O Cangaço não Acabou, Parte 1 Por:Severino Coelho

Cangaceiro de Aldemir Martins

O crime surgiu com o aparecimento do homem na Terra e, qual sinistra sombra, sempre acompanhou e acompanhará a humanidade, não havendo fórmula mágica nem políticas públicas capazes de dizimá-lo, pois faz parte da natureza humana.A luta permanente e insistente é tentar diminuir o seu grau de sofisticação, evitar a sua proliferação no meio social e eliminar a atividade empresarial criminosa, quando já se evidencia a criação de um Estado paralelo.

A lei do Estado Legal perdeu a sua característica de intimidação, hoje, prevalecendo com eficácia e atuação imediata o código secreto do banditismo, cuja sentença promana do calibre da pistola. Desde as primeiras civilizações, ao cunhar a lei, esteve presente um dos seus objetivos primordiais que é limitar e regular o procedimento das pessoas diante de condutas amplamente consideradas como nocivas e reprováveis.

Um dos escritos mais antigos é o código sumeriano de "Ur-Nammu" que data de aproximadamente 2100 a.C. no qual se vêm arrolados 32 artigos que preconizavam penas para atos delitivos. O Código de Hamurabi que é compilação maior e posterior, dentre outros regramentos penais contra o crime, adotava a chamada Lei de Talião ou a conhecida lei do olho por olho, dente por dente, que concedia aos parentes da vítima o direito de praticar contra o criminoso a mesma ofensa e, no mesmo grau por ele cometida.

Na idade média a noção de crime não era muito clara, freqüentemente confundida com outras práticas reprováveis que se verificavam nas diversas esferas legais, administrativas, contratuais, sociais (strictu sensu), e até religiosas. A criminalidade não é uma doença curável que se encontra o remédio curador em qualquer farmácia de esquina. Apenas conhecemos os seus efeitos desastrosos que redundam em pânico e amedrontam o cidadão de bem.


Cangaceiros de Caribé

Alertamos, sim, para que se alcance a extirpação da criminalidade na fase da Terra, e verdadeiramente encontremos um mundo de paz, somente no dia em que o homem acabar com a própria violência que carrega dentro de si. Na verdade, a Sagrada Escritura, o Livro dos Livros, há praticamente dois mil anos tem registrado, pelo ensinamento deixado por Jesus Cristo: “Vocês não compreendem que nada do que vem de fora e entra numa pessoa pode torná-la impura, porque não entra em seu coração, mas em seu estômago, e vai para a privada? É o que sai da pessoa que a torna impura. Pois é de dentro do coração das pessoas que saem as más intenções, como a imoralidade, roubos, crimes, adultérios, ambições sem limite, maldades, malícia, devassidão, inveja, calúnia, orgulho, falta de juízo. Todas essas coisas más saem de dentro da pessoa, e são elas que a tornam impura.” (Marcos, 7, 18-23).

Pode-se interpretar, então, que a consciência humana é quem cria os projetos, que passam a nortear as condições de vida e direcionam o viver de cada pessoa, na busca da felicidade individual. Noutras palavras, cada pessoa possui a consciência moral, que é uma lei interna no íntimo do ser humano. Ela que lhe impõe, no momento oportuno, o fazer o bem e evitar o mal. Essa consciência moral emite um julgamento da razão, pelo qual a pessoa reconhece a qualidade moral de um ato concreto que vai planejar ou vai executar ou que já o praticou.

Com a consagração do princípio nullo crimem nulla poena sine legem (não há crime sem pena prevista em lei), crime e pecado se confundiam pela persistência de um vigoroso direito canônico que às vezes confundia (e até substituía) a legislação dos Estados. Deve-se, portanto, àquele princípio a formulação atual de várias legislações penais que, em verdade, não proíbem nenhuma prática, mas simplesmente tipificam condutas e preconizam as respectivas penas àqueles que as praticam. Assim é correto dizer que não há lei que proíba alguém de matar uma pessoa. O que há é uma lei que tipifica esta ação definindo-a como crime, e prescreve-lhe as diversas penas aplicáveis àquele que a praticou, levando em conta as diversas circunstâncias: atenuantes ou agravantes presentes ao caso concreto.



