E o Cangaço de Sinho Pereira ?!



Água Branca, cidade importante na história de cangaço. Palco da primeira ação de Lampião como chefe de um bando. Terra natal de Corisco, recebe no próximo mês de Julho, uma ousada edição do Cariri Cangaço. Dia 29 de julho de 2016, dentro da programação do Cariri Cangaço Piranhas 2016; as visitas à Casa da Baronesa e à fazenda de Ulisses Luna, serão ponto alto do evento. Por falar em Água Branca, assalto à casa da Baronesa, Lampião e Corisco, vamos reproduzir o profícuo debate entre pesquisadores sobre o cangaço do grande Sinho Pereira, único chefe de Virgulino Ferreira.

Sinhô Pereira e Luiz Padre



Com  a palavra o pesquisador Geziel Moura: "Por ocasião do assalto em Água Branca (AL) Lampião, ainda, estava sob ordem de Sinhô Pereira, é certo que ele comandou o bando, neste assalto, mas Pereira, ainda não havia se retirado para Goiás, hoje estado de Tocantins. Outros autores, apontam este caso, como o primeiro de Lampião, como comandante. Para pensar um pouco mais sobre o assalto em Água Branca e a Chefia de Lampião: Segundo o escritor José Bezerra Lima Irmão em sua obra "Lampião, a raposa das caatingas" na pág 116 - Sinhô Pereira após reunião com familiares,reuniu com a cabroeira, no dia 08.08.1922, passando efetivamente o comando do bando para Lampião, sendo que no dia 22.08.1922, Pereira segue para o então, estado de Goiás. Diversas são as datas apontadas, pelos autores e jornais, para o assalto da Baronesa de Água Branca, considerando o Diário de Pernambuco, cuja publicação informa que a data foi em 28.06.1922. Portanto, penso que na ocasião do assalto e utilizando um jargão do meio jurídico, Virgolino era um chefe de fato e não de direito.Em tempo: segundo o autor alagoano Clerisvaldo Chagas o dia do assalto foi 26.06.1922 sendo acompanhado do mesmo entendimento, por Geraldo Ferraz e Jose Bezerra Lima Irmão"

Narciso Dias, Geziel Moura, Jorge Remígio e Jair Tavares no Cariri Cangaço


O pesquisador e escritor Edvaldo Feitosa, um dos responsaveis pelo Cariri Cangaço em Água Branca comenta, " a questão de data e ano distorce muito as informações. A data que apresento no recente livro que lancei, "Água Branca História e Memória, é 26 de Junho de 1922."



Conselheiro Cariri Cangaço e sócio do GPEC, Jorge Remígio, esclarece: "O cangaço de Luis Padre e Sinhô Pereira, tinha a característica de vingança. Qualquer modalidade de cangaço, utilizando a nomenclatura de Frederico Pernambucano, "vingança, refúgio e meio de vida", carecia de um apoio logístico. Era fundamental uma mínima estrutura. Sinhô Pereira só encampou o seu cangaço por quase seis anos, graças ao apoio e amizade com o major Zé Inácio. Fundamental para a sua atividade cangaceira. O bando constituído por Sinhô e Luís Padre, não era suprido com produto de rapina. Além do major Zé Inácio do Barro, teve ajuda financeira do coronel Manoel Pereira Lins(Né da Carnaúba), de Isidoro Conrado e principalmente do coronel Antônio Andrelino Pereira da Silva. Este perdeu toda sua riqueza."

"O coito e proteção no Barro-CE era fundamental. Com a perda de prestígio do major Zé Inácio, sua prisão em março de 1922 e logo em seguida ter que migrar para Goiás, inviabilizou totalmente o cangaço de Sinhô. Seus objetivos ficaram distante de serem concretizados. O pedido de ajuda para o grande comerciante de Belmonte, Luiz Gonzaga Ferraz, mostra a mudança de atitude do chefe do bando. Temos que observar também, que Sinhô devia satisfações à família. Quando a família do parente Ioiô Maroto foi ultrajada pela tropa do tenente Pelegrino em maio daquele ano, Sinhô já estava ou não mais comandava o grupo de cangaceiros. Este por já se encontrar em fazendas de familiares, liberou o grupo na chefia de Lampião. Como o objetivo vingança não cabia mais na realidade do grupo, esse passou automaticamente a exercer um cangaço de negócio. No meu entender, quando do ataque de Lampião à cidade de Água Branca-AL em 26/06/1922, Lampião já era o chefe inconteste. A passagem do bando para ele por Sinhô em agosto, é mais um fato simbólico. Veja que o produto do saque à casa da Baronesa, ficou todo com o novo chefe da quadrilha. A ajuda que Sinhô teve para viajar para Goiás, foi doada pelos parentes Isidoro Conrado e Né da Carnaúba."

