Ainda bem criança, antes mesmo que a dita “idade da razão” viesse atormentar meus sentimentos, vivia, via e ouvia as coisas acontecerem sem grandes preocupações: era a vida no curso de seu leito, no qual corríamos felizes pra lá e pra cá. Água Branca era nosso pequeno paraíso aqui na terra.
Mas chegou um tempo em que fomos surpreendidos por uma mudança repentina: Teríamos de deixar nosso Sertão (ainda que ele nunca tenha nos deixado órfãos dele). Íamos nos afastar do Velho Chico, a menos de dez léguas (será que estou certa? Uma légua tem uns seis Km?) de nossa pequena cidade, mas uma proximidade que a vista alcançava do alto dos quase 600 metros acima do nível do mar, o que exercia um fascínio para o sertanejo “habituado” à terra seca. Nosso destino era Penedo: o Velho Chico continuaria conosco, lá, na encantadora Princesa do São Francisco.
As razões dessa mudança “não vêm mais ao caso”... Mas foram essas “razões”(irracionais) que nos “arrancaram” de nosso torrão natal. Não entendíamos nada. Era coisa de adulto: complicado demais para crianças... Só sabíamos que deixaríamos para trás pessoas muito queridas e aquele cheiro de terra e de frutas que impregnava nossa vida cotidiana - as pitangas e as uvas do belo parreiral sairiam da realidade para o sonho. Não veríamos mais as serras, não sentiríamos mais o cheiro da cana melada... Ainda bem que as férias nos trouxeram de volta esses pequenos grandes prazeres de uma vida - e como esperávamos por elas!
As razões dessa mudança “não vêm mais ao caso”... Mas foram essas “razões”(irracionais) que nos “arrancaram” de nosso torrão natal. Não entendíamos nada. Era coisa de adulto: complicado demais para crianças... Só sabíamos que deixaríamos para trás pessoas muito queridas e aquele cheiro de terra e de frutas que impregnava nossa vida cotidiana - as pitangas e as uvas do belo parreiral sairiam da realidade para o sonho. Não veríamos mais as serras, não sentiríamos mais o cheiro da cana melada... Ainda bem que as férias nos trouxeram de volta esses pequenos grandes prazeres de uma vida - e como esperávamos por elas!
Assim, começamos a abrir e fechar muitos parênteses em nossas vidas. Mais que isso: abrimo-nos para novos horizontes, novas paisagens, novos cheiros, outros afetos. Nosso entorno foi se tornando menos estrangeiro... Penedo passou mesmo a ser, como diz o verso da canção: TERRA DE QUEM QUER BEM.
Ali, havia aquele “jasmineiro [sempre] em flor”, tal qual o que via Cecília Meireles quando abria sua janela na prosa poética... Em nosso caso, não era uma janela: eram duas grades, um corredor, muitos abraços e um cheiro de coisa boa para alimentar a gulodice infantil e um vazio de “um não sei o quê” que trazíamos no peito. Percorrido o corredor, chegávamos a uma sala aconchegante. Olhávamos para a “sacada” e sentíamos aquele cheiro de jasmim, vindo das pequenas flores que, ao menor toque, “despetalavam-se”, de tão delicadas que eram. Mas tudo isso era só um cenário.
Bom mesmo eram as personagens daquele encontro em Penedo, longe de nosso Sertão, com uma outra parte de nossa história, a família de nossa avó materna, Stella Fernandes Lemos: Olga – já bem no ocaso da vida, e que nos deixou uma rápida e doce lembrança em um pequeno apelido afetuoso, UÓ, e Edila, nossa Mãe Dila). Não chegamos a conhecer nossa avó; partira bem antes de nossa chegada. Sabíamos, de “ouvir dizer”, que era uma mulher terna, educada, caridosa – e essa fama lhe rendeu um belo cordel de autoria de uma pessoa que dizia não ter “alisado banca” e, por isso, se desculpava pela simplicidade de seus versos – descobri-o anos depois e guardo-o com muito carinho.
Maria Stela Torres Barros Lameiras no Cariri Cangaço em Água Branca
O que ouvíamos com frequência era que ela era a esposa do filho do Barão de Água Branca – um apagamento de identidade que ainda existe em muitos casos, como bem disse minha querida prima Lidinha, Maria Lídia Torres Bernardes, cheia de curiosidade como eu, diante desses vácuos identitários, sobretudo em relação às mulheres daquela época (e nem só daquela época...).
Cada vez que vou a Penedo, é grande a emoção de olhar para o Colégio Imaculada Conceição, cujo aprendizado das letras e da vida deu continuidade ao saudoso Gabino Besouro, onde minha mãe era professora. E ali, logo em frente ao colégio, na Praça Jácome Calheiros, ainda está aquela casa que não mudou muito fisicamente, mas onde não temos mais os abraços de Mãe Dila, de Lourdes e de Edith, o que nos trazia a sensação gostosa de que ali nós não éramos estrangeiros – aquele solo não era apátrido: era um solo quase em forma de coração, um chão que passou a ser o nosso novo torrão.
Imagem da linda Matriz de Nossa Senhora da Conceição em Água Branca
A vida seguiu seu curso. Surgiram novos capítulos, a começar com os irmãos penedenses, que vieram, nos cinco anos seguintes... Vieram também outras histórias, e um vai e vem que nos levava de uma paisagem para outra, fazendo-nos transitar em mundos que se somavam e que faziam morada em nossos corações.
Ao longo da vida, muitos mundos vão se sobrepondo e nós vamos nos damos conta de que a melhor geografia não é a física nem a política: é a geografia humana, mais especificamente, a do coração, essa que não precisa de mapa, nem marca distâncias, nem mesmo precisa de ponte para irmos do SERTÃO AO RIO, pois ambos vivem em nós: Água Branca e Penedo são palcos e coxias de nossa história.
Maria Stela Torres Barros Lameiras
Maceió - AL
Um comentário:
Querida Stellinha! Eterna professora querida e amada com sua escrita singela e (re)confortante - um afago na alma.
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