Alcino Alves Costa
Na verdade o viver cangaceiro, especialmente da mulher, seria mais correto dizer - da menina-moça – aquelas juvenis sertanejas, que num instante de total infelicidade deixou a sua humilde, porém aconchegante residência, abandonando seu lar, deixando seus pais na mais completa agonia e desespero, para seguir a triste vida bandoleira, todas elas inebriadas pela ilusão do cangaço, é um capítulo extraordinário na história cangaceira.
Por que a caboclinha dos cafundós das caatingas, sem nenhum traquejo e nenhuma experiência de vida, se bandeou para o cangaço? Qual foi essa ilusão? Segundo informações abalizadas e confiáveis de um dos grandes rastejadores de cangaceiros, o nosso Aderbal Nogueira, levado por suas diversas e proveitosas entrevistas, gravadas em vídeos, de um número elevado de cangaceiros e cangaceiras, elas atestam com convicção que essa decisão, segundo informes de Sila, Adília e Aristéia não significava a existência de amor entre os cangaceiros e suas parceiras e sim “A ILUSÃO DO CANGAÇO”. Respeito profundamente o trabalho meticuloso e confiável deste querido vaqueiro da história. Aderbal nasceu com o estigma da decência e da dignidade. No entanto, não concordo em nosso companheiro generalizar os casais cangaceiros afirmando que não existia amor entre o homem e a mulher que vivia a vida errante e sofredora do cangaço.
Adília e Sila, em plena caatinga
É certo que Adília dizia de seu sofrimento em relação ao seu viver ao lado de Canário, um homem, segundo as suas palavras, extremamente ciumento, tendo um ciúme doentio de Juriti, portanto a sua vida na companhia de Rocha se tornou um inferno. Mas, é bom que se esclareça que Adília era namorada de Canário bem antes dele ir ser cangaceiro e ela o acompanhou de sua livre e espontânea vontade. Qual o motivo de seu ingresso no cangaço? “ILUSÃO DO CANGAÇO” ou amor?
Quanto a Sila, uma mocinha admirada em Poço Redondo, tida e havida como a melhor dançarina nos bailes e forrós; vivendo na casa de seus padrinhos China e Mariêta, ao lado das filhas deste ilustre casal de Poço Redondo, Dosa e Tila, não tinha nenhuma necessidade de ir para o cangaço para ficar ao lado de Zé Sereno que nem sequer foi seu namorado. Zé Sereno não obrigou ela acompanhá-lo, ela foi porque quis e, esta sim, talvez, pela “ILUSÃO DO CANGAÇO”.
Estes exemplos não significam que não existia amor no cangaço. Existia sim senhor. Existia amor em sua maior profundidade. Eis alguns exemplos: No Congresso sobre o cangaço que aconteceu em Brasília em uma conversa que eu tive com Durvinha, e ela estava ao lado de Moreno, ela me disse toda emocionada que o homem da vida dela, aquele que realmente ela havia amado, teria sido Virgínio. Lembro-me que Moreno balançou a cabeça e disse: “Esse era um homi de verdade”.
Moreno e Durvinha
Em seus inúmeros depoimentos Dadá fazia questão de mostrar ao mundo o seu imenso amor por Corisco, apesar dela ter sido inicialmente estuprada por ele. Zé de Julião, o cangaceiro Cajazeira e sua bela Enedina sentiam um pelo outro um amor profundo. Rosinha, a companheira de Mariano amava loucamente o seu homem. Após a morte de seu companheiro no Cangaleixo, pela volante de Zé Rufino, Rosinha só tinha um desejo na vida: deixar o cangaço e retornar ao seio de sua família e receber o carinho e o amor de seus pais. No entanto, este desejo não foi alcançado em virtude de ter sido assassinada a mando de Lampião que não aceitava a saída de cangaceiro ou cangaceira de seu bando.
Luís Pedro e Neném se amavam profundamente. Após a morte de Neném na fazenda Mocambo, em Sergipe, o seu companheiro que tanto a amava caiu em um desespero total. Em que pese as loucas e ensandecidas versões dando conta de que Maria Bonita traía Lampião, a cristalina verdade era que Maria Bonita amava com todas as forças de seu sentimento o seu notável companheiro.
É evidente que com o passar dos dias, meses e anos, alguns casais, especialmente as mulheres deixaram de amar, ou talvez, desejar o seu homem e dominadas pela volúpia do sexo se apaixonaram e desejaram outros homens, caso de Lídia, a baianinha do Raso da Catarina, que se apaixonou pelo cangaceiro Bem-te-vi, tendo com ele vários encontros amorosos, até ser flagrada pelo “cabra” Coqueiro e assassinada a pauladas por Zé Baiano.
Inacinha
Maria de Pancada era uma mulher de desejos sexuais irrefreáveis, daquelas que um homem não conseguia saciá-la. Portanto, não estava no cangaço apenas pela “ILUSÃO DO CANGAÇO”, mas também para cumprir o seu desejo louco de fazer sexo. A cangaceira Lili também carregou em sua vida a sina do sexo. Após ser companheira de Lavandeira e de Mané Moreno, a caboclinha do Juá, lá na vastidão do Raso da Catarina, se acamaradou com o temido cangaceiro Moita Braba. Mesmo assim, sabendo que seu companheiro era portador de uma periculosidade extremada, Lili não temeu em coabitar com o cangaceiro Pó-Corante. Eis que um dia ao retornar de mais uma razia, ao chegar ao coito, Moita Braba encontrou a sua Lili nos braços de Pó-Corante. O desalmado cangaceiro não pestanejou, puxou sua arma e disparou vários tiros em sua infeliz e traidora companheira, matando-a instantaneamente.
A infidelidade dessas cangaceiras, incluindo também Cristina de Português, e talvez Dulce que traiu Criança após os dois deixarem o cangaço, não significa que não existisse amor entre as outras cangaceiras. Dentro de um universo de pouco mais, pouco menos de 30 mocinhas que seguiram os bandos cangaceiros, apenas essas citadas não respeitaram e traíram os seus companheiros. Todavia, não se tem nenhuma dúvida de que as mocinhas, quase que em sua totalidade, que se jogaram nos braços dos cangaceiros, elas foram por amor e continuaram amando os seus homens.
Quem conhece a história desses casais que embelezaram e humanizaram o cangaço, tem que reconhecer que existia amor e muito amor na vida cangaceira.
Saudações cangaceiras,
Alcino Alves Costa, o Decano
O Caipira de Poço Redondo
Sócio da SBEC e Conselheiro Cariri Cangaço