Major Zé Inácio, do Barro em foto do acervo de Sousa Neto

E contonua Remígio:"Um bando que tem como característica o cangaço meio de vida, que faz da sua atividade um "comércio", ele comete os crimes de roubo, extorsão, sequestro, sucessivamente. É uma prática rotineira. O produto dos saques, é justamente a fonte pagadora. Em alusão ao grupo de Sinhô Pereira, o que eu tenho conhecimento de fatos que fugiram ao objetivo principal, que era a vingança, foram o assalto à casa de Dona Praxedes, viúva do Cel. Domingos Leite Furtado, declaradamente a mando do Major José Inácio, o qual administrou a fazenda do coronel por vários anos, e declarou que estava mandando pegar o que era dele. Este fato ocorreu em 20/01/1919. Exatamente um ano depois, em 20/01/1920, o bando assaltou a fazenda do Cel. Basílio Gomes da silva, no Município de Brejo Santo. Ação também do interesse do Major Zé Inácio.

Visita do Cariri Cangaço ao Coité de Padre Lacerda

Dois anos depois, em 19/01/1922, por razões de contendas políticas, Zé Inácio manda seus seus homens, em conjunto com o bando de Sinhô Pereira, já com a presença dos irmãos Ferreira, até a Vila do Coité, para exterminarem a vida do Padre Lacerda. O qual registou bravamente. O interesse aí não era financeiro. A partir desse episódio de grande repercussão, o major sente perfeitamente que os tempos são outros e que não goza mais das "imunidades" recorrentes. A incursão á Paraíba logo em seguida, com o objetivo de pilhagem, sedo escolhida as fazendas de Waldivino Lobo, Adolfo Mais e Rochael Mais (a fazenda deste não chegou a ser assaltada), a meu ver, foi com o objetivo de acumular dinheiro para migração do Major José Inácio para São José do Duro em Goiás, onde vivia o amigo Luís Padre.

Para essa empreitada, além dos homens de Zé Inácio e o bando comandado por Sinhô, ainda foi convidado a participar, o famoso cangaceiro Ulisses Liberato de Alencar, o qual comandava um pequeno grupo. Figura nos autos do inquérito policial, declarações de Ulisses Liberato, afirmando este que recebeu duzentos mil réis pela participação e que o dinheiro produto dos saques, foram entregues ao Major José Inácio. Então companheiro, considero ações pontuais. Uma vez que o cangaço de Sinhô vingou por quase seis anos e se este dependesse da rapina e pilhagem para sustentar o bando, as ações dessa modalidade seriam corriqueiras. Agora, como afirmei em texto anterior, "não existe almoço grátis" Claro que o Major cobrou de Sinhô, toda estrutura que dera ao bando, como também a proteção e guarida." finaliza Jorge Remígio.

Visita do Cariri Cangaço a Fazenda do Major Inácio em Barro


Replica Geziel Moura, "pois é Jorge Remígio daí eu ter falado que Lampião era chefe de fato e não de direito, o que não precisaria da passagem de comando, mesma que simbólica, como vc sugere. Em relação a data do assalto, penso que seja o dia 26, mas confesso que queria ler esta data, em algum periódico ou boletim da policia, afinal tantos autores importantes falaram no dia 28, tais como: Chandler, Amaury e Anderson". Já o pesquisador de Pombal, José Tavares arisca: "Caro Jorge Remígio, eu só discordo quando o amigo diz "O bando constituído por Sinhô e Luís Padre, não era suprido com produto de rapina". Entendo que todo ajuda financeira que o bando recebia provinha de assaltos e pilhagens praticadas pelo próprio bando, em conluio com os coroneis coiteiros. Um exemplo bem pratico, foi quando o bando veio assaltar fazendeiros da região de Catolé do Rocha. Inclusive, sabe-se que, no bando, Gavião, filho do Major Ze Inacio, era um especie de fiscal do pai, para que não houvesse desvio produtos dos roubos." 

Manoel Severo, curador do Cariri Cangaço comenta: "Na verdade companheiro Zé Tavares, muito dos recursos que "sustentava" inicialmente o bando de Sinho Pereira vinham da propria estrutura dos Pereira do Pajeu, inicialmente reconhecida família de posses ; entretanto não creio que no meio de seus homens não houvesse quem "rapinasse", talvez tenha sido essa a natureza da colocação do confrade Remígio"

José Tavares e Manoel Severo


Para finalizar; o abalizado comentário do pesquisador  e escritor, Conselheiro Cariri Cangaço, Sousa Neto: "sobre os mantenedores do Bando de Sinho Pereira; as rapinagens acontecidas sob o comando dos Pereira foram ações isoladas e que tiveram a "idealização" do major Zé Inácio do Barro, uma vez que o Cel. Antonio Andrelino já se encontrava financeiramente falido. Era uma mão lavando a outra como se diz aqui no sertão. Dois episódios ficaram evidenciados pelos primos. Um foi o assalto a D. Praxedes no Nazaré comandado por Luiz Padre em 1919 sob a supervisão de Gavião e a outra, o assalto aos Maia em Catolé do Rocha-PB em 1922, comandado por Sinhô Pereira e também sob a supervisão de Gavião (Tiburtino). Se observarmos o inquérito de Ulisses Liberato de Alencar, ele afirma textualmente que foi "convencido" pelo major Zé Inácio, do Barro."  

