Os Quintos dos Infernos - Parte I Por:Rostand Medeiros



Rostand Medeiros, Severo e Múcio Procópio

A História do Combate Entre o Cangaceiro Moita Braba e o Alferes Cascudo.

Em 1889, após a proclamação do regime republicano, o Rio Grande do Norte teve aclamado como seu primeiro governador o médico e jornalista Pedro Velho de Albuquerque Maranhão (foto ao lado), onde o mesmo passou apenas 19 dias à frente desta função. Este foi surpreendido com a nomeação do bacharel Adolfo Afonso da Silva Gordo para chefe do executivo potiguar e teve de deixar o governo. Seguiu-se um período de instabilidade política, muito prejudicial ao desenvolvimento do estado. Sucederam a Pedro Velho oito governadores e uma junta governativa durante dois anos e três meses, até que este retorna ao poder, eleito pelo Congresso do Estado em 22 de fevereiro de 1892. Este novo governo representou o fim da instabilidade política, consolidando o regime republicano no Rio Grande do Norte e cr iando as bases para Pedro Velho dar iniciar a atuação da oligarquia Albuquerque Maranhão.


Pedro Velho de Albuquerque Maranhão

Em meio a toda esta efervescência, com esta alternância de lideranças no executivo estadual, alguns setores políticos do Rio Grande do Norte, buscando ampliar, ou ocupar espaços nas cidades do interior, passaram a agir de forma agressiva contra seus adversários na luta pelo poder, chegando a casos de práticas de violências contra seus opositores, a terem sob suas ordens grupos de cangaceiros. Um destes locais foi à cidade de São Miguel.

A conflituosa cidade na serra

A região onde se localiza a cidade potiguar de São Miguel, antigamente conhecida como vila de São Miguel de Pau dos Ferros, está fincada no alto da serra do mesmo nome. A evolução política tem início em junho de 1859, quando a cidade passa a ter um Distrito de Paz, e chega a município com a Lei estadual n° 776, de 11 de dezembro de 1876, desmembrando-se de Pau dos Ferros. A cidade e a região sempre foram marcadas por inúmeros casos que estiveram envoltos em violência e sangue. Na história do lugar não faltaram exemplos de assassinatos por questões políticas, lutas pela posse de terras, uso de pistoleiros abatendo inimigos em tocaias e ataques de cangaceiros. Várias são as razões para explicar a ocorrência de conflitos no alto da serra. Entre estes podemos citar a luta pela posse das terras férteis, que umedecidas pela altitude elevada, facilita o desenvolvimento de uma produção agrícola em épocas de seca e conseqüentemente a ganância dos latifundiários. (1)

Outro ponto a ser levado em consideração está associado à localização geográfica de São Miguel. Estando posicionada entre três estados, esta cidade sempre foi um local de passagem de forasteiros, de boa ou má índole. Para aqueles que tinham contas com a justiça, à região possuía inúmeros locais de difícil acessibilidade, proporcionando a existência de diversos esconderijos naturais. Outro facilitador para ocorrência destes casos está relacionado à distância de quinhentos e trinta e quatro quilômetros que separam esta cidade da capital do estado, Natal, e das autoridades constituídas.


No mapa, o extremo oeste do Rio Grande do Norte

Quem mais se beneficiou com esta situação foram os coronéis locais, que sem maiores esforços, conseguiam contratar farta “mão de obra especializada” composta de homens violentos, que “há muito estavam debaixo do cangaço”. Formando verdadeiras milícias, fortemente armadas, mostrando aos inimigos a força de determinada facção e deixando a população em permanente clima de terror. Várias fontes oficiais teceram comentários sobre os problemas ligados à violência na região. Em 1853, o então Presidente da Província do Rio Grande do Norte, Antônio Francisco Pereira de Carvalho, comenta que “Esta província, confinando com a do Ceará e Paraíba, em longa extensão e lugares, por onde se desfilam algumas serras, é o valhacouto de quantos malfeitores há no seu li mite, principalmente as de Luis Gomes e São Miguel” (2).

Já outro antigo dirigente potiguar, Olynto José Meira, na sua Mensagem de 1863, ao justificar a designação de um delegado para impor a ordem na região, declarou que “a comarca de Pau dos Ferros, limítrofe com as províncias da Paraíba e do Ceará, um dos menos ordeiros, ou talvez o mais turbulento de toda província, aonde desde longa data sei que os furtos de cavalos, as ofensas físicas e os assassinatos tem sido praticados quase em larga escala” (3).

