Padre Cícero e Lampião Por:Alfredo Bonesi

 Alfredo Bonessi
 
Caro amigo Severo. Na oportunidade em que se fala sobre  o Padre Cícero  de Juazeiro do Norte e Lampião em seu BLOG, no relacionamento entre eles, depois de tudo que li sobre ambos e sobre a questão em foco, depois de  muitos estudos,  em várias obras,  resumo no seguinte:

1- O Padre Cícero era um padre católico em ligação com padres jesuítas. Isso contrariou a Igreja Católica porque já  na época do Império tanto  a Igreja Católica como a Maçonaria eram inimigas dos Jesuítas, instigação essa que se originou na corte Portuguesa Pombalina Maçônica com a destruição das Missões jesuíticas Espanhola na América e a ocupação por Portugal desses territórios. O Padre Cícero estava  no meio de uma fogueira, de uma guerra. Lembro que o movimento jesuítico era de libertação de Portugal  e  Republicano, portanto contra a Monarquia. Daí se beneficiou da Maçonaria que inicialmente era Monarquista e depois se tornou Republicana.

2- Porque Juazeiro não caiu ?
- Porque ficou ao lado do Governo Federal  e o ajudou no combate a Coluna Prestes e também no posicionamento quando da intervenção no governo do Ceará, senão teria sucumbido como sucumbiu  Canudos, Sitio Caldeirão, Pau de Colher e tantos outros movimentos religiosos nordestinos.

3-    Quem mandava no Juazeiro ?
Com a chegada a Juazeiro de Floro Bartolomeu, um medico Baiano fugitivo, esse aos poucos foi assumindo o controle político local, passando de Vereador a Prefeito, Deputado Estadual e depois Deputado Federal. Com idade avançada do Padre esse poder político local foi passado a Floro Bartolomeu, tendo o Padre Cícero se afastado de certas decisões, dizendo: “agora tudo é com o homem”.  O Padre Cícero foi denunciado na Câmara Federal e lá estava Floro Bartolomeu defendendo o Padre e a cidade de Juazeiro. Floro escreveu até um livro sobre esse fato, onde narra até como deu fim ao culto ao Boi Sagrado que acabou num churrasco, confirmando que o Padre e a cidade nada tinha a ver com esse culto religioso. Floro também afirmou que o Padre Cícero não era líder de fanáticos como havia sido denunciado na Câmara.  Foi Floro que convocou Lampião por carta, morrendo logo a seguir.


 4-    Com a chegada de Lampião a Juazeiro  o Padre Cícero não ficou nada satisfeito e reclamou da presença dele no Juazeiro e tratou logo de despachar Lampião pedindo que  fosse embora logo da cidade. O delegado quis prender os Cangaceiros, mas o Padre respondeu  que logo eles iriam embora  e com isso não haveria retaliação nenhuma contra a cidade por parte dos cangaceiros. O que foi feito. não quero esse tipo de gente aqui” teria dito o Padre Cícero.

5-    Lampião se armou e foi de encontro a Coluna Prestes. Avistou a coluna e viu o seu efetivo de mais de 3500 homens, armados, soldados experientes, e ouvindo o conselho dos demais cangaceiros abriu no oco do mundo. Nem 10 bandos de Lampião poderia fazer frente a tão poderosa coluna.

6-    Com a chegada de cada vez mais romeiros a cidade o Padre Cícero começou a ter problemas de acomodação com aquela gente toda e daí se dispôs a comprar terras e mais terras para fazer as acomodações, de tal maneira que pudesse  deixar ocupadas aquela quantidade enorme de pessoas pobres e humildes. Daí ter a posse de várias fazendas. Nessas fazendas havia enorme quantidades de todos os tipos de pessoas: jagunços, capangas, pistoleiros, guarda-costas, foragidos da justiça, bandoleiros, e muita gente de oficio, honestas mesmo que se dedicavam a lavoura e ao gado – algumas  das fazendas se tornaram rentáveis.  O pessoal fugitivo de Canudos e alguns chefes de lá foram ter a Juazeiro e ficaram responsáveis pela defesa da cidade, cavando o fosso de proteção ao redor da mesma. Mas não se pode considerar que o Padre Cícero alimentava as suas fazendas com todo tipo de gente convocada por ele para se tornar um  poderoso homem de negócios, um chefe de bandidos como eram os demais coronéis da região. Toda vez que havia um questão na região o Padre sempre optava pelo lado pacifico de acalmar as coisas, aconselhando ambas partes litigantes a  resolver em paz as pendências. Daí escrevia carta para uns, respondia cartas para outros, fazia pedidos em nome desse e daquele de tal maneira que a região ficasse em harmonia social e política.  Ele mesmo não gostava de receber uma enorme quantidade de romeiros, porque esse pessoal largava suas terras e moradias e vinham para Juazeiro e por lá ficavam ociosas e sujeitas a toda sorte de vicissitudes. Daí que a chegada dos romeiros  a Juazeiro era vista como uma grande preocupação para o Padre Cícero e não como motivo de satisfação por parte dele.

