Dialogando com o Mestre Alcino Por:Juliana Ischiara

Luis Pedro ao lado do líder maior; Virgulino Ferreira, em foto de Benjamim Abraão

Concordo com suas palavras, a historiografia nunca deu a Luis Pedro o lugar de destaque que ele fez por merecer enquanto cangaceiro, principalmente por ter pertencido ao estado maior do Cangaço. Infelizmente, boa parte dos pesquisadores não enxergou outro personagem histórico além de Lampião. Por décadas, o grande líder cangaceiro reinou absoluto na historiografia e, só há pouco tempo, foi se dando oportunidade aos demais personagens, deixando que emergissem do ostracismo em que foram lançados.

Quando falo, só há pouco tempo me refiro aos muitos anos de pesquisas acerca do cangaço em que só se soube falar sobre Lampião. Concordo que ele reinou absoluto pelos sertões nordestinos, porém, não reinou sozinho e, em nenhum momento, enfrentou o poder de polícia do Estado só. Homens e mulheres tiveram suas vidas ceifadas durante o processo, seja por cangaceiros, seja pelo Estado que, por não ter tido tempo de treinar aqueles que iria combater o bando criminoso, se valeu de indivíduos corajosos e com disponibilidade de adentrar a caatinga na caça de seus pares, pois, em ambas as facções, imperavam a coragem e o destemor, bem como a ignorância, a violência e a falta de piedade para com os sertanejos desprotegidos e relegados à própria sorte.

Como vemos, a historiografia cangaceira tomou novos rumos depois de uma safra mais recente de pesquisadores. Falo de 20 e poucos anos até os dias atuais, onde houve uma oxigenação nas pesquisas, pois, escreviam-se memórias ou, se muito, falava-se tão somente de Lampião, dando uma leve pincelada em um ou outro personagem, mas apenas como subterfúgio para se enriquecer o texto, sendo que o foco principal sempre fora o grande líder do bando criminoso. Um bom exemplo do que estou falando é “Maria Bonita”, que fora relegada ao esquecimento e ou ostracismo histórico por boa parte dos pesquisadores com mais tempo de pesquisa. Bastou que um começasse a estudá-la seriamente, investigando-a e dando a devida visibilidade que a mulher teve enquanto parte integrante do bando cangaceiro, para despertar a sanha midiática de muitos. 

 Juliana Ischiara e Alcino Alves Costa, em dia de Cariri Cangaço

Dar visibilidade e trazer à tona outros personagens é extremamente salutar, mas deve-se fazê-lo com responsabilidade. As pesquisas necessitam de novos olhares, novas investigações. Não se pode analisar um fenômeno como o cangaço pegando um personagem isolado como âmago de um grande e duradouro processo social, histórico e cultural. O que me causa certo temor em relação aos novos rumos da história, em especial ao do cangaço, é perceber que muitos tem se dedicado ao tema de forma leviana, buscando tão somente fama e sucesso. Chego até a me perguntar em que estes “ditos” pesquisadores diferem dos cangaceiros, objeto de suas pesquisas? Porque vejamos, assim como os cangaceiros, eles roubam dos interessados no tema a oportunidade de saber o que de fato ocorreu, enganando, de forma insidiosa, aqueles que estão começando a pesquisar e que ainda não tem um embasamento sedimentado o suficiente para não se deixarem enganar e, de forma contumaz, mentem, inventam e ou aumentam os fatos, seja por fama, dinheiro, notoriedade. 

Nos últimos anos foram propaladas coisas tão levianas e descabidas, que chega a ser nauseante. Senão vejamos: Ezequiel viveu até a velhice no interior piauiense; Lampião não morreu em Angico e sim numa cidade no interior de Minas, depois Lampião deixa de ser o “cabra macho” que assolava o sertão nordestino e passa a ser visto como o Clodovil das caatingas, que passava horas e horas bordando, costurando, pregando botões, fazendo barras de saias e calças e daí para tornar-se homossexual foi um pulo.