Valentia

A situação em São Miguel e região eram tão peculiares que em algumas ocasiões, os fortes do lugar se sentiam tão poderosos no alto da serra, que chegavam a criar tremendos embaraços para as autoridades constituídas. Como exemplo, podemos comentar sobre a controversa figura de Francisco Moreira de Carvalho, comandante do Partido Conservador em São Miguel. Notícias dão conta que desde 1868, Carvalho havia praticado, ou influenciado os seus correligionários a agir de forma arbitrária e violenta contra os integrantes do Partido Liberal na região. Ele foi julgado e condenado por homicídio, mas devido a sua posição e ligações políticas, estava livre e protegido pelos outros poderosos locais. Em 1874, o então presidente da província, João Capistrano Bandeira de Mello Filho, conhecido como “Doutor Bandeirinha”, ordenou um basta à situação e mandou prender o alferes. Em sua “Fala” a Assembléia Legislativa, o presidente teceu fartos elogios ao 2º sargento José Paz da Silva Banda, pela detenção do alferes (4).

Mas se Carvalho realmente foi preso, passou pouco tempo, pois durante a grande o período da chamada “seca de 77” (entre os anos de 1876 e 1879), mais precisamente em 27 de janeiro de 1879, vamos encontrá-lo à frente de um grupo de moradores de São Miguel, na cidade de Areia Branca, para reivindicar a entrega de gêneros alimentícios aos flagelados da sua região. Ao chegar à cidade salineira, o líder dos flagelados busca as autoridades, mas os gêneros alimentícios não são entregues. Entretanto ele toma conhecimento que em um depósito de mercadorias do governo havia alimentos em abundância e que certas pessoas estavam desviando o que lhe fora prometido. Liderando um grupo de retirantes, Carvalho incita uma revolta, sendo necessário à vinda de uma força policial com q uarenta militares de Mossoró e dezenas de civis fortemente armados. Houve enfrentamento e derramamento de sangue, deixando um saldo de vinte mortos e inúmeros feridos. Entre as vítimas estava o delegado de Mossoró, Manuel Rodrigues Pessoa, além de alguns soldados e o maior número de vítimas foi registrado no lado dos mais necessitados. O então presidente da Província do Rio Grande do Norte, Eliseu de Souza Martins, enviou para Areia Branca o Chefe de Polícia, Joaquim Tavares da Costa Miranda, com uma tropa formada por cem policiais e assim foi possível controlar a situação.


Se para alguns a figura de Francisco Moreira de Carvalho é de um déspota, autoritário, um marginal que zombava das autoridades com a sua impunidade, para muitos outros ele era tido como um herói. O escritor Raimundo Nonato, sem citar fontes, informa que antes do episódio sangrento em Areia Branca, ainda durante o período da Guerra do Paraguai, Carvalho arregimentou sessenta filhos da serra de São Miguel para combaterem o ditador Solano Lopez. Ele mesmo teria se oferecido para lutar em terras paraguaias e por esta razão recebeu do império o título de “alferes”. Ainda segundo Raimundo Nonato, outra boa ação do alferes Carvalho foi ele ter sido um entusiasta abolicionista na região, apoiando os surtos libertários ocorridos no Ceará e Rio Grande do Norte em 1883 (5).

O alto da serra sempre se caracterizou por produzir valentes, que em situações extremas realizaram ações que marcaram época e chegaram até nossos dias, não como relatos de frios assassinatos, mas quase como lembranças de antigas gestas medievais. É Câmara Cascudo quem comenta, sem especificar a data, nem a razão, que certo pistoleiro de nome José Brasil, matou e esquartejou em vários pedaços José Francisco de Carvalho, o rico proprietário do sítio “Potó” e depois fugiu. O filho do falecido, Antonio Monteiro de Carvalho, sem coragem para perseguir o assassino, utilizou um artifício verdadeiramente interessante para “lavar a honra”. Ele procurou Manoel Joaquim de Amorim para resolver a situação. Amorim, um dos valentes de São Miguel, era apaixonado pela filh a do falecido fazendeiro, mas aparentemente não tinha muitas esperanças de seus desejos de união com a jovem serem realizados. Monteiro de Carvalho sabendo desta situação propôs ao esperançoso Amorim que se este prendesse a João Brasil, teria a honra de desposar sua irmã.

