"Assim procedi, primeiro porque a polícia não podia assistir inactiva a invasão da cidade por faccínoras armados..." (publicado no jornal "A União" de 7 de março de 1930).
No dia 27 de fevereiro de 1930, o "coronel" José Pereira dirigiu ao Sr. Odilon Nicolau a seguinte carta:
"Amigo Odilon Nicolau, o meu abraço. O governo tem feito grande pressão aos eleitores e sei agora que têm sido espancados vários correligionários da Causa Nacional. Como você já deve saber, rompi com o governo de João Pessoa e estou disposto a garantir os nossos amigos, para o que envio vários contingentes.
O meu pessoal não tocará em ninguém, salve se for agredido. Havendo de provocar a intervenção, pois estou disposto a ocupar todos os municípios do Sul do Estado. O mesmo se fará no Norte com outra força comandada por pessoa em evidência no Estado.
Penso ter direito e bem razão em lhe convidar para esta luta, porque as minhas relações com você e sua família, me animam a assim proceder. Não me engane porque a luta está amparada pelos próceres da política nacional. João Pessoa está ilegalmente no governo, logo depois da eleição, dado o movimento, o Governo Federal tomará conhecimento dos atos absurdos e inconstitucionais praticados por ele.
Venha e não se receie. Do velho amigo,
José Pereira Lima. Princesa, 27 de fevereiro de 1930".
Casa do Cel José Pereira em Princesa na década de 30
A polícia do Estado ocupa Texeira-Pb., sob o comando dos capitães João da Costa e Irineu Rangel. No mesmo dia parte das tropas do "coronel" José Pereira segue para Teixeira e trava o primeiro combate da chamada guerra de Princesa.
O "coronel" José Pereira tinha armas em quantidade recebidas do próprio governo estadual, em gestões anteriores, para enfrentar o bando de Lampião e mais tarde a Coluna Prestes.
O Governo do Estado não conseguiu invadir Princesa, apesar do Quartel General da Polícia Militar, em Piancó-Pb, ter planejado e executado o cerco na região.
No dia 24 de março de 1930, 150 homens enviados pelo chefe princesense lutaram 10 horas e conseguiram expulsar os invasores e libertar os prisioneiros.
Com o rompimento oficial do "coronel" José Pereira em 22 de fevereiro de 1930 no município de Princesa, a justiça deixou de funcionar, as aulas foram interrompidas e foi suspensa a arrecadação de impostos.
No dia 14 de março de 1930, o "Jornal do Commércio" do Recife publicava o manifesto do "coronel" José Pereira ao povo brasileiro.
O presidente João Pessoa, com a finalidade de municiar a política do Estado, pede ao Ministro da Guerra, Nestor Passos, "autorização para importar da França, cem mil cartuchos, para fuzil Mauzer", em 8 de abril de 1930. A autorização foi negada.
O Governo do Estado prepara o golpe que supunha fatal e envia à Princesa duzentos e vinte homens em doze caminhões e farta munição sob o comando do tenente Francisco Genésio, e, pasmem, para espanto dos leigos e estrategistas, um feiticeiro que "benzia a estrada, a cada parada, dizendo:
'Vamos pegar Zé Pereira à unha!'.
Os soldados sentiam-se mais protegidos e aplaudiam com entusiasmo o novo protetor, pois com ele estariam imunes às balas. Não foi o que aconteceu. Ao chegarem ao povoado de Água Branca, no dia 5 de junho de 1930*, foram recebidos à bala, numa emboscada fulminante (...). O primeiro a ser atingido, com um tiro na testa, foi o feiticeiro"**. Os caminhões foram queimados; quem não conseguiu fugir, morreu; inclusive o tenente Francisco Genésio(...). Mais de cem mortos e quarenta feridos.
Com a assinatura do deputado estadual e chefe dos revoltosos, "coronel" José Pereira, do Prefeito Municipal, José Frazão de Medeiros Lima, do presidente da câmara dos vereadores, Manoel Rodrigues Sinhô e do vereador Antônio Cordeiro Florentino, foi publicada na primeira página do "JORNAL DE PRINCEZA", do dia 21 de junho de 1930, o Decreto n.º 01, proclamando autonomia político-administrativa em relação ao governo Estadual, porém subordinado politicamente ao poder político federal, cujo texto transcrevemos a seguir:
"Decreta e proclama provisoriamente a independência do município de Princesa, separada do Estado da Paraíba, e estabelece a forma pela qual deve ele se reger. A administração provisória do Território de Princesa, instituída por aclamação popular, decreta e proclama a Resolução seguinte:
ART. I - Fica decretada e proclamada provisoriamente a independência do município de Princesa, deixando o mesmo de fazer parte do Estado da Paraíba, do qual está separado desde 28 de fevereiro do corrente ano.
ART. II - Passa o município de Princesa, constituir com seus limites atuais, um território livre que terá a denominação de Território de Princesa.
ART. III - O Território de Princesa assim constituído permanece subordinado politicamente ao poder público federal, conforme se acha estabelecido na Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil.
