A Chacina dos Nove Parte III Entrevista

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Entrevista com Francisco de Britto...


O Estado enviou Calmon Nogueira da Gama para investigar o caso. Ele iniciou o inquérito, mas o pessoal do Abílio não atendeu à convocação. O juiz ficou sabendo que eles iam fugir e mandou um policial na fazenda para prendê-los. O velho Wolney estava com um capataz e, quando se viu cercado, saltou no chão e entrou num canavial. Ao sair do outro lado, foi morto pela polícia. Começou aí a covardia da polícia, que ainda fez toda sorte de estrepolia.
                                                                                    
                                                                                             


Abílio Wolney conseguiu escapar, arrebanhou jagunços na Bahia e atacou a cidade. A munição da polícia não valia nada, não dava tiro. Mas ela pôs todos os Wolneys no tronco, como reféns. Wolney disse depois que teve medo de atacar, ao saber que sua família estava presa, mas, premido pelos chefes de jagunço, foi obrigado a invadir a cidade. Quando começou o tiroteio, a polícia matou todo mundo.


O absurdo dessa história é que lá todo mundo era parente, compadre. Não sei como aconteceu uma barbaridade daquelas. Um genro do velho Wolney, Benedito Pinto, atacadista, era muito amigo de meu pai. Tinha outro irmão do Abílio Wolney, que era uma dama de tão fino. Não saía da casa de meu tio.  
                                                                                                                                                   


Haroldo de Britto — Tenho aqui um artigo do senhor, chamado A Tragédia Nortista: “O caso macabro do Duro, tão proclamado e interpretado pelos que não o conhecem, ficou célebre nos anais da história simples de Goiás, e ainda hoje no mistério que o envolve, muita gente o ignora, dispensando por isso grande parte de simpatia e compaixão à família Wolney, a única responsável, aliás por tudo quanto tem infelicitado aquela zona nortista. As horríveis inverdades publicadas na revista Paranaíba, editada por Moisés Santana, e estrondosos noticiários de jornais mal informados teceram um mundo de dúvidas e incertezas ao redor dos fatos que, nas linhas que ora inicio, propus-me a esclarecer, pois ninguém, posto que em linguagem pouco correta e elegante, poderá apreciá-las melhor que eu, que as presenciei vendo crescer o tumor até estourar ao golpe do bisturi. Muitos julgam que Abílio Wolney, agindo à mão armada contra o governo do Estado, vingava a morte do pai, assassinado pela polícia em sua fazenda Buracão, na noite de 23 para 24 de dezembro de 1918. Mas não. O seu coração perverso nunca palpitou na ternura do amor filial, porquanto se assim fosse não teria ele, nessa sede bestial da vingança, sacrificado a maior parte de sua família, atacando um punhado de casas onde se refugiavam não só a força policial, mas sua mãe, irmãos, filhos, cunhados, primos, parentes e amigos. Seu ideal era outro: ideal de grandeza, de triunfar pela força e, mesmo conhecendo o perigo a que estavam expostos os seus, mandou uma ordem de cangaceiros circular a pequena Vila do Duro e matar sem contemplação. Buscarei estereotipar todas as fases da família Wolney e mostrarei, sem espírito de parcialidade, todos os seus grandiosos sentimentos para que os leitores conheçam a verdade dos fatos e não andem por aí a confundir amor filial com canibalismo”.                                                                            


FB: Ora, mas eu acabei de dizer isso. O culpado de tudo foi a mania de grandeza do Abílio Wolney. Quando a força policial soube que os jagunços vinham, prenderam os parentes dele como reféns. Uma irmã do Abílio se propôs a ir ao encontro dele para que desistisse do ataque. Os policiais não queriam, mas acabaram sendo convencidos a deixá-la ir. Quando ela contou para o Abílio em que pé estava a situação, ele baqueou. Mas Humberto Dourado, Abílio Batata e outros não deixaram Abílio desistir. Estavam sequiosos por roubo, queriam saquear a cidade.


Político, escritor e articulista de jornal, Francisco de Britto era uma figura ímpar. Aos 89 anos (OUT/1994), concedeu uma entrevista surpreendente ao Jornal Opção — sua última grande entrevista —, em que dissertou, vagarosa e lucidamente, sobre a política goiana e até sobre sua vida pessoal. 


FONTE:www.dno.com.br
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