Dona Marica Lessa a Guidinha do Poço no Cariri Cangaço 2019

 O Sertão de Dona Marica Lessa 

Impossível ir a Quixeramobim, uma das mais tradicionais cidades do sertão central cearense; ali está localizado o marco de equidistância geodésica do estado; e não defrontar-se com uma de suas mais emblemáticas personagens: Dona Maria Francisca de Paula Lessa, ou simplesmente dona Marica Lessa e mais tarde a imortalizada pelo romance do escritor cearense Oliveira Paiva a "Dona Guidinha do Poço". Mas para contar um pouco da história dessa ilustre personagem de Quixeramobim e que estará presente no Cariri Cangaço 2019, vamos recorrer a relatos do poeta e escritor Bruno Paulino e também a consultas ao blog de Jaqueline Cordeiro, "coisadecearense", vale a pena conhecer de perto Marica Lessa...

A menina Maria Francisca, nasceu em janeiro de 1804, unica filha mulher do casal Francisca Maria de Paula e do Capitão-Mor José dos Santos Lessa. Com uma infância normal por entre a sociedade rural da época, costumava brincar e se sobressair entre os quatro irmãos homens e tinha sua vida juvenil entre a fazenda de seu rico pai e a vila de Quixeramobim. Por seu comportamento e personalidade forte, era muitas vezes considerada muito "avançada"para uma moça de sua época. em 1827 a jovem Marica, então com 23 anos seria desposada pelo pernambucano Domingos Victor de Abreu e Vasconcelos.

Como dizíamos no inicio e segundo relatos a jovem Marica Lessa possuía uma personalidade muito forte e naturalmente acabaria se tornando o homem da casa, diante do papel de figurante do esposo Domingos Vasconcelos que apesar disso acabaria sendo o sucessor do sogro, Capitão-Mor José dos Santos Lessa "na vida pública de Quixeramobim como Juiz de paz, vereador, presidente da câmara, suplente de juiz municipal, coronel da guarda nacional, quando se encontrava ausente o presidente local, Cônego Antônio Pinto de Mendonça." como ressalta Jaqueline Cordeiro.


 Caravana Cariri Cangaço visita o Sertão de Dona Marica Lessa

Deixando um pouco de lado o casal recém enlaçado, voltemos ao presente e a chegada da Caravana Cariri Cangaço a fazenda de Marica Lessa, ou ao que restou dela. Distante cerca de 22 km do centro de Quixeramobim, pela rodovia CE que liga o município a urbe de Madalena, chegaríamos às ruínas da casa grande por volta das 11 da manhã do ultimo dia 23 de fevereiro de 2019. O sol sob nuvens prenunciava uma chuva leve e refrescante. A porteira fechada exigiu um esforço maior de todos, uma pequena caminhada de cerca de 400 metros e começamos a vislumbrar aqui e ali os resquícios do que foi no passado o casarão dos Lessa na vila da Canafístula Velha... Apenas tijolos e pedaços pequenos de porcelana denotavam a memória e a história da outrora matriarca... Mais um pouco e iríamos encontrar os tanques onde os serviçais da fazenda de Marica Lessa utilizavam para o curtume. Mesmo em tempos de chuva percebe-se o clima árido sertanejo com a vegetação rala mas viçosa da caatinga nordestina. Ali nasceu, viveu e saiu para morrer Marica Lessa.


Gutierrez, Manoel Severo, Isabele Oliveira, Aílton, Ciro Silva, Edmilson e Bruno Paulino 
 Os tanques usados no curtume

Voltemos no tempo e ao casamento que aparentemente corria sob as bençãos dos céus... Vamos recorrer ao texto de Jaqueline Cordeiro: "Aconteceu que, após muitos anos de casados, um dia apareceu na fazenda um sobrinho do esposo; senhorinho Antônio da Silva Pereira; foragido da justiça de sua terra, onde fora denunciado como cúmplice da morte de seu padrasto. O tio o acolheu em sua casa, deu-lhe todo apoio e através da política, procurou livrá-lo do processo." Na verdade enquanto se esquivava da justiça,  senhorinho acabou se fixando em Quixeramobim e assumiu o labor de comerciante para depois fixar-se em uma das fazendas do tio. O fato é que o mesmo acabou sendo absolvido pela justiça e por consequência houve grande celebração por parte da família, principalmente por parte da "tia afim" Marica que naquela época que se mostrava muito interessada em tudo que dissesse respeito ao sobrinho do marido...