Cumpre examinar, preliminarmente, a complexidade existente quanto à origem das organizações criminosas, face às diferenças circunstanciais apresentadas por cada país. Note-se que, "no Reino Unido e na Espanha, por exemplo, a existência de uma regulamentação sobre o consumo de drogas, o jogo e a prostituição faz com que os grupos organizados sejam de caráter distinto dos existentes no Japão, onde as organizações que se dedicam ao controle do vício e da extorsão têm uma grande proeminência. Em muitos países do Terceiro Mundo, além da exploração da droga, o crime organizado se dedica à corrupção de funcionários públicos e políticos".

O Interessante se faz comentar que organizações criminosas, como a Máfia italiana, a Yakuza japonesa e as Tríades chinesas apresentam traços comuns, uma vez que surgiram no início do século XVI como uma maneira de defesa contra os abusos cometidos por aqueles que detinham o poder. Ademais, "para o crescimento de suas atividades contaram com a conivência de autoridades corruptas das regiões onde ocorriam movimentos político-sociais". Outrossim, foi relatado que o primeiro caso de terrorismo, vertente do crime organizado, ocorreu em 1855, ocasião que os anarquistas franceses atentaram contra Napoleão III, sendo que esses encontraram guarida de refúgio na Bélgica, cujos governantes recusaram-se a conceder-lhes a extradição. Tal fato originou a Lei francesa de 28 de julho de 1894.

Registre-se, ainda, que no Brasil, a associação criminosa derivou do movimento conhecido por cangaço, cuja atuação desenvolveu-se no sertão do Nordeste, durante os séculos XIX e XX, partindo da vingança pessoal à maneira de lutar contra as atitudes de jagunços e capangas dos grandes fazendeiros, além do efeito de contestação ao coronelismo desenfreado.

"Personificados na figura de Virgulino Ferreira da Silva, O Lampião, (1897-1938), os cangaceiros tinham organização hierárquica e com o tempo passaram a atuar em várias frentes ao mesmo tempo, dedicando-se a saquear fazendas, vilas, e pequenas cidades, extorquindo dinheiro mediante ameaça de ataque e pilhagem ou seqüestrar pessoas importantes e influentes para depois exigir resgates. Para tanto, relacionavam-se com fazendeiros e chefes políticos influentes e contavam com a colaboração de policiais corruptos, que lhes forneciam armas e munições". 



Os famosos cangaceiros que ficaram registrados na história, como líderes dos bandoleiros nas caatingas nordestinas foram: Jesuíno Brilhante, Antônio Silvino, Sinhô Pereira, Virgulino Ferreira da Silva (Lampião), Corisco, Chico Pereira etc. eles utilizavam no enfrentamento dos ataques a tática de guerrilha.

Existiam grupos e subgrupos, comandados por homem de valentia, que numa empreitada maior, juntavam-se e invadiam as pequenas cidades interioranas. Com uma diferença tática de organização criminosa da atualidade, eles não arriscavam penetrar nas cidades de porte médio e metrópoles. Por exemplo, a primeira vez que ousaram invadir uma cidade grande, no caso Mossoró - RN, o grupo de Lampião deu-se mal. Aos poucos, eles foram se aperfeiçoando, atualizaram os seus métodos de atuação, modernizaram os seus estratagemas, acompanharam o processo tecnológico e chegaram a invadir e dominar as regiões metropolitanas do país, inclusive com as suas ramificações internacionais.

Os subgrupos que agem nas pequenas cidades e assaltam a bancos ainda não receberam o título de graduação, a sua participação perante a cúpula dá-se através de parceria com o valor de contribuição do resultado obtido e aquisição de armamentos bélicos e substâncias entorpecentes.
O antigo e autêntico cangaceiro nordestino caracterizava-se pela sua indumentária: roupa de cáqui, chapéu de couro, com as abas quebradas para cima, duas cartucheiras cruzadas no tórax e uma cercada nos quadris, um rifle, uma pistola, um facão afiado, um bornal, um par de sandálias de rabicho, cabelos puxados à brilhantina, cordão de ouro e o pescoço envolto de patuás e vivia no meio das caatingas ressecadas do sertão.
Enquanto que o novo e moderno cangaceiro, que atua em todas as regiões, o distintivo é sua vestimenta de etiqueta, paletó, gravata, sapatos macios, relógio de marca, cabelos escovados, freqüenta hotéis e restaurantes de cinco estrelas, mansões e palácios, gabinetes e escritórios notórios, utiliza celular, Internet e televisão, municiado de armas de fogo de alto potencial ofensivo, dinheiro depositado em contas secretas no exterior, desvios e gastos excessivos do dinheiro público. Mudou somente o perfil do cangaceiro da antigüidade para o gangster da modernidade.

Continua Parte II...
Severino Coelho Viana

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