lampião, o qual atendia convocação do caudilho Floro Bartolomeu da Costa, cujo objetivo era implementar a participação dos bandoleiros das caatingas no combate à Coluna Prestes, compondo os ´Batalhões Patrióticos´ formados no governo Arthur Bernardes.
Com a morte do padre Cícero Romão Batista, no ano de 1934, Benjamin Abraão Botto começou a elaborar ousado projeto que objetivava captar imagens fotográficas e cinematográficas do bando comandado por Lampião, cuja atuação havia se concentrado, desde 1928, entre os estados da Bahia, de Sergipe e de Alagoas. A conseqüência imediata e inevitável da ousada tentativa cangaceira de atacar a cidade de Mossoró, a qual desfrutava na época o status de já ser a segunda cidade do Rio Grande do Norte, foi o recrudescimento impressionante da perseguição de forças volantes ao bando depois da primeira derrota de Lampião, graças à ação dos mossoroenses.
Exemplo disso observou-se quando da entrada triunfante de Lampião e seus cangaceiros, no ano de 1926, na cidade pernambucana de Cabrobó, após receberem falsas patentes de oficiais do Exército Brasileiro, ´documentadas´ em Juazeiro do Norte pelo engenheiro agrônomo Pedro de Albuquerque Uchoa, a mando do padre Cícero Romão Batista, tendo em vista que Floro Bartolomeu havia sido transferido, às pressas, para Fortaleza por causa de agudas crises de angina, falecendo pouco depois, na então Capital Federal, para onde fora enviado com urgência. Lampião chegou àquela cidade de Pernambuco na companhia de cerca de 120 homens. Em 1928, após o frustrado ataque a Mossoró, Lampião empreendeu fuga desesperada para o sertão meridional, na companhia de apenas quatro asseclas. O resto do bando ou estava morto ou nas cadeias espalhadas pelos estados nordestinos que aderiram à perseguição implementada pelo governo de Juvenal Lamartine.
No eixo compreendido pelos estados baiano, sergipano e alagoano, a ´Fera do Pajeú´ recompôs o bando e inaugurou nova fase da atuação de sua vida bandoleira, encontrando pouca experiência militar que rivalizasse com suas táticas de guerra de guerrilha, razão pela qual a Bahia se apressou em contratar homens experientes para combatê-lo, como os famosos Nazarenos, eternos perseguidores do ´Rei do Cangaço´, não esquecendo ainda de citar José Osório de Farias, o famoso Zé Rufino, o matador de Corisco, o ´Diabo Louro´.
No ano de 1936, amadurecido o projeto de ir ao encontro de Lampião e seu bando nas caatingas baianas, com o apoio da AbaFilm, empresa localizada na capital cearense, Benjamin Abraão Botto inicia sua peregrinação, intuindo realizar o que até então era inimaginável, quer seja, fotografar e, principalmente, filmar o ´modus vivendi´ dos cangaceiros do bando de Lampião.
Orgulhoso e pouco enfático quanto à reflexão referente à relação entre causas e efeitos fomentados por gestos e ações que suscitam profundas e concentradas análises, como no caso do ataque tresloucado a Mossoró, Lampião não demorou a demostrar interesse em contribuir com o projeto de Benjamin Abraão. O cangaceiro conhecia o cinema, pois tinha assistido vários filmes na companhia do bando, encantando-se com as imagens em movimento da Sétima Arte.
Durante mais de um semestre Benjamin Abraão conviveu com os cangaceiros, fotografando-lhes e filmando com entusiasmo a movimentação e o dia-a-dia do grupo bandoleiro.Homens rudes, com pouca instrução, faltando-lhes clarividência, demonstraram indisfarçável alegria por protagonizarem um projeto cinematográfico inédito e ousado. Nem as relações polêmicas entre os cangaceiros e protetores foram poupadas, pois tudo foi captado pela câmera do entusiasmado sírio-libanês.
O filme foi apreendido pelo DIP. O ditador assistiu a película com os representantes do setor de segurança nacional, os quais ficaram horrorizados com as imagens mostrando coiteiros recebendo dinheiro dos bandidos, cangaceiros vistosamente adornados com ouro, prata e jóias, enfim, a dimensão exata dos quase vinte e dois anos de rapina sob o comando de Lampião.
A ordem para eliminar Lampião e seus sequazes foi dada, restando pouco tempo de vida ao bandido desde que Vargas constatou a dimensão do que estava acontecendo no nordeste brasileiro.Coiteiros, homens de importância social no sertão, políticos de projeção, foram presos. Botto teve pouco tempo de vida, sendo assassinado em Serra Talhada (PE), no ano de 1937, antes de Lampião e dez companheiros de cangaço perecerem na grota de angicos, município de Poço redondo (SE).
José Romero Araújo Cardoso.
Geógrafo. Professor-adjunto do Departamento de Geografia da UERN,
Campus Central, Mossoró/RN.
2 comentários:
Caro prof. Romero,
A priori digo-lhe que este foi um dos melhores e mais instigante artigo que li neste blog. Por isso, agradeço mais uma vez a Severo e Danielle, pela iniciativa, não bastando o grandioso evento Cariri Cangaço, ainda nos é dado à oportunidade de aprender um pouco mais sobre nossa história, o blog tem sido um excelente veículo de informação, debates e aprendizados.
Penso que as conseqüências e os desdobramentos das filmagens e fotografias feitas por Benjamin Abraão ainda não foi devidamente explorada. Visto que, além de ser uma das maiores fontes de pesquisa do universo cangaceiro, pode ter provocado o aceleramento da extinção do cangaço.
Parabéns pelo artigo.
Juliana Ischiara
Obrigado, minha estimada e querida amiga Juliana!
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