O Santuário da Beata Lindalva no Sertão de Açu: Cariri Cangaço Visita

Estátua da irmã Lindalva em Açu

Sempre faço o trajeto entre Fortaleza e Natal, isso mensalmente. Logo depois de Mossoró cerca de 60km pela BR 304, chegando ao município de Açu, vamos avistar a placa indicativa onde esta escrito: Santuário da Irmã Lindalva, ponto. Entre muitas idas e vindas, nunca havia me interessado em conhecer, foi quando em uma dessas viagens, minha mulher , Tailene, comentou: "podíamos conhecer esse santuário da Irmã Lindalva"; a provocação ficou no ar, mas na viagem seguinte, cumprimos o compromisso.

Ha pouco mais de 5km do entrada do centro de Açu, pela BR 304, entramos no trevo que da acesso ao Santuário. Percorremos; eu, Tailene e Emily, também cerca de 5 km nesse trecho do acesso asfaltado, quando de repente, "do meio do nada" erguida num descampado típico da nossa caatinga sertaneja, desponta a imagem da Beata Irmã Lindalva. A surpresa tomou conta de todos nós; explico: na verdade imaginávamos que iríamos encontrar um templo, uma igreja ou uma capela, enfim, mas apenas aquela estátua no meio do sertão árido e cheio de fé, tão próprio do povo nordestino, trazia e celebrava o martírio dessa religiosa pouco conhecida pela grande maioria de nós.

Tailene Barros no Santuário da Irmã Lindalva
Santuário da Irmã Lindalva em Açu, RN

Essa maravilhosa fé que move o sertanejo é capaz de nos proporcionar momentos absolutamente impactantes, como esse ao chegarmos no Santuário da Irmã Lindalva e perceber o tamanho da devoção do povo do sertão, capaz de demonstrações extraordinárias de amor e esperança em dias melhores. 

Irmã Lindalva, cujo nome completo é Lindalva Justo de Oliveira, era uma religiosa brasileira da Congregação das Filhas da Caridade de São Vicente de Paulo. Nascida em 20 de outubro de 1953, no município de Açu, no Rio Grande do Norte, foi assassinada com 44 facadas, em 9 de abril de 1993; uma sexta-feira santa, em Salvador, Bahia ; quando se defendia de um assédio sexual por um homem que morava neste abrigo Dom Pedro II, onde realizava sua  dedicação religiosa. Conhecida como mártir pela Igreja Católica, ela foi beatificada em 2 de janeiro de 2007 e sua festa é celebrada no dia 7 de janeiro.  Os seus restos mortais repousam na Capela das Relíquias da Beata Lindalva, em Salvador, mas o seu testemunho continua vivo na Igreja e a sua memória no coração de tantos devotos.