Lampião com a família, em sua visita a Juazeiro em março de 1926

7-      Os familiares de Lampião vão morar no Juazeiro. Não vimos em nenhum livro que foi a convite do Padre Cícero e muito menos que o Padre protegia esses familiares. Acontece que na terra do Padre Cícero ele mantinha a ordem e a justiça local e ninguém iria perseguir ninguém por lá, muito menos os familiares de Lampião que não tinha culpa nenhuma por ele ter entrado no Cangaço. Sabemos que um dos contatos de Lampião com os seus familiares em Juazeiro era feito via Antonio da Piçarra que alem de fazer as compras de armas e munições nesse local ainda levava dinheiro de Lampião aos  familiares desse.  Com a traição de Antonio da Piçarra, essa  via de contato se desfez e não vi escrito outra forma de contato para com esses familiares. 

8-    Não temos registros que Lampião se confessou com o Padre Cícero – se isso ocorreu ficou em segredo. Não temos registros se Lampião deu contribuição a Igreja do Padre, se deu o Padre não aceitaria porque era dinheiro  roubado – comprometeria a reputação do Padre.

9-    Tivemos acesso ao inventário deixado pelo Padre Cícero  - tudo natural e normal.
10 - Sabemos que o Padre, já  em avançada idade, teve uma morte      muito dolorosa, sofrendo muitas dores até a chegada da morte
 
11-Sabemos também que o Padre Cícero  se espelhou na vida do
           Padre Ibiabina para cumprir o seu sacerdócio, mas isso já é
           outra História.

No mais a sua vida íntima e cotidiana  não sabemos  como era, ficou esse segredo  com quem o acompanhou de perto  por longos anos  em convivência diária, tendo a oportunidade de escutar seus planos, projetos, suas queixas e atribulações porque passou nesse lugar onde recebeu a sua cruz e que foi palco de seu calvário místico –religioso – social.  Padre Cícero  - Um mártir   de Juazeiro.

Atenciosamente

Alfredo Bonessi

9 comentários:

SOUSA NETO disse...

Parabéns pelo artigo amigo Bonessi.
Em suma o Padre Cicero foi isso ai que você descreveu um pacifista, protetor, amigo e injustiçado.
Você mostra com muita propriedade que é um grande conhecedor da nossa historia sertaneja.

Um grande abraço!

Anônimo disse...

Adendo: é posssivel que um dos contatos de Lampião com os seus familiares em Juazeiro tenha sido também via Benjamim Abrão, secretário do Padre Cicero, mas sobre isso quem sabe é o Dr Frederico - tenho certeza que ele nos esclarecerá em livro seu logo a seguir. No mais quanto a carta que convocou Lampião ao Juazeiro deve ter partido de gente importante e de garantia, senão ele não iria. Uma coisa tenho certeza, o Padre Cicero não sabia dessa convocação. Como sempre, em tom conciliador, o Padre já tinha feito uma carta a Prestes - comandante da coluna- pedindo a ele que não entrasse no Juazeiro, e ele não entrou. Alfredo Bonessi -GECC - SBEC

Gilmar Teixeira. disse...

Artigo muito esclarecedor e útil para quem pesquisa Padre Cicero,sou um deles e gostaria quando da publicação do meu livro a respeito do tema,poder reproduzir o artigo,meus parabéns amigo Bonessi,aguardo autorização,darei os devidos créditos ao nobre autor,abraços do amigo Gilmar Teixeira.

