A Saga de Benjamim Abrahão Parte III Por:Rostand Medeiros

.

Quanto ao primeiro encontro de Abrahão com os cabras de Lampião, tendo sido com Juriti e Mergulhão, teve certa tensão, pois os dois guerreiros das caatingas chegaram totalmente equipados. Ao visualizarem o estranho apontaram seus fuzis e gritaram “-Não se mexa cabra. Vai morrer” e colocaram balas nas agulhas de suas armas. Foi um momento “angustioso” para o documentarista, mas logo o ambiente serenou. Abrahão afirmou ao jornalista que lhe entrevistava que “se impressionou”, pois os dois cangaceiros já sabiam quem ele era e qual era seu objetivo.

É provável que nada disso tenha ocorrido. O Mais lógico foi que Abrahão deve ter sido guiado por uma pessoa de confiança dos coronéis da região, onde os cangaceiros já tinham conhecimento de sua chegada e que tudo estava previamente acertado.Tanto é que sobre estes primeiros momentos junto a estes cangaceiros, Abrahão chega ao ponto de transmitir uma opinião jocosa sobre um dos seus acompanhantes armados. Este era Juriti, que ele considerou “-Um sujeito de boa aparência, tem os cabelos bons, é metido à almofadinha e gosta de luxar”.

Afirmou que teve de caminhar três quilômetros com os dois homens armados. Eles primeiramente entraram em entendimento com uma sentinela posicionado em local estratégico. Daí Mergulhão se embrenhou nos matos e desapareceu. Voltou algum tempo depois afirmando que Lampião queria vê-lo. Quando chegou ao local onde estava o bando, após passarem por uma área de caatinga bastante fechada, todos os cangaceiros estavam de pé, menos Lampião que se encontrava encostado em um tronco, lhe observando com olhos que o libanês classificou como “indagadores”. Era hora do almoço e todos comiam carne de bode com farofa.

 O capitão Virgulino veio até ele, lhe ofereceu comida e um copo com conhaque, demonstrando boas maneiras no tratamento ao estranho de fala enrolada.


Lampião afirmou “-Não sei como você veio bater aqui com vida, bicho véio. Só mesmo obra de Mergulhão que é muito camarada”. Abrahão não informou ao jornalista o que achou da tirada do chefe cangaceiro.Logo se dispôs a montar o tripé com uma das suas máquinas para dar início à seção de captação de imagens. Nisto Lampião gritou “-Para, para”. Ele queria ver de perto o maquinário. Queria se certificar que daquele mecanismo estranho não poderia sair uma bala. Satisfeito nas suas dúvidas, o chefe liberou o libanês para trabalhar tranquilamente. Ele continuou captando imagens, mas em pouco tempo Lampião mandou parar a seção afirmando “-Basta. O resto fica para outra vez”. Abrahão retrucou com Lampião, afirmando que tinha lutado muito por este momento e que queria continuar. Ao que o chefe responde taxativamente

“-Quem anda comigo tem de ter paciência”.

Insatisfeito com a resposta, o imigrante voltou à carga “-E onde poderia (Lampião) ser encontrado na próxima vez?”.“-Sou homem que não tem pouso certo. Hoje estou aqui, amanhã posso estar na Bahia, em Sergipe ou Pernambuco.” Seja pelo fato de Abrahão ter se sentido a vontade com o “Rei do Cangaço”, ou porque era uma figura completamente maluca, mais uma vez ele continuou retrucando com Lampião. Para sua sorte este nada falou. Depois, segundo sua narrativa, levaria quatro meses para ocorrer um segundo encontro com o bando. Por sorte este momento foi muito mais duradouro, calmo e positivo. Segundo Abrahão o local do esconderijo ficava “do outro lado do São Francisco”, a “36 léguas”. Ele só não disse de onde.Afirmou que era um domingo, sendo este “um grande dia, pois ninguém trabalhava e se reza de manhã e no começo da noite”.
Para o imigrante os cangaceiros são muito religiosos e sobre o momento da oração ele fez interessantes observações. Um dos membros do grupo colocou um quadro do Sagrado Coração de Jesus em um tronco de arvore e Lampião, com um livro de orações, comanda a ladainha. Todos estão ajoelhados, contritos, alguns com rosários, ouvindo atentamente o chefe declamar em voz alta a prédica de um velho “adoremos”, que todos repetiam em coro.

Para o observador Abrahão “as mulheres, neste dia, vestem-se melhor, enfeitam-se mesmo”. Para ele é como se elas fossem a uma missa em alguma paróquia. O imigrante apontava que aquelas mulheres, mesmo vivendo escondidas no meio do mato, em meio às correrias e violências, pareciam querer manter de alguma maneira os mesmos hábitos da vida “civil”. Durante o almoço todos os cangaceiros comem em grupos, uns em pé e outros sentados. Lampião, talvez por precaução, degusta a alimentação no meio de todos. Abrahão repetiu varias vezes ao repórter o quanto Lampião era desconfiado, sempre planejando mudanças de seus esconderijos.

Continua...

Rostand Medeiros
Pesquisador e Escritor
.

3 comentários:

Anônimo disse...

Senhor Manoel Severo, gostaria de dizer do elevado grau de respeitabilidade alcançado por vossa presente revista virtual, temos nos acostumado a visitá-la todos os dias, o que para nós é uma satisfação, pela seriedade e credibilidade das matérias e assuntos tratados, pela beleza do site e principalmente por reunir esse espetacular grupo de escritores e pesquisadores do cangaço no Brasil,como o senhor Rostand Medeiros, autor do artigo em tela; receba nosso abraço de parabéns com votos de continuado sucesso aos senhores da Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço e do Cariri Cangaço.

Dr. Alcibíades Lima Verde
João Pessoas PB
Admirador e pesquisador do Cangaço

CARIRI CANGAÇO disse...

Caro Dr. Alcibíades, é com muito satisfação que recebemos suas palavras e com certeza as mesmas, repercutem de forma muito positiva no coração de todos que fazem o Cariri Cangaço e a nossa querida SBEC, muito obrigado.

Grande abraço,

Manoel Severo

José Mendes Pereira disse...

Lampião foi um dos cangaceiros mais sortudos na vida de bandoleiro. Viveu mais de vinte anos com armas às costas, matando, roubando, incendiando e depredando tudo que via pela frente, ainda teve quem o fizesse de herói através das fotos. Se Abrahão não tivesse aparecido na vida de Lampião, com certeza ele havia nascido, crescido, morrido e poucos teriam percebido a sua existência. Abrahão pediu a Zé Rufino para acompanhá-lo nas caatingas à procura de cangaceiros, mas ele não o aceitou. Vendo que não tinha a menor chance de filmar um combate de Zé Rufino contra a cangaceiros, resolveu enfrentar o homem mais valente do nordeste brasileiro, o Lampião. É claro que o seu maior interesse era ganhar muito nas suas filmagens, assim que o filme estivesse pronto. Mas Abrahão foi um homem corajoso, por ter acompanhado feras humanas, todos com maldades encravadas no seu “EU”, e que de momento a momento os seus pensamentos mudavam para melhor ou para pior. Parabéns Abrahão!

José Mendes Pereira – Mossoró-Rn.