Juliana Ischiara ao lado de Lily e Paulo Moura em dia de Cariri Cangaço

Por fim ou até que enfim, chegamos à era dos descobrimentos. Agora vamos saber os porquês dos nomes, Maria, que nunca foi chamada de Bonita por Lampião ou qualquer integrante do bando e que só veio a ser chamada de Maria Bonita pela imprensa, terá revelado, agora, a versão oficial e verdadeira sobre a origem de seu nome de guerra. Já estou esperando a próxima novidade: - Lampião, enquanto bordava florzinhas e estrelas, cruzava as pernas e determinava que o chamasse de “Sabrina”.Como vemos, a vaidade e a busca desenfreada por um lugar na mídia têm sido cada vez mais exageradas. Mas enquanto batermos palmas e parabenizarmos aqueles que dizem besteiras para se promoverem, teremos muitos “Pedro Moraes” pela frente. 

Mesmo tendo sido o autor de “Lampião – mata sete”, infeliz e leviano para com a história, não o considero o cavaleiro do apocalipse, mas apenas um adorador, como muitos outros, do cavaleiro e suas insignes profecias e não ficarei surpresa se, em meio a tudo isso, surgir uma sociedade secreta...

Juliana Ischiara  
Diretora do GECC, Membra da SBEC
Conselheira Cariri Cangaço


...do 'burguês' ao 'marxista'; do 'refinado' ao 'revolucionário camponês'


Artigo excelente. Juliana,com extremo bom senso, nos abre os olhos em relação aos inúmeros factóides que têm aparecido nos últimos tempos - e, convenhamos, não são poucos!!

Desta forma tem sido; quase como uma constante: se alguém acha que esse ou aquele detalhe não é interessante à sua visão de cangaço ,simplesmente se omite ou altera o 'detalhe', ferindo de morte o curso natural da História.

Neste pouco tempo em que me dedico à leitura do tema, já observei várias espécies de cangaceiros: do 'burguês' ao 'marxista'; do 'refinado' ao 'revolucionário camponês'. E a História vai ficando para trás, aparecendo, apenas, como um pano de fundo para a exposição desta ou daquela tendência ideológica. E agora, mais recentemente, também para questionar a sexualidade em uma época onde a masculinidade predominava soberba - e orgulhosa!.

Aderbal Nogueira, Maneol Severo e Sérgio Dantas


Qual será a próxima novidade? Que peça será movimentada no tabuleiro até o grito de 'cheque-mate'?? Só que, no Xadrez, vence a inteligência, o raciocínio, a argúcia.

A Ciência histórica - diferentemente do Xadrez - não é um embate, mas a busca da verossimilhaça de um ou mais fatos. E nesta, além das qualidades comuns ao enxadrista, já citada acima, há que acrescentar-se mais uma: o compromisso com a verdade!

Sds.

Sérgio Dantas.'.
NATAL

16 comentários:

josé sabino bassetti disse...

Olá pessoal.

Eis aí um comentário objetivo, profundo e abrangente da minha amiga Juliana sangue bom. Também acredito muito nessa nova safra de pesquisadores. Acredito que eles chegarão muito longe com as pesquisas sobre o cangaço. Está certo que as vezes temos que engolir algum espírito de porco que aparece na vida dizendo coisas de Lampião que só ele acredita. Mas, com certeza ele vai ser esquecido com a mesma rapidez que apareceu.

Abraço a todos.

Sabino Bassetti

Anônimo disse...

Minha amada Juliana,

Não estou surpreso com a sua extraordinária postagem. Pois todos nós os vaqueiros da histórias sabemos de seu potencial e de sua luta em favor da verdade da história.

Minha vaqueirinha! Pessoas de sua grandeza são aquelas que nos anima a prosseguirmos nessa árdua caminhada em busca de uma verdade que sabemos inatingível, a verdade da história.