ADERBAL NOGUEIRA disse...

Amigo Bonessi, sempre sensato.
Aderbal Nogueira

Anônimo disse...

Caro Gilmar - saudações - fique a vontade para fazer do texto o que deseja.Tenho certeza que esse trabalho não é definitivo, mas acaba com muita polemica em torno do tema, sobretudo com as críticas negativas por parte daqueles que não estudaram o assunto com relação aos procedimentos adotados pelo amado Padre Cicero ao dirigir aquela região turbulenta e problematica e pela qual dedicou toda a sua vida, com honestidade, trabalho e muito amor. Abraço - Alfredo Bonessi - SBEC - GECC

Anônimo disse...

Parabens ao dr Alfredo Bonesi pelo artigo, entretanto discordo de dois pontos; primeiro, naquela época era impossível Padre Cícero não saber que Lampião estava vindo a Juazeiro, nada acontecia naquelas terras sem o conhecimento do Padre,ele sabia sim, se teve força ou interesse para evitar é que não sabemos; outra coisa , pelo que li inclusive na palestra do dr. Magérbio no Cariri Cangaço Lampião nunca encontrou a Coluna Prestes, quando ele saiu de Juazeiro a Coluna já estava longe, ele se bandeou novamente para o cangaço pela ação da policia pernambucana que zombava de sua "patente". Meus respeitos e grande abraço ao dr. Alfredo Bonesi.

Gregório de Matos

Anônimo disse...

Dr Gregório - saude - obrigado pela manifestação. O objetivo dos estudos do cangaço é buscar a verdade e traze-la da maneira mais limpa e cristalina para o publico interessado no tema. Acreditamos e até concordamos que o Padre Cicero tenha ficado sabendo da aproximação de Lampião, mas isso não foi pela vontade dele.Temos lido alguns autores que afirmam que quando o Padre soube, Lampião estava dentro de Juazeiro e reclamou muito por isso. Quanto a Lampião e a Coluna Prestes, por unanimidade de autores, Lampião viu a Coluna de longe e desistiu do ataque, sabendo que era impossivel afronta-los e seguindo o conselho dos companheiros do bando, afastou-se. Se a coluna estivesse longe e não oferecia perigo porque armar Lampião ?
Ninguém sabe porque o movimento da coluna se desviou de Juazeiro, acredito que tenha sido pela carta do Padre a Prestes.Mas também penso que foi para evitar um confronto porque qual seria a vantagem da coluna enfrentar o Juazeiro e ser "fixada" ali ? -na espera de um cerco, ou até mesmo que um exercito fosse montado pela União e vir ao seu alcance ? Note que essa coluna, que não era comunista, nunca foi agredida por um exército, mas sofreu escaramussas apenas. Prestes sabia que um dia essa coluna se extinguiria, para onde ela iria em segurança ? - a medida que subia rumo ao mar, mais havia a possibilidade de ser encurralada, desgastada pelo terreno hostil e pelas intempéries - simplesmente desapareceria.
Lendo e relendo a história dessa coluna, o fator Coluna e Juazeiro não é citado pelos autores e muito menos a preparação do bando de Lampião para investir sobre a mesma - isso é um assunto relevante para estudos do cangaço e de Juazeiro, mas de maneira nenhuma preocupou Prestes e os componentes da Coluna. Para os militares estudiosos do tema,a convocação e a patente de Lampião até hoje é motivo de piada e é considerada um grave erro histórico pelo fato de armarem e municiarem um bando de gente perigosa ao invés de convocarem as policias militares da região nordestina, como a de Pernambuco, Bahia, Alagoas e Ceará - isso seria suficiente para dizimar a coluna Prestes de uma vez.Vamos continuar com os estudos e as pesquisas. Abraço - Alfredo Bonessi - SBEC - GECC

Anônimo disse...

Debate de alto nível, parabens aos companheiros.

Tarcisio Leite

Anônimo disse...

Meus parabêns pelo comentário,fico cada vez por dentro desse assunto que me facina,CANGAÇO,SERTÃO e NORDESTE.
Luciano Marques