Com a razão o ditado
popular: depois do sacrifício o prazer da conquista. Assim o esforço para
participar do último Cariri Cangaço Floresta (Centenário de Nazaré do Pico) e
os belos e doces frutos colhidos durante e após o evento. E a primeira
impressão que ficou é que mesmo a pé, cortando as desolações das distâncias, o
destino não poderia ser outro senão alcançar a Terra dos Tamarindos, a Floresta
do Navio, a bela Floresta.
Somente os grandes propósitos da vida nos animam a vencer as dificuldades.
Grande parte da comitiva de Poço Redondo a todo instante se mostrava indecisa
sobre a viagem. Mas uma parte jamais fraquejou no seu intento de participar de
mais uma edição do Cariri Cangaço. E assim como fizemos nos caminhos para Exu,
seguimos resolutos ao encontro da história, da memória, da cultura, das lições,
dos amigos, da terra florestana e de sua gente. Seguimos.
Beto Souza, Manoel Severo, Prefeito Junior Chagas e Rangel Alves da Costa na abertura do Cariri Cangaço Floresta 2017
Após Sergipe, atravessando a ponte sobre o Velho Chico, as terras das Alagoas.
Piranhas, Olho D’água, Delmiro. Rumo ao Pernambuco. Os sertões pernambucanos se
mostram imensos, distantes demais, até mesmo desoladores. Quilômetros sem fim
pelas desertas vastidões. Sobre a terra seca, de margem a margem da estrada de
asfalto bom, apenas a secura, a solidão da vegetação cactácea, um mundo hostil
e desabitado. Ora, não se avistava nenhum pé de pessoa, nenhum bicho cortando a
estrada, nenhum casebre triste de beira de estrada. Nada. Que mundo é este onde
estamos? Intimamente indaguei.
Aquele mundo tão ermo e tão hostil nada mais era, contudo, que o autêntico
mundo sertanejo. E já naqueles desolados arredores, onde se parecia distante de
tudo, ainda os passos dos cangaceiros, das volantes, das alpercatas da
história. Aqueles mandacarus, aqueles xiquexiques, pontas de espinhos, pedras
graúdas e miúdas, serrotes e planuras ressequidas, um dia testemunharam os
suores da luta, os respingos de sangue, as emboscadas, as guerras sem fim no
meio do mundo. Eis o cenário descortinando o que mais tarde se teria pela voz
da história, através de seus estudiosos e pesquisadores.
Ingrid Rebouças, Manoel Severo e Rangel Alves da Costa na Favela
Atravessamos o mundo e chegamos a outro mundo. Descobriu-se, então, que o
município de Floresta não era longe, que a cidade de Floresta não era longe, e
que todo aquele anseio se devia a vontade de chegar, de pisar nas terras
florestanas e conhecer mais de perto aquele chão de testemunhos sangrentos e de
histórias tão grandiosas. E ali não estávamos para desencavar outros passados
senão aqueles que nos guiava: a Floresta combatente nos tempos cangaceiros, a
Floresta tomada de orgulho no encalço dos bandoleiros das caatingas, a Floresta
dos destemidos nazarenos e seus menestréis incansáveis. A Floresta da pujante
história!
Floresta é um livro aberto, a cada passo, em cada canto, desde a sede aos
caminhos outros e mais distantes. E quantas relíquias nas páginas deste
majestoso livro. Numa página a imponência do antigo Batalhão, noutra a
Confraria do Rosário, noutra a Igreja do Rosário, a Catedral, o Memorial
Conceição Cahú, o Espaço João Boaiadeiro, a Budega, as praças e ruas com seus
tamarineiros despejando versos, as casas e prédios de fachadas coloridas e
preservadas em beleza sem igual. Pelos arredores, a Fazenda Favela e seu fogo
famoso entre volantes e cangaceiros. E o que dizer de Nazaré do Pico?
Ainda na estrada avistei um pico de vulcão adormecido. Estava chegando a
Nazaré. E realmente agora um pico de vulcão adormecido, mas que no passado
soltou vorazes labaredas pelas mãos de seus nazarenos, incansáveis
perseguidores de Lampião e seu bando. Uma raça de titãs aquela de Nazaré.
Paisanos que ingressaram nas volantes pelo desejo de perseguição ao rei
cangaceiro e seu bando. Homens da estirpe de Mané Neto, Manoel Flor
(imortalizado por sua filha Marilourdes Ferraz na obra O Canto do Acauã),
Odilon Flor, David Jurubeba, Aureliano Flor e do tenente João Gomes de Lira,
dentre tantos outros.
Rangel Alves da Costa, Ingrid Rebouças e Milla Ferreira
Ainda em Nazaré, a singela igreja de Nossa Senhora da Saúde defronte à praça
que leva o nome de Antônio Gomes Jurubeba, construtor da então capela. Um pouco
mais adiante, a visita ao Poço de Negro e seu pé de Umbu-Cajá, localidade onde
a família de Lampião se arranchou num tempo de fugas e perseguições. Nos
escombros ainda as marcas daquelas presenças tão primorosas ao ofício do
historiador.
Muito mais eu haveria de relatar, mas o tempo é breve e a saudade de Floresta
me faz mais entristecido. Já não sou mais o mesmo depois dessa visita. Meus
olhos jamais avistaram tamanha abnegação de um povo pela preservação de sua
história. Fui além das fachadas, adentrei em corredores e cômodos, senti e
vivenciei os relatos. Quanta maravilha.
E de lá não só Manoel Severo saiu como
cidadão florestano como eu conselheiro do Cariri Cangaço.
Mas hoje mesmo a Floresta retornei. Em pensamento e saudade, por isso ela está
aqui, ela em mim permanece.
Rangel Alves da Costa
Pesquisador e Escritor, Conselheiro Cariri Cangaço
Poço Redondo, Sergipe
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