Também os meus parabéns ao brilhante e notável Dr. Sérgio Dantas. As suas palavras sobre as coisas do cangaço e seus personagens são o reflexo de um homem iluminado.

Juliana! Você e seu esposo Júlio moram em meu coração. Eu amo vocês. Eu amo os verdadeiros vaqueiros da história.

Ah, ia esquecendo. Ontem quando estava em meu programa na Xingó FM de Canindé de São Francisco, recebi a visita do vereador Adriano Bonfim que foi me levar o livro "Lampião, o mata sete". E sabem que me mandava? O autor, Pedro de Morais.

Beijos de seu pai espiritual.

Alcino Alves Costa

José Cícero disse...

Caríssima Juliana,
'Cangaceira' do mais alto quilate...Orgulho do nosso Cariri Cangaço.Adorei sobremaneira o seu texto. De tal sorte que concordo em gênero, número e grau com tudo o que vc escrevera com imensa precisão. Parabéns!
JC - Aurora/CE
www.blogdaaurorajc.blogspot.com

pedro luís disse...

A facilidade atual para editar livros permite que tenhamos acesso a novas obras e descobertas; seu lado ruim é permitir que asneiras, inverdades e absurdos tenham repercussão.

Em 2011 tivemos dois lançamentos primorosos: SOUZA NETO do Barro/CE trouxe à tona "ZÉ INÁCIO", e GILMAR TEIXEIRA de Paulo Afonso/BA, foi investigativo e polêmico.


Sou novato no estudo do cangaço, tenho profunda cautela em expor posições sobre o tema, pois reconheço minha ignorância, mas hoje em dia consigo distinguir o que deve ser lido e respeitado, daquilo que deve ser desprezado e esquecido.

A "obra" do Magistrado aposentado encaixa-se perfeitamente na segunda opção.

Alguns livros até permitem uma leitura curiosa, desde que utilizado o filtro do discernimento primário, a "obra" em análise nem para isto serve, de tão absurda e catastrófica, talvez sirva para alimentar algum ego inflado ou desejo reprimido de outrem.

Qualquer tema a ser desenvolvido exige estudo criterioso e firme embasamento histórico, sob pena de virar motivo para chacota e zombaria, plenamente justificados, diga-se!!!

Só espero que os críticos não sejam acionados judicialmente, mas já vi que podemos esperar tudo...

Abraço a todos!!!!

Aderbal Nogueira disse...

Muita lucidez no arttigo.Parabens.
Com a ancoragem do amigo Sergio Dantas a transparencia veio bem a calhar. Aderbal Nogueira

IVANILDO SILVEIRA disse...

VALEU AMIGOS JULIANA E SÉRGIO DANTAS..

PELAS EXCELENTES OBSERVAÇÕES FEITAS, LOGO ACIMA...

MUITOS FATOS DO CANGAÇO, POUCO A POUCO, ESTÃO SENDO PASSADOS A LIMPO, POR ESSA NOVA PLÊIADE DE NOVOS PESQUISADORES/ESTUDIOSO..

VALEU !!
Abraço a todos.
IVANILDO ALVES SILVEIRA
Colecionador do cangaço
NATAL/RN

Anônimo disse...

Não se pode calar diante de tanta aberração, Juliana tá certa. parabens.

Marilia Lemos

Juliana Ischiara disse...

Caro Sérgio,

Muito obrigada pelas palavras gentis e incentivadoras. Bem, seria muito bom para a história, que tais répteis que vez por outra encontramos neste terreno tão inóspito e movediço que é o cangaço, tivessem ao menos a inteligência, a astúcia e o raciocínio dos enxadristas..., o segredo é ter paciência, vamos esperar a próxima novidade.

