O sertão de minha terra Por: Alcino Costa

.
Caipira Alcino Costa entre Rubinho Lima e Tomaz Cysne

Deus deu-me a ventura de ter nascido na região mais distante e desconhecida do Sertão do São Francisco, num pequenino lugarejo de caboclos. O tempo andejou pelos caminhos das eras e aquela humílima povoação se tornou na cidade de Poço Redondo. Vivi a minha meninice, adolescência e juventude admirando e amando a imensa caatinga que se estendia pelos horizontes infindos; emoldurada pelos rios e riachos, charcos e lagoas, serras e vales, prados e campinas. Caatinga dos bichos e animais. Caatinga que tinha a proteção do descampado azul do infinito e das nuvens claras do meu sertão, o sertão de minha terra.

Sertão do riacho Jacaré, com sua areia fofa e seus poços d`água, onde a meninada tomava banho no amanhecer dos dias sertanejos e o gado vinha beber e sestar nas sombras aconchegantes de suas caibreiras. Sertão do gado pé-duro e da orelha cabeluda, onde o vaqueiro campeava com coragem e destreza a manada bravia, criada quase selvagem, enfiada nos cafundós da terra sertaneja de Poço Redondo.

Sertão onde o vaqueiro, o cavalo e o boi brabo e mandingueiro protagonizavam a notável medição de forças que marcaram o apogeu da vida pastoril dos campos sertanejos do São Francisco. Sertão do gado brabo de Mané do Brejinho e da Cuiabá. Sertão de Pedrinho de Eustáquio, Daniel, Zé Leobino, Miguel Quita, Tião de Sinhá, Abdias, Rivaldo de Janjão e Elias, os maiores vaqueiros da história campesina do Sertão do São Francisco. Sertão daqueles tempos em que, quando no morrer do dia, ouvia-se o aboio dolente e cheio de ternura do vaqueiro tangendo a vacaria de leite para o curral.

Sertão do mugir dos rebanhos bovinos nas festas de apartação, ajuntamento e vaquejadas. Sertão do carro de boi com seus cocões azeitados e cantando fino pelas estradas e trilhas do mundo caipira. Sertão das festas e leilões; do fole, do pandeiro e do ganzá; do reisado e da cantiga de roda; do “entrudo”, das novenas e dos louvores aos santos e imagens. Sertão de minha terra.

Praça Central, Poço Redondo

Quanta saudade eu sinto do reboar da passarada; do chuá-chuá das águas barrentas que abarrotavam os riachos e lagoas nos tempos das trovoadas; do colorido mavioso das borboletas nas malhadas das fazendas e nas tardes sertanejas daqueles tempos; do cheiro agreste que exalava do colo generoso de nossa mãe-natureza; do perfume inebriante das flores campestres que enchiam de estonteante beleza os campos sertanejos; do verdejante capim nativo se espalhando como se fosse um tapete mágico e verde pelos campos e serranias da terra cabocla do sertão.

Será que você, homem sertanejo, você que em sua juventude morou neste pedaço de Sergipe que se convencionou em chamá-lo de Sertão do São Francisco; você que pode ter vivido a vida e a cultura enraizada e herdada de nossos antepassados, aqueles pioneiros de nosso mundo caboclo; mas que, por força do destino, passou a residir na grande cidade, não sente uma dor no peito ao se recordar dos idos de um sertão e de uma caatinga que nos tempos atuais existe apenas em nosso pensamento e em nossas recordações? Sente, eu sei que de vez em quando o seu peito fica dilacerado de tanta saudade do rincão em que você nasceu e viveu por alguns anos de sua existência.

