O Sertão Sob as Lentes de Nova Iorque: Silvino Ataca Novamente



No dia 27 de outubro do corrente ano, O CPDoc-Pajeú, através de um artigo assinado pelo coletivo, trouxe ao conhecimento do público uma reportagem publicada no dia 27 de março do ano de 1971 no jornal americano The New York Times que, a partir da análise de cunho etnográfico acerca da procissão de São José ocorrida em 19 de março desse mesmo ano São José do Egito (PE), descrevia o flagelo enfrentado pela população do município durante a seca de 1970 e tecia uma  crítica à política de desenvolvimento regional até então implementada pelos governos que, segundo o articulista americano, negligenciava “a agricultura rural” e “manteve nordestinos em suas terras inóspitas e vivos nos níveis de subsistência durante a seca”.

Diante da repercussão que esse artigo teve, tendo sido veiculado em vários sites, blogues e programas de rádio da região, o CPDoc-Pajeú decidiu disponibilizar parte de seu acervo e de sua produção através da publicação de uma série intitulada “O Sertão sob às lentes de Nova Iorque”, conjunto de artigos a serem produzidos a partir das reportagens publicadas pelo The New York Times que tem como foco as áreas do Sertão nordestino. Nesse sentido, hoje estamos reportando a publicação de 04 de agosto de 1907, que descreve a ação do cangaceiro Antônio Silvino e seu grupo ao atacar um engenho (plantação de açúcar) localizado a “duzentas milhas” da Capital, o que colocou 400 praças da força policial do Estado de Pernambuco em seu encalço.

Nessa ação, que sofreu reação de apenas um homem, morto de imediato, Antônio Silvino e seu grupo conseguiram do proprietário, a título de extorsão, a bagatela equivalente a dois mil dólares e obrigou a abertura da loja (bodega ou barracão) do engenho para que os trabalhadores dessa propriedade distribuíssem, entre si, a mercadoria estocada na loja. Silvino ainda ameaçou retornar e punir o proprietário se este perseguisse algum dos trabalhadores que, porventura, recebessem os produtos provenientes da loja.   Na reportagem, não existe indicação precisa da localização do engenho em questão, mas a informação de que a última ação do grupo de Antônio Silvino registrada pela imprensa teria sido realizada em janeiro daquele ano em um engenho localizado perto da povoação de Santa Cruz nos faz presumir tratar-se da região serrana de Triunfo/Baixa-Verde, histórica produtora de cana-de-açúcar e que fica, justamente, a mais de 200 milhas da Capital. Nessa ação, que culminou com a invasão da povoação de Santa Cruz o grupo de Silvino teria cometido mortes e estabelecido uma cobrança de valor equivalente a 50 dólares a título de extorsão.


Apesar de Antônio Silvino já ter sido muito referido na bibliografia especializada sobre cangaço, o retorno à sua história, bem como às de outros cangaceiros, ainda é um campo fértil para compreendermos as dinâmicas sociais que se desenvolveram nos sertões nordestinos nos séculos passados, mas que ainda não foram plenamente evidenciadas do ponto de vista historiográfico nem tampouco analisadas com profundidade sob o ponto de vista sócio-antropológico. Por exemplo, sobre a origem social dos cangaceiros, a bibliografia nacional e internacional sobre cangaço, de um modo geral, trata-os, de forma quase automática, como sendo de origem pobre, pertencente aos estratos sociais explorados, despossuídos ou alijados dos postos de decisão política. Mas esforços recentes de estudo em cooperação realizados por Aldo Branquinho e Yony Sampaio, ainda não publicados, já apontam para a origem distinta da família de Antônio Silvino. Ele simplesmente descende de Gonçalo Ferreira da Costa, beneficiário por concessão de datas de sesmarias no Cariri da Paraíba, cujos filhos foram também sesmeiros no Cariri e rendeiros das fazendas da Casa da Torre no Alto Pajeú.

Compreendemos que caberá ao esforço de novos estudiosos o desvendamento dos detalhes e as nuances de dinâmicas sociais não evidenciadas (obscurecidas muitas vezes por apegos a pressupostos teóricos simplificadores) e analisar os processos sociais (com as devidas repercussões psicológicas) de empobrecimento, disputas internas e entre grupos rivais, crise e ascensão de elites agrárias e políticas que possibilitaram, por exemplo, a vida, o surgimento e a ação de Manoel Batista de Moraes, o célebre cangaceiro Antonio Silvino.


Quem somos?
"O Centro de Pesquisa e Documentação do Pajeú – CPDoc, nasceu da carência de estudos e pesquisas sobre a história do pajeú e suas adjacências feitos por pesquisadores autóctones. A necessidade de conhecer e tornar notória nossa história secular levou a um pequeno grupo de estudiosos e pesquisadores de vários ramos do saber a se unirem em torno de um grupo cujo elo mais forte é o amor por sua terra, por seu povo, sua cultura e suas raízes."


Hesdras Souto
CPDoc-Pajeú


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