Amigo Bassetti,

Um paulista de alma nordestina e também sangue bom. Obrigada pelas palavras. O aproveita a oportunidade para lhe agradecer pela atenção e carinho de sempre, sou uma admiradora não só de seu excelente trabalho, mas de sua generosidade e seu humor e bom humor fantástico. Valeu amigo!!!

Meu querido mestre e pai Alcino,

O que seria de mim sem seu carinho, sem sua atenção e dedicação, seu amor...

Costumo de dizer que você foi um presente de Deus na minha vida. Você é que é minha fonte de inspiração e coragem, não preciso lhe dizer do imenso amor que tenho por você, afinal, lhe digo isso quase todos os dias. Obrigada meu amado mestre.

Querido José Cícero,

Obrigada pelas palavras. Vindas de você que sempre escreve textos maravilhosos, lúcidos, precisos e lógicos... uff!!! Valeu amigo, estamos juntos e misturados em defesa de nossa história e cultura nossa nação nordestina.

Caríssimo Pedro,

Nosso cangaceiro mais engraçado, o maior imitador do mundo do cangaço... rsrsrs, lembra da nossa fala preferida, sobre a elite pernambucana? Então... rsrsrs.

Amigo, aja filtro, pois a cada dia escrevem e falam cada uma..., que é de tremer.

Caro Aderbal,

Tens toda razão, a ancoragem de Sérgio Dantas, não só veio a calhar, como engrandece sobremaneira as pesquisas. Sérgio é um pesquisador sério, compromissado e responsável, por isso seus trabalhos são referencias peremptórias para quem pesquisa cangaço.




Mestre Ivanildo, salve!

Obrigada, nem preciso de lhe dizer o quanto lhe admiro e o tenho como um mestre.

Cara Marília,

Obrigada,

Saudações cangaceiras e um abraço fraterno em todos.

Juliana Ischiara

Anônimo disse...

Olá, acompanho quase que diarimente esse blog e acho sensacional, principalmente pela presença das mulheres.

Saudações e parabens

Rita de Cássia
Crato

Wanessa Campos disse...

Já escsrevi no facebook e repito: concordo com Juliana e Sérgio. Essas histórias fantásticas precisam ter um fim.

Lima Verde disse...

Professora Juliana parabens pela lucidez do artigo e pela coragem de se posicionar. E parabens ao grande pesquisador Sérgio Dantas, um dos maiores escritores do cangaço da atualidade.

Fernando C Lima Verde

Helio disse...

Doutora Juliana, como sempre seus artigos cheios de sabedoria e muita responsabilidade.

Professor Mario Helio

Juliana Ischiara disse...

Olá Rita,
obrigada por sua participação.

Quanto à participação das mulheres, infelizmente ainda é muito pequena, faço o que posso dentro do meu limitado conhecimentos acerca de cangaço. Mas tento colaborar de alguma forma, mesmo que não signifique muito para alguns. Porém, meu lema é não desistir jamais.

Wanessa Campos,

Vi seu comentário no facebook, obrigada.

Caro Lima Verde,

Sempre participando e colaborando com seus comentários, obrigada. Concordo com você literalmente com suas palavras, Sérgio é um dos maiores e mais sério escritores e pesquisadores do cangaço.

Caríssimo Helio,

Obrigada por suas palavras gentis e incentivadoras.

Um abraço fraterno em todos
Juliana Ischiara

CARIRI CANGAÇO disse...

Um beijo para a famosa Ju Nitro !!!!!

ENGENHEIRO GMARLON disse...

"Dar visibilidade e trazer à tona outros personagens é extremamente salutar, mas deve-se fazê-lo com responsabilidade." Concordo plenamente com a senhora Professora Juliana, parabens pelo artigo

Marlon

José Bezerra disse...

Peço que publiquem o artigo que escrevi sobre as invencionices do livro desse senhor sobre Lampião e Maria Bonita, sem nenhum fundamento nos fatos e na História. Segue o link abaixo:
http://lampiao-cangaco.blogspot.com/