Ainda com Jaqueline Cordeiro: "Quando ele possuía a casa comercial na vila, Marica Lessa tornou-se sua principal freguesa, depois quando o rapaz se interessou pela filha do juiz, ela não gostou, e através de críticas ferozes, procurou desfazer o namoro. Convidava-o frequentemente para passeios, festas nas fazendas vizinhas e outros eventos, com a finalidade de tê-lo sempre ao seu lado. Em pouco tempo o pessoal da fazenda passou a fazer comentários maldosos, mas o jovem não dava mais atenção ao tio que lhe dera a mão. Este, assistia a tudo impassível e parecia não acreditar no romance da esposa com o sobrinho. Só veio a ter certeza quando um dia no campo, viu e ouviu um grupo comentando sobre o caso à beira de uma cacimba. Foi a certeza do fato, e tão fraco era Domingos, que pensou em suicídio em vez de reagir forte e decidido contra os adúlteros. Teve porem, mais tarde, a altivez de expulsar o sobrinho de casa."

A Fazenda já não era um ambiente harmonioso, Marica Lessa parecia não temer o conhecimento de todos sobre o caso com o sobrinho do Marido ou mesmo a humilhação a esse submetido. O Cel. Domingos Victor, acabou a Fortaleza se dá com seu chefe politico Senador Thomaz Pompeu de Souza Brasil, queria proteção para sua vida diante do quadro que se desenhava em Quixeramobim. No retorno fixou residencia na cidade não mais voltando para a fazenda


 Bruno Paulino e Manoel Severo na Capela da Sagrada Família
Capela da Sagrada Família, construída por dona Marica Lessa. Aqui sera a conferência do Cariri Cangaço na Canafístula Velha...

Ali pisando o Sertão de Dona Marica Lessa era como se voltássemos no tempo, principalmente ao chegarmos na pequena vila de Canafístula Velha, lugar que ainda mantem poucas casas ao redor da Capela da Sagrada Família, construída pela própria Marica Lessa. Na Capela da Sagrada Família se dará a Conferência sobre a vida de dona Marica, a Guidinha do Poço, imortalizada por Oliveira Paiva; dentro da programação do Cariri Cangaço Quixeramobim 2019.


Capela da Sagrada Família
Isabele Oliveira, Bruno Paulino, seu Eliezer, Manoel Severo, Gutierrez, 
Ciro, Aílton e Edmilson

"Enquanto isso, Marica Lessa planejava uma maneira de matar o marido, seu primeiro pensamento foi contratar os serviços de um protegido seu acusado de matar a esposa por ciúmes, expôs seu plano ao criminoso e entregou-lhe um punhal que foi de seu avô, o assassino prometeu executar o plano, mas fraquejou, pois o Cel. Domingos Victor jamais havia lhe feito mal algum, devolveu então, o punhal e o dinheiro a Marica Lessa.