ART. IV - Enquanto pelos meios populares não se fizer a sua organização legal, será o Território regido pela administração provisória do mesmo território. Cidade de Princesa, em 09 de junho de 1930".
O texto, na íntegra, foi lido no expediente do Senado, no dia 13 de junho do mesmo ano, pelo Senador Melo Viana, e na Câmara Federal o Dep. paraibano Flávio Ribeiro Coutinho exibia um exemplar
do "JORNAL DE PRINCEZA".
No dia 18 de junho de 1930, o jornal da capital paraibana
"A União", publicava:
"... Para Clovis Bevilcqua, como para Paulo Lacerda, como para todos os jurisconsultos pátrios que se hão manifestado sobre o caso, o desmembramento de um território ou parte de um Estado é contrário ao texto da Constituição Federal, por isso que esta, em seu artigo 4º, se refere a Estados e ao modo porque podem subdividir-se, annexar-se, a outros ou formar novos Estados, desmembramento que, além disso, só se pode admitir por acto administrativo.
Donde se infere, pela licção dos dois insignes mestres, que a constituição de Princesa em território livre ou autônomo não passa, como disse Paulo de Lacerda, em tom faceto, de uma verdadeira patusca".
Princesa ganhou projeção nacional e internacional. Tinha suas próprias leis, seu hino, sua bandeira, seu jornal, seus ministros e seu exército. Até Lampião, foi convidado pelo delegado de polícia de Piancó, para lutar contra os revoltosos de Princesa, e, o conceituado órgão da imprensa norte-americana, TIME, dedicou uma longa matéria a respeito do Território Livre de Princesa.
No dia 6 de junho de 1930 o Governo do Estado tentou nova investida contra a cidade rebelde. Enviou do Quartel General da Polícia Militar, em Piancó, um avião pilotado pelo italiano Peroni, com a missão de lançar panfletos, concitando o povo a abandonar a luta, senão a cidade seria bombardeada dentro de 24 horas. O panfleto trazia a seguinte mensagem:
"O governo da Paraíba intima-vos a entregar as vossas armas. Vossas vidas serão garantidas, dando o governo liberdade aos que não respondem por outros crimes. Convém ouvir a palavra do governo. Deveis apresentar-vos aos nossos oficiais. Dentro de 24 horas Princesa será bombardeada pelos aeroplanos da polícia e tudo será arrasado. Evitai o vosso sacrifício inútil. Ainda é tempo de salvar-vos. Não vos enganeis; vossos chefes estão inteiramente perdidos".
O bombardeio não veio. A missão falhou.
Marcolino Diniz e tropa por ocasião da Revolta de Princesa
Com data de 22 de maio de 1930, o jornal do governo
"A União" publicava:
"As deserções entre os ladrões e assassinos do traidor José Pereira aumentam diariamente, principalmente agora que elles já sabem que o reducto central do seu chefe poderá ser transformado em um montão de ruínas, dentro de poucos minutos pela esquadrilha aérea da Força Pública" .
E como resposta a ameaça de Princesa ser bombardeada, veio a reação do "coronel" José Pereira, que continuava dono da situação, e, com suas colunas de guerrilheiros fustigava várias cidades do Estado da Paraíba, na tentativa de atemorizar as tropas da polícia.
Mas a luta perde sua razão de ser. O "coronel" José Pereira queria afastar o presidente João Pessoa do governo, porém, o advogado João Duarte Dantas, por motivos pessoais/políticos, assassinou o presidente do Estado da Paraíba, na confeitaria Glória, no Recife, às 17 horas do dia 26 de julho de 1930.
Com a morte do presidente João Pessoa, o movimento armado de Princesa tomou novo rumo. "(...) os homens de José Pereira comemoraram a vitória, mas o 'coronel', pensativo, disse: 'Perdemos...! Perdi o gosto da luta'. Já prevendo os acontecimentos futuros, decorrentes da morte do governador, falou: 'Os ânimos agora vão se acirrar contra mim'. Os paraibanos ficaram chocados com o assassinato de João Pessoa (a partir daí criou-se todo um mito), e, em retaliação, perseguiram e incendiaram as casas dos perrepistas na capital".
O Presidente da República, Washington Luiz, decidiu terminar com a Revolta de Princesa e o "coronel" José Pereira não ofereceu resistência, conforme acordo prévio, quando seiscentos soldados do 19º e 21º Batalhão de Caçadores do Exército, comandados pelo Capitão João Facó, ocuparam a cidade em 11 de agosto de 1930.
José Pereira deixa a cidade no dia 5 de outubro de 1930. Depois de anistiado, em 1934, foi residir na fazenda "Abóboras" em Serra Talhada.
No dia 29 de outubro de 1930, a Polícia Estadual, que não conseguira vencer a insurreição durante a luta, ocupa a cidade de Princesa com trezentos e sessenta soldados comandados pelo Capitão Emerson Benjamim, passando a perseguir os que lutaram para defender a cidade ameaçada, humilhando e torturando os que foram presos sem direito a defesa. Uma triste condecoração para os rudes sertanejos que com bravura participaram de uma luta improvisada, e que teve um balanço final, aproximadamente, de seiscentos mortos.* grifos meus (do autor)