Cariri... Muito além do Sertão. Por:Mariana Albanese

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Chapada do Araripe, anfitriã do Cariri Cangaço
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No Cariri já nadaram peixes. Já voaram dinossauros. Caminharam homens pré-históricos. Berço de Padre Cícero, Luiz Gonzaga, Patativa do Assaré. Dos revolucionários beato José Lourenço e seu Caldeirão socialista, de Bárbara de Alencar, a primeira presa política do País. No lugar onde nasceram as primeiras flores do planeta, brotou um oásis de oportunidades: a Fundação Casa Grande.

Neste especial, recortes do Cariri Oeste, no Ceará, e um trechinho de Pernambuco, Exu. Sertão do Cariri é a denominação dada às terras onde viviam os índios kariris, no Ceará e Paraíba, próximo à chapada do Araripe. Esta formação de grande beleza funciona como um muro que divide três Estados: Ceará, Pernambuco e Piauí. Para o lado de dentro, o Cariri, vale verde. Para fora, regiões mais secas.

Essa faixa do sertão contradiz muito do que se imagina: durante boa parte do ano chove, há cachoeiras e vacas gordas. A região é riquíssima em fósseis de dinossauros e pinturas rupestres, e carrega consigo belas e sangrentas histórias de luta sertaneja. É um caldeirão cultural que abriga cantadores e poetas. 


Onde o sertão já foi mar. Acredite: a Chapada do Araripe já foi um lago de água doce. E tem mais: há cerca de 110 milhões de anos, o mar invadiu aquelas plagas, povoando a região com vida marinha. Uma nova movimentação tectônica fez com que se formasse um lago hiper-salino, que foi secando e tornando a região inóspita. O sal ajudou na rápida fossilização do que restou, como se tudo tivesse sido congelado no tempo.

As pedras de peixe, nome popular dado à Pedra Cariri, são muito utilizadas em pisos. Nos “talhos” para extração, é possível ver restos de plantas e peixes que adornam as salas.

Na região também foram encontradas diversas ossadas de pterossáurios (primos voadores dos dinossauros). Por causa dessa reunião de fatores, o Cariri foi escolhido para sediar o primeiro geopark da América (parque que preserva regiões com interesse arqueológico e geológico). O projeto ainda está em fase de desenvolvimento, mas já é possível identificar, por meio dos geotopes (pontos demarcados com pilares), os locais onde se encontram as maiores quantidades de fósseis. Em Santana do Cariri, a capital dos dinossauros no Brasil, há um museu onde se pode conferir parte dessa rica história.

 
Caldeirão de Sangue. Uma igrejinha e uma casa. Foi o que restou da comunidade do Caldeirão da Santa Cruz do Deserto, destruída em 1936 pela polícia cearense com auxílio de tropas getulistas. Assim como em Canudos, o ajuntamento organizava-se em torno de um líder religioso, o beato José Lourenço, protegido de Padre Cícero. Todo o plantio era dividido igualmente, e o excedente era utilizado para incrementar a produção. A comunidade reunia os que queriam fugir das condições de semi-escravidão das fazendas, o que despertou a ira dos coronéis. O Caldeirão ferveu. Os que conseguiram fugir, como o beato, montaram uma outra comunidade de resistência no meio da Chapada. Mais destruição, agora pelo ar. Foi a primeira vez que o governo federal bombardeou seu próprio território. José Lourenço não estava entre os 700 mortos. Morreu 10 anos depois, de peste bubônica. Foi enterrado ao lado de Padre Cícero.


Missa libertadora. No dia 3 de maio de 1817, a Matriz do Crato estava cheia. Era domingo, dia da festa de Santa Cruz. O Padre José Martiniano de Alencar - pai do futuro escritor José de Alencar -, em vez de proferir o habitual sermão, declarou a independência do Crato. Vinha ele do Seminário de Olinda, influenciado por idéias republicanas, que expôs aos irmãos e à mãe, dona Bárbara Pereira de Alencar. Mulher culta e politizada, viúva na casa dos 50 anos, ela abriu seu sítio para reuniões e participou da conspiração. A República durou apenas oito dias. José Martiniano, seu irmão Tristão Gonçalves de Alencar, declarado presidente da República, e dona Bárbara foram presos e levados para Fortaleza. A pé. A dama da sociedade cearense tornou-se a primeira prisioneira política do País, pivô do episódio que entrou para a história como a Confederação do Equador.

Juazeiro de quem? “Por favor, uma passagem para Juazeiro.” “Juazeiro de Padre Cícero?”. A pergunta é comum, feita sobretudo para diferenciar Juazeiro do Norte, no Ceará, de Juazeiro, na Bahia. Mas também ilustra bem como aquela cidade é de Padre Cícero. E não é para menos. Foi ele mesmo quem a fundou, em 1911, quando tomou posse como prefeito. Desde então, o município que era um pequeno arraial cresceu em torno do turismo religioso. O impulso econômico das romarias fez com que se tornasse a segunda maior cidade do Estado, atrás apenas de Fortaleza. Tudo por lá é Padre Cícero. Nome de rua, de posto de gasolina, de oficina mecânica. E de 11 entre 10 meninos que nascem.