Segundo Cascudo, Amorim saiu então “pelo oco do mundo”, “com uma determinação que impulsiona os apaixonados”. Acabou por prender o assassino, segundo uma versão em Pedras de Fogo, na Paraíba e segundo outra, na cidade pernambucana de Goiana. O certo é que Amorim, coberto com a glória dos valentes, trouxe o matador a São Miguel. Houve festas e danças pela captura do sicário, que assistia a tudo amarrado em um tronco. Com o dia amanhecendo um grupo levou José Brasil para uma pedra chata, perto da capela do padroeiro São Miguel. O assassino então pede um padre para se confessar, mas rispidamente Antonio Carvalho nega, alegando a Brasil que ele “não deu confessor a meu pai!”, e fuzila sumariamente o matador diante de numerosa platéia. A promessa a Amorim é cumprida e este se casa com Anna Fausta de Carvalho (6).

Continua...

1 - O ponto culminante do Rio Grande do Norte, a Serra de São José, com 831 metros de altitude está localizado entre os atuais municípios de Luiz Gomes, São Miguel e Venha Ver. Segundo o Anuário Estatístico do Rio Grande do Norte, edição 2004 e publicado pelo IDEMA - Instituto de Desenvolvimento Econômico e Meio Ambiente do Rio Grande do Norte.


2 - Ver a Mensagem do Presidente da Província do Rio Grande do Norte, Antônio Francisco Pereira de Carvalho, 1853, pág. 04.

3 - Ver a Mensagem do Presidente da Província do Rio Grande do Norte, Olynto José Meira, 1863, págs 58 e 59. Por esta época, o então município de São Miguel tinha a sua comarca baseada no vizinho município de Pau dos Ferros.

4 - Ver a Mensagem do Presidente da Província do Rio Grande do Norte, João Capistrano Bandeira de Mello Filho, 1874, pág. 12. Sobre a passagem do “Doutor Bandeirinha” como chefe do executivo potiguar, ver Cascudo, Luis da Câmara. “História do Rio Grande do Norte”, MEC, 1955, pág.182.

5 - Sobre o conflito em Areia Branca ler a Mensagem do Presidente da Província do Rio Grande do Norte, Rodrigo Lobato Marcondes Machado, 1879, pág. 4. Outra fonte é a Dissertação de Mestrado em Meio Ambiente, apresentada pelo Bacharel em História, Francisco José Pereira da Silva, da UERN - Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Sobre a participação de Francisco Moreira de Carvalho na Guerra do Paraguai e no apoio a luta abolicionista na região, ver Nonato, Raimundo. “Os revoltosos em São Miguel (1926)”. Rio de Janeiro, Ed. Pongetti, 1966, págs. 19 e 22.

6 - Ver o jornal “A Republica”, edição de 31 de agosto de 1934, pág. 01. Câmara Cascudo visitou São Miguel no mesmo ano da publicação desta reportagem, quando percorreu várias cidades do interior potiguar, como participante da comitiva do Interventor Mario Câmara, que realizava esta viagem com o intuito de inaugurar obras realizadas em sua gestão. Como resultado desta viagem, Cascudo escreveu o livro “Viajando o Sertão”, mas não comenta nada sobre sua visita a São Miguel. Esta interessante reportagem aponta outras valiosas informações sobre esta cidade serrana.

NOTA DO CARIRI CANGAÇO: Esta postagem estará sendo complementada em breve com as partes II e III, de autoria do confrade pesquisador e escritor Rostand Medeiros, presença também confirmada no Cariri Cangaço 2010.


4 comentários:

Honório de Medeiros disse...

Parabéns ao grande Rostand Medeiros. Um grande pesquisador. Historiador de mão-cheia. Talentoso e sério.

www.honoriodemedeiros.blogspot.com

Helio disse...

Historiador Rostand Medeiros, seu texto, extremamente bem abalisado com certeza prenderá atenção de todos quanto gostam da história de nosso nordeste. No Ceará não foi muito diferente do RN.

Abraços,
Professor Mario Helio

Anônimo disse...

Parabéns pelo belíssimo trabalho de pesquisa.

Apenas para ilustrar:"Para coordenar as ações contra os terríveis efeitos da seca de 77, foi criada pelo Governo Provincial uma Comissão, com sede em Mossoró....Com a verba de Socorros Públicos, a referida Comissão construiu entre outras obras, sob a administração do alferes Francisco Moreira de Carvalho, um pequeno açude, nos arredores da povoação."

O texto acima, foi retirado do livro "AREIA BRANCA A Terra e A Gente" de Deífilo Gurgel.

O que me chama a atenção é que Carvalho antes de comandar a revolta, é escolhido por comissão do próprio Governo para administrar obras públicas. Realmente o homem era um figura controversa.

Assis Nascimento - Mossoró(RN)

Anônimo disse...

Caro Rostand:

Parabéns pelo maravilhoso texto e pelo resgate da figura do Alferes Cascudo, meu bisavô.
Quando puder entre em contato conosco.
Um grande abraço
Daliana Cascudo