Manoel Severo e Emily Feitosa

Recorremos à Revista "Arautos do Evangelho" para trazer a história da Beata Lindalva: "Nascida em 20 de outubro de 1953, no seio de uma família camponesa do município de Açu, no Rio Grande do Norte, recebeu as águas batismais três meses depois de vir à luz. O pai, João Justo da Fé, pequeno proprietário, cultivava seu sítio para manter uma família numerosa de 16 filhos. Era homem piedoso e de caráter forte. Admirava as histórias dos Patriarcas do Antigo Testamento e em algo os imitava. Maria Lúcia, a mãe, tinha consciência do compromisso que assumira ao contrair matrimônio: a formação dos filhos. Nessa católica família refletia-se o amor entre pais e filhos, mas igualmente não faltavam a disciplina e a severidade, quando era necessário corrigir os pequenos caprichos e as travessuras infantis. Desde criança, Lindalva demonstrava propensão para ajudar os outros e se sensibilizava com o sofrimento alheio. Não lhe agradavam as brigas e nunca se zangava. Gostava de correr, banhar-se na lagoa próxima ou subir em árvores para comer os frutos recém-colhidos. Mas seu brinquedo favorito era modelar bonecas de barro, que deixava secando ao sol, e depois coser roupinhas para elas, com retalhos de tecidos. Revelando-se uma menina muito madura para sua jovem idade, tinha consciência do sacrifício dos pais para manter e educar a numerosa prole, e queria auxiliá-los de alguma forma. Assim, estava sempre disponível para ajudar à mãe, aprendendo muito cedo a cozinhar e a costurar. E procurava imitar o exemplo de sua progenitora que, apesar de pobre, tirava de sua parca despensa para socorrer outros mais necessitados. Os filhos cresceram, precisavam estudar e as exigências aumentaram. João decidiu mudar-se para Açu, onde vários deles conseguiram emprego. Lindalva cursava o Ensino Fundamental e trabalhava como babá na casa de uma família abastada. Quando algum conhecido precisava de ajuda, por doença ou qualquer outro motivo, recorria a ela. “Você deve ter vocação para enfermeira, porque está sempre disponível e faz tudo com alegria!” — dizia-lhe uma de suas companheiras.Começou a estudar enfermagem para poder doar-se mais e tomou a grande decisão de sua vida: em setembro de 1987, escreveu à Provincial das Filhas da Caridade, pedindo admissão como postulante. “Faz muito tempo que sinto o desejo de entrar na vida religiosa, mas somente agora estou disponível a seguir o chamado de Deus. Estou pronta para dedicar-me ao serviço dos pobres”, escreveu ela.

Admitida dois meses depois, foi enviada para fazer o postulantado na comunidade do Educandário Santa Teresa, em Olinda, Pernambuco. Esse período não foi senão um contínuo exercício do propósito que fizera, de basear sua vida espiritual na felicidade em Cristo e no bem do próximo. O testemunho de suas superioras durante essa fase foi sempre de admiração por sua disponibilidade, humildade e alegria na doação aos outros, quer aos pobres ou idosos, quer às outras irmãs, na vida comunitária. Progredia na vida interior, entregando-se mais e mais nas mãos d’Aquele ao qual se havia abandonado, confiando-Lhe inteiramente seu destino, tal qual recomenda o Rei Profeta: “Confia ao Senhor a tua sorte, espera n’Ele, e Ele agirá” Sob o olhar atento das superioras, foi admitida no noviciado, dando um passo mais decidido na entrega a Jesus, dentro do carisma de sua Congregação: o serviço aos pobres e necessitados. Na festa da Virgem do Carmo, 16 de julho de 1989, vestiu o hábito de Filha da Caridade e passou a chamar-se Irmã Lindalva. Em carta a uma amiga, nesse mesmo ano, manifestou como se sentia realizada na vida religiosa: “Aqui tudo é graça! Vivemos num profundo silêncio e união com Deus. (…) Os meus pensamentos e o desejo que tenho de amar a Deus sobre todas as coisas fazem com que eu me sinta muito feliz. Outra parte da nossa vida é o amor às pessoas que conquistamos, mas é através do amor a Deus que amamos as criaturas; somente não devemos deixar que este amor seja maior que o amor a Deus”. Algumas de suas cartas confirmam a plenitude desta entrega ao Senhor, e revelam a autenticidade da vocação que escolhera. “Estou muito feliz. (…) O meu destino está nas mãos de Deus, mas desejo de todo coração servir sempre com humildade, no amor de Cristo”, escrevia a uma amiga, em março de 1988.