A imagem de romeiros chegando em caminhões superlotados para reverenciar a estátua do Padre, com 25 metros de altura, ainda existe, mas hoje divide lugar com os vôos diários que chegam das principais capitais brasileiras.
Só mesmo no Cariri. Te benzo e te curo. Dona Toinha é parteira e benzedeira, moradora da zona rural de Nova Olinda. Chegou nos anos 1940 com o marido. Fez o primeiro parto ainda menina, quando ficou sozinha com a cunhada grávida. Aos 80 anos ainda é muito consultada, principalmente na Semana Santa, em que recebe o “jenjum” (desjejum) e benze quem a visita.


Em Juazeiro do Norte encontramos uma lenda viva: Seu Lunga, “o homem mais zangado do mundo”. Famoso por não ser de muita conversa e dar respostas pouco amistosas, é personagem de cordéis e está no imaginário do povo, que cuida de aumentar as histórias. Aos que o chamam de mal-humorado, justifica: “Detesto perguntas óbvias”.
 
Seu Lunga

Sertanejo fashion. A imagem pacata não denuncia, mas Expedito Seleiro, artesão de Nova Olinda, já teve suas sandálias e bolsas de couro em desfile na São Paulo Fashion Week, em filmes como Dois Filhos de Francisco e na minissérie Amazônia. A mais famosa de suas peças, no entanto, foi uma sandália encomendada por Lampião a seu pai. Retangular, seu rastro não revelava para onde fora o temido cangaceiro.


Terra de Poeta. Foi em 1930, com 18 anos, que Luiz Gonzaga saiu de Exu, no sertão de Pernambuco, divisa com Ceará. Tinha se engraçado com uma moça, e o pai dela não gostou. Valente “depois de umas lapadas de cana”, desafiou o sogro em uma feira: “Então eu sou um tocadorzinho de meia-tigela?”. Como o dito tinha muito respeito pela mãe do futuro Rei do Baião, não criou mais caso, mas em seguida pediu a dona Santana que sumisse com o filho da cidade. Depois de levar uma surra dos pais, o rapaz foi-se embora para Fortaleza, onde se alistou no exército. E de lá para a fama, no sonhado Rio de Janeiro.Dizem que só voltou para Exu 16 anos depois. Chegou tarde da noite, bateu na porta do pai.

- Quem é o senhor? - perguntou Januário, conceituado tocador de sanfona oito baixos, ou pé-de-cabra.
- Sou eu, pai: Luiz Gonzaga, seu filho.
- E isso é hora de você chegar em casa, corno sem-vergonha?
Nos anos 1980, Luiz Gonzaga voltou para a cidade natal, onde ficou até morrer, em 1989.


Poeta do sertão.Ele nasceu Antônio Gonçalves da Silva, mas o dom de cantador lhe rendeu o apelido de Patativa, pássaro da região. Assaré, cidade em que morou por toda a vida, completou o batismo popular: Patativa do Assaré.Cantou as histórias, mazelas e belezas do sertão.

Eu sou de uma terra que o povo padece
Mas não esmorece e procura vencer.
Da terra querida, que a linda cabocla
De riso na boca zomba no sofrê
Não nego meu sangue, não nego meu nome.
Olho para a fome, pergunto: que há?
Eu sou brasileiro, filho do Nordeste,
Sou cabra da Peste, sou do Ceará.



E o mundo foi parar em Nova Olinda. ão fosse a Fundação Casa Grande, Nova Olinda poderia ser mais uma Nordestina, cidade fictícia do livro A Máquina, de Adriana Falcão. O texto teatral conta a história de Karina, menina que queria sair da cidade para conhecer o mundo. Antônio, por amor e por medo da solidão, decide fazer a marcha reversa: leva o mundo a Nordestina.

Assim também foi feito na vida real. A Casa Grande trouxe o mundo para Nova Olinda. Tudo começou em 1992, quando Alemberg Quindins e sua esposa, Rosiane Limaverde, reformaram uma velha casa do século 18 que deu origem à cidade. Lá implantaram um museu para guardar os objetos arqueológicos recolhidos pelos campos da Chapada. Logo o projeto atraiu a atenção das crianças e ganhou fôlego. Depois, anexaram mais um prédio, o Educandário, que abriga os laboratórios da Escola de Comunicação, além da gibiteca, devedeteca, brinquedoteca e parque infantil. O projeto entregue ao governo para a aquisição do prédio foi todo feito em quadrinhos. O teatro Violeta Arraes foi inaugurado em 2002. O complexo é totalmente administrado pelos jovens. O casal fica no escritório no Crato, e os pequenos cuidam de tudo: recepção, gerência dos laboratórios e até mesmo da limpeza. Tudo para deixar a Casa deles funcionando em ordem.


 
Cotesia: Tania Peixoto

NOTA CARIRI CANGAÇO: Ainda não fez sua Inscrição para o Cariri Cangaço 2010 ? E vai perder tudo isso? Vamos lá, só falta você, estamos lhe esperando...Grande Abraço.
PRODUÇÃO CARIRI CANGAÇO.
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Um comentário:

Anônimo disse...

Fantástica apresentação da região, parabens a jornalista e parabens ao Cariri Cangaço, estaremos lá.

Professor Muniz Dantas
Recife PE