A reputação de Clementino Quelé no cangaço e na volante Por:João Costa

Clementino José Furtado, Quelé, deu seus primeiros passos na história do cangaço como “inspetor de Quarteirão” espécie de autoridade policial comissionada que para exercer tal função, o sujeito tinha de ser um “homem das armas”; assim Clementino fez valer sua autoridade matando dois ladrões de cavalos; mas os ladrões mortos eram de famílias importantes, demandando daí perseguições e mandado de prisão.

Procurado pela polícia, certo dia de feira Quelé se encontrava na vila de Santa Cruz da Baixa Verde onde pôs-se a beber numa bodega quando percebe a chegada de uma volante. Ele e um seu companheiro chamado Cícero Fonseca trocaram tiros com os soldados e este amigo foi morto.
Durante o tiroteio Quelé recebe ajuda e reforço de familiares, diante da situação difícil e da inferioridade numérica, Quelé abandona a luta e foge para o vizinho estado da Paraíba cuja divisa encontra-se a poucas léguas da sede da vila de Santa Cruz.
Refugiado na Paraíba, Quelé encontrou-se com o bando de Lampião acampado nas terras de seu coiteiro poderosíssimo, o coronel Marcolino Pereira Diniz, cunhado e sobrinho do coronel José Pereira Lima, chefe político de Princesa. Sabendo da enrascada em que Quelé se metera, Lampião convidou-o a ingressar no seu bando e, pouco tempo depois de cair no cangaço, já comandava seu próprio subgrupo.
Clementino é descrito como um homem forte, de tez acentuadamente branca, que realmente ficava com a pele vermelha quando tinha raiva e esta teria sido a razão de Lampião apelidá-lo de “Tamanduá Vermelho”.
Mas em 1922 Quelé viu-se diante de uma contenda com o seu chefe o que resultou num racha grande. Como costumava ocorrer nestas ocasiões, os que se viam em conflito aberto com Lampião ou com um dos seus cangaceiros procuravam abrigo junto às fileiras das forças volantes.
E foi o que Clementino Quelé fez entre 1922 e 24. Deixou Pernambuco e ingressou na polícia paraibana como “cachimbo” denominação dos “contratados”, mas pouco tempo depois, em 1925, é alistado como sargento, exatamente por bravura nos combates com o ex-amigo e por ingerência política do coronel Zé Pereira, de Princesa Isabel(PB).
Mas como se deu esse racha entre Lampião e Clementino Quelé?
Ele mesmo relatava, cinco anos depois desse desentendimento com Lampião, ter travado mais de 20 combates contra o antigo chefe, que o cancioneiro popular imortalizou nos versos.
“Lampião diz que é valente/É mentira: é corredor/Está andando de muleta/ Seu Quelé foi quem botou”.
Clementino Quelé entrou no cangaço perseguido pela polícia e saiu do bando de Lampião por desavenças com o cangaceiro Meia Noite. Há relatos que os dois saíram no braço. Tendo Lampião apartado a briga e tomado partido ao lado de Meia Noite.
Subchefe de grupo, Meia Noite era negro; Quelé teve uma reação racista, atitude muito comum nos sertões nordestinos até os dias atuais.
- Lampião teria dado mais valor a um negro do que a ele”, reclamava.
Sentindo-se rebaixado, Quelé abandonou o grupo e ficou marcado como inimigo por Virgulino. Pouco tempo se passou desta desavença entre Meia Noite e Quelé, o capitão Virgulino, apoiado pelo fazendeiro Marcolino Diniz, filho do coronel Marçal, vai para Santa Cruz da Baixa Verde com o objetivo de matar Clementino e toda família. Este encontro ocorreu no dia 5 de janeiro de 1924, um sábado. No cerco à casa do ex-amigo e ex-cangaceiro, Lampião bradava:
- “Da família de Quelé, hoje só se salva quem avoa”. “E hoje eu vou beber o sangue de todo mundo! Derrubem e queimem tudo”, era a voz de comando de Lampião.
- “Se derribar e entrar um, nóis mata na faca”, respondia Quelé dentro de casa, onde estava bem municiado. De forma destemida, Clementino xingava Lampião e cantava ao mesmo tempo.
Durante tiroteio de mais de cinco horas, Clementino ainda encorajava seus companheiros de armas cantando, a ponto de mandar tocar harmônica em volta dos parentes e companheiros mortos dentro de casa.
- Se atreva, num esmoreça não, Virgulino! Vivo hoje daqui você não sai! Repetia Quelé.
De repente, Lampião suspendeu fogo e o cerco retirando-se mediante a chegada de outra volante em socorro de Clementino Quelé. Além destes seis parentes mortos em combate, mais cinco amigos do valente Quelé pagaram com a vida e outras pessoas ligadas a ele ficaram feridas.
Com essa trajetória de encarniçados combates contra Lampião, na Revolta de Princesa, em 1930, Clementino Quelé vira manchetes no Jornal do Commércio em função do seu papel e desempenho como cabecilha do Batalhão Provisório organizado pelo então presidente da Paraíba, João Pessoa, na Guerra de Princesa. A reputação de Clementino o precedia, o homem era notícia recorrentemente pelo fato de ter sido cabra de Lampião e, agora, na Revolta de Princesa, era legalista, combatendo cangaceiros e coronéis revoltosos que não gostavam de pagar impostos.
Na Paraíba, região de Princesa, Clementino Quelé segue reverenciado por sua capacidade de guerrear. O sertanejo que fora cangaceiro e polícia. Àquele que impôs a Lampião os maiores apertos. Mesmo com toda coragem e capacidade para caçar cangaceiros, Quelé permaneceu sargento PM; tendo ingressado na corporação em junho de 1925, e reformado como sargento em outubro de 1940. Analfabeto, jamais recebeu uma promoção na carreira, tornando-se delegado de polícia.
Quelé morreu já idoso na Paraíba, na cidade de Prata, próximo ao município de Monteiro, onde foi delegado.
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Fonte: “Lampião, Memórias de um Soldado de Volante”, Vol. I. De João Gomes de Lira.
“Apagando Lampião”, de Frederico Pernambucano de Melo.

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