Cel José Júlio, o Czar do Jari Parte II

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Numa pequena pausa ao tema cangaço e nordeste; trazemos por indicação do amigo Dário Castro Alves, a apresentação de um grande cearense, que fez história e por isso, está no Cariri Cangaço. A partir do texto de  Douglas Lima, apresentamos o Cel José Julio Andrade, O Czar do Jari, vale a pena conhecer..


José Júlio de Andrade era amigo do jornalista paraense Paulo Maranhão e, como este, inimigo ferrenho do governador Magalhães Barata. O governador mandou um fiscal à Arumanduba e o funcionário público multou o coronel em dez mil contos de réis. Zé Júlio pagou a quantia e deu mais dez mil ao fiscal, dizendo: “Leve mais estes dez mil para o Barata acender o charuto dele”. Noutra ocasião, estando na Argentina, logo após uma de suas desavenças com o governador Barata, escreveu a um amigo dizendo, em um dos trechos da carta: “Estou comendo banana e dando banana para os bananas daí”. Embora casado com Laura Neno, o coronel José Júlio de Andrade era homem de muitas mulheres, figurando Chiquinha Rodrigues entre as suas preferidas, a qual conheceu quando iniciou sua vida empresarial no Jarí. Mesmo assim não teve filhos e sua herança ficou para Maria Laura, filha mais velha de um sobrinho.

Governador Magalhães Barata

O coronel morreu aos 90 anos no dia 24 de junho de 1953, no Rio de Janeiro, e está sepultado no cemitério São João Batista, daquela cidade. Cinco anos antes já havia se afastado por completo dos municípios de Almeirim, Mazagão e Porto de Moz. Vendera sua fazenda do Rio Aquiqui para Michel de Melo e Silva e a Jaripara  para um grupo de portugueses.

Apesar do caudilhismo com que administrou a sua riqueza, uma vez, em 1928, viu-se em apuros diante de empregados e não teve saqueado os depósitos de mercadoria, propriedades suas em Arumanduba, porque recorreu ao poder de persuasão, o que, aliás, tinha de sobra. Trata-se do episódio titulado pelo escritor Cristóvão Lins no livro Jarí - 70 anos de história como “A revolta de Cezário”. Vitoriosa, a rebelião teve como principal troféu a prisão de Duca Neno, cunhado e um dos principais e cruéis capatazes do coronel. A revolta eclodiu porque Duca Neno assediou amorosamente a esposa do aviado José Cezário de Medeiros, um rio-grandense-do-norte que sabia ler e escrever muito bem, tendo, inclusive, passado pelo Exército, e que no meio dos empregados de Zé Júlio surgiu como um verdadeiro líder. Cristóvão Lins conta que a mulher de Cezário, muito bonita, adoeceu e precisou ir a Arumanduba, a fim de seguir a Belém, para tratamento.

Vista aérea do Complexo Jari; resultado da visão e empreendedorismo de José Júlio

Uma versão diz que Duca Neno a colocou numa casa sem o mínimo conforto, tendo embaixo do assoalho um chiqueiro de bodes. A outra versão diz que Duca simpatizou com a hóspede e como a mesma não o quis, passou a massacrá-la para ver se conseguia o intento. Cezário recebeu uma carta da esposa narrando o que ela vinha passando nas mãos do capataz. O aviado,  arquitetou a revolta que chegou a bom termo, inusitadamente, sem haver qualquer delação. O povo abandonou as casas e criações para seguir o líder. A revolta foi tão bem planejada e sigilosa que a filial de Pacanari, abaixo da Cachoeira de Santo Antônio, a uns cinco quilômetros de distância, só teve conhecimento da mesma quando o seu chefe, capitão Filomeno, foi preso por Cezário.

Desde o dia 17 de junho, o jovem líder começou a reunir todo o povo em Cachoeira de Santo Antônio, à espera do navio que deveria chegar no dia 5 de julho, como aconteceu. De Cachoeira não saía ninguém e os que chegavam também ficavam detidos. Até a chegada do navio, Cezário ajustou contas com algumas pessoas poderosas na região, como o velho Monsão, chefe da filial de São João do Iratapuru, que antes da revolta havia ordenado que surrassem um rapaz, vindo este a falecer devido ao espancamento. O líder da revolta mandou prender Monsão e obrigou-o a cavar a sepultura do rapaz até chegar o caixão, para em seguida colocar a terra de novo na cova.