Findo o tempo de noviciado, em 26 de janeiro de 1991, Irmã Lindalva foi enviada para um abrigo de idosos em Salvador, capital da Bahia. Em carta a uma irmã de hábito, renovava seus propósitos de ser humilde e simples nas dificuldades que certamente viriam, recordando as palavras da Escritura: “Nada temas, pois Eu te resgato, Eu te chamo pelo nome, és meu. Se tiveres de atravessar as águas, estarei contigo. E os rios não te submergirão” . Foi com esta confiança que cruzou os portões do antigo casarão do século XIX, onde funcionava o Abrigo Dom Pedro II, sob administração pública municipal, mas aos cuidados das Filhas da Caridade. Recebeu a incumbência de cuidar do pavilhão São Francisco, com 40 idosos, situado no primeiro andar do imponente edifício. Em pouco tempo cativou sua superiora e as companheiras de hábito, bem como os velhinhos, com seu jeito alegre de ser e o perfume da santidade de sua presença. Todos a admiravam muito.


Não podia essa santa religiosa imaginar que aquele querido Abrigo seria seu Monte Calvário, o lugar destinado por Cristo para misturar seu sangue ao d’Ele. Os problemas começaram em janeiro de 1993, quando ali foi admitido Augusto da Silva Peixoto. Com apenas 46 anos, não tinha ele idade para estar num estabelecimento de caridade para anciãos, mas as freiras tiveram de aceitá-lo, por motivos políticos. Alojaram-no no pavilhão a cargo da Irmã Lindalva. Homem destituído de princípios religiosos e morais, Augusto interessou-se com más intenções por aquela freira de vida ilibada e passou a assediá-la de modo insistente e inconveniente. As admoestações que lhe fizeram outros internos e a própria diretora do setor social do Abrigo serviram apenas para aumentar nele os fortes sentimentos de frustração por ser sempre repudiado. Irmã Lindalva, que preferia morrer a romper seu voto de castidade, viu-se obrigada a tomar muito cuidado, evitando qualquer atitude que pudesse ser mal interpretada por aquele indivíduo sem escrúpulos. Narrou a situação a algumas freiras e companheiras de voluntariado e intensificou suas orações. Mas por amor aos idosos e pela fidelidade à obediência que a havia designado para o Abrigo, não quis sair dali. De caráter forte e seguro, não conhecia o medo ou a fraqueza, jamais abandonando seu “campo de batalha”. “Prefiro que meu sangue se derrame, do que ir embora daqui” — afirmou durante um recreio da comunidade.


Na segunda-feira da Semana Santa, esse nefando personagem comprou no mercado popular um facão de pescador, com a intenção deliberada de matar aquela religiosa que opunha intransponível barreira a seus péssimos intuitos. Durante toda a semana, Irmã Lindalva participara, ao raiar da aurora, da Via Sacra na paróquia da Boa Viagem. Ao percorrer as ruas das proximidades na madrugada da Sexta-Feira Santa, 9 de abril de 1993, meditando sobre a Via Dolorosa de Jesus, certamente não tinha ideia que sua subida particular ao Calvário também culminaria naquele dia. Voltando ao Abrigo, dirigiu-se logo ao refeitório para cumprir sua tarefa de servir o café da manhã aos velhinhos, sem notar a presença de Augusto sentado num dos bancos do jardim. Este, que a esperava, subiu atrás dela, entrou pela porta dos fundos do salão e atacou-a pelas costas, a golpes de facão, numa fúria insana e diabólica. A vítima mal teve tempo de balbuciar: “Deus me proteja!” Recebeu ao todo 44 golpes. Enquanto limpava na própria roupa a arma tingida pelo sangue inocente, o criminoso ensandecido rugia: “Nunca cedeu! Está aqui a recompensa…”. Testemunhava, assim, que Irmã Lindalva havia dado sua vida como prova de amor a Deus, por conservar intacta sua pureza, num verdadeiro martírio do qual os próprios internos davam testemunho."

Fonte:Beata Lindalva Justo de Oliveira, FC – Mártir brasileira do fim do século XX | Revista Arautos do Evangelho

Veja toda a visita do Cariri Cangaço ao Santuário da Irmã Lindalva em Açu, nos "shorts" do Canal do 
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Cariri Cangaço Visita
Santuário da Irmã Lindalva, Açu - Rio Grande do Norte
02 de novembro de 2025 

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