Mesmo eu tendo o privilégio e a felicidade de viver neste chão amado, verdadeiro paraíso de minha vida, eu sinto a mesma dor e saudade do homem sertanejo que vive na cidade grande. A minha angústia e tristeza é por saber que nunca mais verei o sertão de minha meninice. Aquele sertão que vivi por tantos e felizes anos nos tempos passados da aurora sublime e serena de minha infância. Eu bem sei que o sertão de minhas origens não mais existe. Foi tragado pela voracidade da sucessão dos anos e vive somente no mundo fantasioso de minha imaginação – e isto é causa de enorme tristeza e grande tormento que me faz padecer profundamente.

Alcino Costa e Kydelmir Dantas

Eu bem sei, meu sertão e minha caatinga amada, eu bem sei que vocês perderam aquela primitiva rusticidade que tanto os caracterizava e que enchia as paragens caboclas de tanto encanto e fascínio. Hoje o sertão está descarecterizado e a caatinga foi dizimada pelo vendaval da insensibilidade do homem. É certo e verdadeiro que o sertão e a caatinga não são nem uma tênue sombra de seu passado glorioso. Foram devassados pela civilização que adentrou o seu interior, desmatanto a mataria, derrubando suas árvores, queimando sua terra, numa agressão sem limites a nossa mãe-natureza.

No passado não era assim. Via-se de longe em longe um lugarejo, uma povoação, um pequeno núcleo habitacional. Aqui e acolá, lá longe, na imensidão da caatinga, uma fazenda encravada na distância de um e outro povoado. O caminheiro e os mascates que perambulavam pelas lonjuras dos sertões atravessavam grandes e penosas distâncias sem encontrar uma habitação, uma pousada onde pudesse se hospedar e receber a necessária hospitalidade tão peculiar ao camponês de boa índole e amigo. Hoje, o que se constata é que o sertão e a caatinga são espectros tristes e solitários de um mundo sem amor.É uma pena!

Publicado no dia 3 de janeiro de 2007, no JORNAL DA CIDADE, Aracaju – Sergipe.

Alcino Alves Costa
O Caipira de Poço Redondo
.

7 comentários:

Julio Cesar disse...

Amigo Alcino, o seu amor por Poço Redondo é contagiante, ainda mais para quem já compartilhou contigo essas belezas, rústicas e, ao mesmo tempo, singelas.

Saudades meu amigo

José Mendes Pereira disse...

A inspiração do caipira de Poço Redondo, Alcindo Alves da Costa foi excepcional, não só nesta, mas em todas as matérias escritas por ele.

O Kidelmir Dantas aparece na foto como um aluno, um discípulo, ouvindo atenciosamente as explicações do seu professor.

Parabéns mestre Alcindo, pelo seu excelente conteúdo.

José Mendes Pereira - Mossoró-RN.

Juliana Ischiara disse...

Que beleza de texto mestre!!! Só mesmo conhecendo, vivendo, sentindo e amando o sertão para saber quão maravilhoso ele é. Sua inspiração poética é mesmo contagiante e emocionante.

Um grande e saudoso abraço meu querido.

Juliana

Anônimo disse...

Quando o nosso mestre Alcino escreve, é um coração que fala ! parabens e obrigado. Saude. Alfredo Bonessi (aprendiz) - GECC - SBEC

José Mendes Pereira disse...

Capitão Alfredo Bonessi:

Tenho certeza que todos os estudantes do cangaço estão esperando que o senhor volte logo ao Blog do Cariri Cangaço, conduzindo consigo material sobre a chacina de Angicos.

José Mendes Pereira - Mossoró-RN.

Anônimo disse...

Obrigado José - já virá algo por aí em breve - e estou montando algo inédito sobre o cangaço, com lançamento para depois de março. Saude e Tudo de bom - abraço -Alfredo Bonessi-GECC -SBEC.

Anônimo disse...

De: Kydelmir Dantas.
PARA:
Alcino Alves Costa
Cangaceiro da História,
Que lá de Poço Redondo,
Mostra fama, fé e glória.
É rosário de beleza,
Amigo por natureza,
Cultuador da memória.

Obrigado, Mestre, por tudo que és e pelo que fazes.
Abraços do seu criado em Mossoró-RN.