Vista da Fábrica, a partir do Rio Jari

Entre adultos e crianças, Cezário arregimentou aproximadamente oitocentas pessoas. Ao iniciar a revolta, o chefe da filial de Cachoeira, de nome Loureiro, foi preso. O navio Cidade de Almeirim, que quinzenalmente levava rancho às filiais e recebia os produtos explorados, foi tomado e comandado pelos revoltosos até Arumanduba.
Perto dessa localidade, a marcha da embarcação foi reduzida e as luzes apagadas. Cezário ficou perto do comandante, chamado Jararaca, fazendo-lhe a seguinte ameaça: “Se perder a atracação, vai perder a cabeça”. Jararaca era bom mestre e não teve problema para atracar o Cidade de Almeirim no trapiche de Arumanduba. Imediatamente, Cezário desceu com o pessoal e prendeu Duca Neno, amarrando-o e colocando-o no porão do navio. Em seguida cortou os fios do telégrafo para evitar comunicação com Belém ou outro local.

Os revoltosos quiseram saquear os depósitos de mercadoria, mas o coronel José Júlio chegou naquele momento e disse: “Sei que aqui tem muito cearense, mas sei também que aqui não tem ladrão”. Dito isso, o pessoal afastou-se e José Júlio autorizou que tirassem o que fosse preciso para a viagem até Belém. Cezário então removeu o povo para o navio Cidade de Alenquer, maior que o Cidade de Almeirim e foi iniciada a viagem para Belém, com Duca Neno preso, para ser entregue às autoridades. Após a saída dos revoltosos de Arumanduba, o telégrafo foi consertado e a notícia transmitida para Belém. Uma corveta da Marinha interceptou o navio e este foi levado escoltado ao porto da capital paraense. Cezário e os companheiros foram alojados nos quartéis e Duca Neno solto, pois José Júlio já havia providenciado a libertação.

Em Jarí - 70 anos de história, o escritor Cristóvão Lins diz que a revolta foi o fato mais depreciativo de toda a história do Jarí e do próprio José Júlio de Andrade. O interessante, porém, é que, com poucas exceções, como Cezário, os revoltosos voltaram para o Jarí e foram recebidos pelo coronel, sem ressentimentos, pelo menos na aparência.



Imagens do Palecete Bibi Costa, inaugurado em 1906 e morada do Cel José Júlio a partir do ano de 1910. Tinha fama de ser mal assombrado. 

Em meio ao muito que se fala do coronel José Júlio de Andrade, aparece o rigor com que tratava os seus empregados, na maioria das vezes ditado da rede esticada na ampla varanda do seu casarão em Arumanduba. Foram violências e arbitrariedades que seus capatazes praticaram, como narra o já falecido escritor e historiador santareno João Santos ao abordar o caso do trabalhador Jacinto Lopes, que caiu na besteira de pedir a conta ao coronel para visitar familiares no Ceará, sua terra natal. O episódio faz parte da história do extrativismo da balata no Médio Amazonas, região onde o produto alcançou o seu maior apogeu. Conta João Santos que, certo dia do ano de 1928, Jacinto Lopes, bom explorador de balata, produto este ainda pouco conhecido e que o coronel explorava sem competidores, pensou em dar uma volta no Ceará e pediu a conta.

Fazer o que fez Jacinto nas propriedades de Zé Júlio era ato de autodestruição. Ninguém saía das terras do coronel levando saldo ou devendo conta. Para isto tinha o lugar de ajuste chamado Paga-dívida, onde o trabalhador que cometesse a ousadia de tentar deixar o trabalho escravo encontrava o fim nas balas de um rifle.
Jacinto percebeu o erro cometido, mediu as conseqüências e resolveu fugir protegido pela escuridão da noite, subindo o Rio Paru. Armou-se de um rifle e terçado, colocou um pouco de farinha e outros mantimentos em um saco e partiu pensando chegar em Monte Alegre. O capiau trabalhara vários anos na extração do breu e castanha e por último na da balata.

Conhecia os mistérios da mata como poucos e confiava nos índios do Alto Rio Paru. Sabia que a tentativa era um desafio, mas preferia aceitá-lo do que morrer no Paga-dívida nas mãos dos capatazes do coronel. Depois de vários dias de estafante caminhada, perseguido pelo verdugo Luiz Gomes e asseclas, enviados de Zé Júlio e moradores de Paraguai, no Rio Jari, de onde ocorrera a fuga, Jacinto alcançou a maloca dos índios apalaís, onde pernoitou, e pela madrugada, depois de orientado pelos nativos, partiu em direção ao Rio Maicuru, caminho mais fácil para se ir à cidade de Monte Alegre. Por volta do meio-dia, a turma de Luiz Gomes chegou à maloca indígena, todos armados de rifles e sofregamente procurando pelo cearense. Foram logo intimando os índios a revelar a presença do fugitivo, por onde andava e para onde tinha ido. Os índios do Paru conheciam perfeitamente os homens que chegaram à maloca. Eram os mesmos que roubavam seus produtos e impunham condições pesadas sem remuneração, que os escravizavam, fazendo o mesmo com trabalhadores. Encobriram a fuga de Jacinto, apontando a direção oposta, como se o cearense tivesse tomado o rumo do Amapá. A mentira dos apalaís salvou o fugitivo e contribuiu para que Monte Alegre, através dele, tomasse conhecimento da existência de grandes balatais em suas terras. Exausto e faminto, Jacinto alcançou o Rio Maicuru caminhando pelas suas margens, quando possível, e nadando em outras ocasiões. Chegou à outra maloca dos apalaís, próxima à foz do Maicuru. Na dura e penosa caminhada, foi encontrando exuberantes balatais. Os nativos lhe revelaram outros.