Marica tinha fama de caridosa e benfeitora, e assim, tinha na sua fazenda um retirante da seca de 1845, de nome Antônio Silveira da Natividade, que se tornou seu amigo e compadre. Vendo-a enfurecida com o fracasso do primeiro mandante, este se ofereceu para executar o plano, porém, não iria fazê-lo pessoalmente, mandou então, Marica chamar um escravo conhecido por Corumbé, que aceitou a missão. Seguiram os dois a cavalo para a vila, ficando Antônio Silveira na casa de uma protegida de Marica, enquanto Corumbé seguiu para a casa do Cel. Domingos Victor, que estava na sala, diante de um espelho aparando a barba, ao vê-lo, vira-se o Coronel para guardar a tesoura na gaveta quando Corumbé o apunhala pelas costas. Tendo morte quase imediata, teve ainda tempo de gritar para a cozinheira da casa, apavorada, esta grita por socorro, logo aparecendo várias pessoas, inclusive o vigário, que retirou o punhal da vítima e o ouviu dizer o nome de seu homicida, antes de morrer.

Não foi difícil prender Corumbé, que todo vestido com roupa de couro, tinha dificuldade para se locomover, e preso, logo confessou o crime, dizendo que Marica Lessa havia sido a mandante. Quando a notícia de sua prisão se espalhou pela cidade, Silveira tratou logo de fugir e nunca mais foi encontrado pela polícia. O sepultamento do Cel. Domingos Victor foi realizado naquele mesmo dia, 20 de setembro de 1853, uma terça-feira.


A vila da Canafístula Velha guarda a simplicidade e a beleza do povo sertanejo
Seu Eliezer, "o guardião da Capela" e Manoel Severo

No caminho antes mesmo de chegarmos a Canafístula, o escritor Bruno Paulino nos chamou a atenção para uma casa grande ao lado da estada: "Severo, dona Marica Lessa tinha tanta certeza que com seu poder seria libertada que ao passar por essa casa ele disse ao dono que fizesse um café que ela iria resolver um problema e logo voltaria...Nunca voltou." E assim passo a passo íamos nos aproximando da história e da lenda dessa matriarca do sertões cearenses, imortalizada em romance e no imaginário dos sertanejos do lugar.

Crime consumado, o Cel. Miguel Alves de Melo Câmara, delegado da cidade foi até a Canafístula e acabou prendendo dona Marica, que ao lado de seu amante senhorinho, chegariam a cadeia pública no final da tarde, há quem diga que dona Marica Lessa foi uma das principais colaboradoras na construção da cadeia; sendo depois uma de suas prisioneiras ao lado do amante e de Corumbé, o executor; era o dia 21 de  setembro de 1853. "Processados, eles foram pronunciados no dia 28 de outubro daquele mesmo ano e no dia 8 de novembro, eles davam entrada na cadeia pública de Fortaleza." Marica Lessa aos 52 anos seria condenada a 30 anos de prisão em julgamento de outubro de 1855 ; já senhorinho Antônio da Silva Pereira  havia sido condenado a 4 anos de prisão em 19 de abril do mesmo ano, já o executor Corumbá foi julgado em 1864 sendo condenado e tendo sua perpetua no presídio de Fernando de Noronha.

"Acredita-se que tanto Marica Lessa quanto senhorinho, foram defendidos pelos melhores profissionais da época. Logo após o crime , ela foi se desfazendo de suas propriedades para arcar com as despesas de advogados e outros gastos com a justiça, e em pouco tempo nada mais restava do que herdara de seu pai. Logo após o julgamento teve uma grande decepção, pois o senhorinho Antônio da Silva Pereira, conseguiu da justiça imperial, o direito de cumprir sua pena na prisão de Belém, no Pará. Maria Lessa sempre se disse inocente, e ao ser solta, semi enlouquecida e sem recursos, perambulou pelas ruas de Fortaleza até morrer como indigente."

Cariri Cangaço Quixeramobim
Visitas prévias em 23 de Fevereiro de 2019
Fortaleza, Ceará
Fotos: Ingrid Rebouças

Fonte:coisadecearense.com.br de Jaqueline Aragão Cordeiro



Vem aí
Cariri Cangaço Quixeramobim
24 a 26 de Maio de 2019
Antônio o Conselheiro do Brasil

Um comentário:

@indioparaupaba disse...

Bravo !!! AVANTE CARIRI CANGAÇO !!!