Cangaço e a Cultura do Coronelato Por:Jorge Emicles


Fenômeno social dos mais intricados, o cangaço é marcante na região hoje conhecida como nordeste brasileiro entre o final do século XIX e primeiras décadas do século XX. Sua forma mais palatável e repercutida na historiografia é a dos bandos de cangaceiros, que têm no famigerado Lampião sua expressão mais difundida. Se tratavam de bandos armados que circulavam por todo o sertão, invadindo fazendas e cidades, saqueando todos os bens de valor que pudessem surrupiar.

Pode parecer que esses fora da lei estavam totalmente em contrafação ao poder organizado no sertão nordestino, antagonicamente posicionados às forças políticas e bélicas da região. Contudo, são numerosos os relatos na historiografia de amizades e cumplicidades entre esses bandos e os coronéis, expressão máxima do poder local nesse período. Bem ao contrário, não foram poucas as vezes em que os coronéis se valeram da força belicosa do cangaço para a consecução de seus objetivos políticos.

Talvez o mais famoso desses casos, seja a concessão da comenda de capitão do batalhão patriótico da Guarda Nacional a Virgulino Ferreira, o Lampião, em festiva solenidade ocorrida em Juazeiro do Norte e presidida nada menos que por padre Cícero. À parte a polêmica inata que esse evento ainda hoje causa entre os historiadores, esse é apenas um exemplo, dentre tantos outros, de aliança entre os coronéis nordestinos e essa mão de obra mercenária, sempre pronta a servir a todos os interesses locais mediante recompensas que entendessem justas.

A mão-de-obra bélica dos coronéis nordestinos, entretanto, não se resumia apenas a esses mercenários. Havia um exército próprio, sempre de vigília para as lutas que se apresentassem, que nessa época eram quase cotidianas. No cariri cearense, destacou-se a relação com os chamados cabras. Conforme CALIXTO JÚNIOR (2017, p. 25), eram “em tempo de paz, trabalhadores do eito, meeiros e vaqueiros. Em tempos de guerra – cabras em armas. Viviam na dependência dos donos da terra, os coronéis latifundiários”.


O Cariri cearense é especialmente rico na cultura coronelata. Teve aí, seu apogeu de maior destaque na política nacional e na belicosidade de suas relações. Não são poucos os nomes que se destacam nesse período, como são os exemplos sempre citados dos coronéis Belém, Antônio Luiz, Antônio Róseo, Manoel Ribeiro, Domingos Leite, Antônio Leite e tantos outros, isso para ficarmos apenas em alguns exemplos. Claro que a figura mais proeminente entre todos é a do padre Cícero Romão Batista, para uns outro entre os coronéis, para outros o conselheiro e conciliador entre todos. Fato é que foi o padre o idealizador e grande fiador do chamado pacto dos coronéis, através do qual se buscava dar cabo à guerrilha travada entre eles na busca da consolidação do poder local. Fato é que o Juazeiro da época do padre Cícero conheceu muitos e famosos cabras. Fato é que esses foram elementos essenciais na tomada do poder estadual ocorrida no ano de 1914.

Mas igualmente não se poderá jamais abordar de maneira completa o fenômeno do coronelismo e suas intricadas relações com os cangaceiros, sem levar em conta ainda a elevada figura de dona Fideralina Augusto Lima e seu portentoso e tumultuado feudo, lugar em que reinaram várias gerações entre seus descendentes. De todos eles, o mais destacado é sem dúvidas o seu filho, coronel Gustavo Augusto Lima, que depois de sua mãe, foi de longe a maior e mais destacada liderança daquela região do Vale do Salgado, que por isso colecionou muitos correligionários e inimigos de destaque e força política, como é o melhor exemplo do poderoso Floro Bartolomeu, reconhecido alter ego político do próprio padre Cícero. Sempre com o apoio inestimável dos seus cabras, tomou o coronel Gustavo seu lugar definitivo na história do Ceará e do coronelismo nordestino. 

Pesquisador e escritor Jorge Emicles
ICC-Instituto Cultural do Cariri
Parte de 1 de Artigo de Jorge Emicles

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