Refazendo as forças, Jacinto começou a cortar algumas balateiras. Precisava levar alguma coisa para vender e conseguir dinheiro para chegar ao Ceará. Juntou alguns blocos de balata. Conseguiu uma canoa dos índios e partiu para Monte Alegre descendo o Rio Maicuru até encontrar o Rio Paituna. Por este chegou ao Curaçu, onde encontrou um comerciante, homem calmo, de falar macio, cearense também, chamado Henrique Vieira de Souza. Jacinto contou sua história ao dito comerciante e na companhia deste viajou para Monte Alegre, aonde chegou no dia 21 de setembro de 1928, levando os poucos blocos de balata. Assim, o nome de Jacinto Lopes ficou ligado para sempre à economia daquele município paraense. 

Douglas Lima

Cortesia de Dário Castro Alves
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10 comentários:

Unknown disse...

Muito interessante o texto sobre o José Júlio. Sempre ouço história da vida dele até hoje, pois ele é meu tio trisavô. A Maria Laura, a filha adotiva dele, ainda é viva e reúne a família da mesma forma que ele fazia. Parabens pelo texto.
Raul Moreira
rmoreira@amazon.com.br

Unknown disse...

Benicio disse,

Graças que estou com consiencia tranquila,por não ter feito nada errado- Escrevi un livro Histório sobre a Agrovila de Macapazinho-Castanhal,nele narrei caso de meu Pai e Avo,que ouvi deles aos meus 12 aninhos,sobre suas aventuras no senringal desse
cruel Jose Julio de Andrade,eles fizeram para não morrer,sem ver a familia o mesmo que fez Jacinto Lopes,fugiram- o que me veio a memoria, a vida de meu Pai e avó,Francisco e Jose Alves, Jambu-Açu Pa o que ouvi foi mais que uma verdade, ate pensei depois que fosse potoca de porta de taberna.

E-mail; befasanossolar@uol.com.br

Unknown disse...

Meu bisavô chamava se Quintiliano e foi escravo deste homem, com a ajuda de outro escravo conseguiram fugir deste homem cruel.

Unknown disse...

Meu bisavô e bisavó eram de Arumanduba, Raimundo Rabelo Mendes era o nome dele, se alguém souber alguma informação mais sobre Arumanduba pode entrar em contato comigo no meu email gmteller.gmt.gs@gmail.com

Anônimo disse...

Estamos tentando fazer levantamentos da época, devido uma conversa entre amigos, que segundo um deles afirmou ser parente próximo de um morador que frisou a existência de restos das três embarcações de propriedade do dito coronel José Julho, e que estão localizadas no Rio Aquiqui próximo a antiga fabrica de queijos artesanais do já falecido Artur de Melo e Silva hoje pertencente ao filho Senhor Alfredo de Melo e Silva conhecido como Alfredão.
ainda existem alguns sinais da época os lugares onde o mesmo fixou suas bases como por exemplo arumanduba, ainda relatou que antigos parentes de ex servidores do mesmo, que residem até hoje que,

Anônimo disse...

Eu nasci e cresci as margens do rio Amazonas onde quando criança ouvi meu pai falar muitas histórias desse coronel José Júlio qual navio de ferro era até uns 4 anos atrás do meu amigo, Matico leão.

Anônimo disse...

Fala comigo. Mendesrjbr2@gmail.com

Anônimo disse...

Ele teve um filho com a emprega dele..mas ate hoje ninguem ficou sabendo..

Anônimo disse...

Meu esposo min fala que o pai dele que se chamava joâo Severino era jagunço do coronel josé Júlio.

Anônimo disse...

Sempre ouvi dizer que o coronel José Júlio estava sepultado no cemitério são João Batista RJ. Recentemente assisti um vídeo dizendo que ele estava sepultado em Belém no cemitério da ordem terceira que fica em frente ao santa Izabel. Mostrando inclusive a sepultura dele.