E continua Sousa Neto:"O colega pesquisador, Gilmar Teixeira defende a tese que Sinhô Pereira ainda estava no comando do bando e não entrou para não ser reconhecido. À razão apresentada por ele é que o estratagema para o assassinato de Delmiro aconteceu naquele local onde os Pereira se fizeram presentes. 
As perguntas que não querem calar: porque Lampião ficou com o produto da rapinagem? e porque nenhum outro cangaceiro nunca mencionou a divisão do saque com Sinhô?".


Cariri Cangaço 
Em Julho: Piranhas e Água Branca


Novo Desafio:Piauí ! Por:Cariri Cangaço

Manoel Severo, Marcos Damasceno e Leandro Cardoso

A noite desta última sexta-feira, dia 22 de abril de 2016, marcou um momento muito importante para todos que fazem o Cariri Cangaço. Tendo como cenário o Blue Tree Hotel Rio Poty e o Restaurante Favorito; em Teresina; Manoel Severo, curador do Cariri Cangaço reuniu vários confrades e confreiras, dentre esses, o Conselheiro Leandro Cardoso, os pesquisadores e escritores, Marcos Damasceno, Wilson Seraine e Luciano Klaus, além da presença feminina, representadas por Ingrid Rebouças, as pesquisadoras, FrancyMary Oliveira, Noádia Costa, Dra Raíssa Fernandes e Gracinalva Albano.

A pauta do encontro, que poderia também ser classificado como uma celebração da grande família Cariri Cangaço piauiense, foi sem dúvidas os primeiros passos para o projeto de levar ao Piauí o empreendimento Cariri Cangaço.

Raissa Fernandes, Noádia Costa, Gracivalda Albano , Francymary Oliveira e Ingrid Rebouças

Para Manoel Severo "o presente encontro, tendo a frente nosso Conselheiro, doutor Leandro Cardoso e o amigo Marcos Damasceno, contando ainda com essa plêiade de amigos, confirmam a grande força do trabalho em equipe, notadamente com um objetivo mais que nobre que será, construir as bases para trazer ao Piauí, nosso evento. Isso nos enche de entusiasmo e honra, mas na verdade contempla um sonho antigo nosso, que agora com a preciosa colaboração de tantos entusiastas, dá seus primeiros passos, isso é fantástico."


"A Realização de um Cariri Cangaço na capital do Piauí,Teresina,  será um marco,  e uma consolidação  na trajetória de sucessivos sucessos comandado por nosso querido Manoel Severo. É um desafio, sem dúvidas. Teresina como a primeira capital do Brasil a sediar um evento de tamanha importância, que sem dúvidas desperta  o interesse por nossa  cultura, trazendo conhecimento.  O cangaço fez parte não apenas da história do Nordeste, mas tbm de todo o Brasil. Sua influência é sentida na moda, culinária, danças e cinema e literatura. Com certeza será um grande evento."

FrancyMary Oliveira

 Cariri Cangaço visita Teresina
 Leandro Cardoso e Wilson Seraine
Luciano Klaus e Marcos Damasceno

Para a pesquisadora Noádia Costa, "O Cariri Cangaço não é apenas um evento de cunho histórico e turístico. É um evento onde laços de amizade são criados e fortalecidos, é a busca da preservação da cultura nordestina e valorização de nossas raízes. A vinda do Cariri Cangaço ao Piauí além da realização de um sonho de alguns estudiosos da temática em nosso Estado, será uma oportunidade de fortalecer o estudo do Cangaço no Piauí. Nosso Estado não será mais o mesmo após a vinda de um evento de grande porte e importância como o Cariri Cangaço. A semente do amor estudo e preservação da cultura nordestina ficará plantada e dará seus frutos."

Já o pesquisador e escritor Marcos Damasceno comenta: " Além de debater o Cangaço, outras discussões entram na programação. Pautas que contemplem as manifestações culturais e históricas ligadas ao contexto histórico-cultural do Piauí. Além de reunir pesquisadores de todo o Brasil, possibilitando o intercâmbio cultural. Um debate da temática, desde a historicidade e identidade, passando pelas questões religiosas, culturais e artísticas." 

E completa Damasceno:"Não podemos esquecer da visão patrimonial e turística, já que o evento também movimenta a economia e o turismo da cidade. Na verdade a história do Cangaço também passa pelo Piauí, que sempre ficou fora desse debate. Acontecimentos, só para exemplificar, que aconteceram em Caracol e em Picos estão relacionados diretamente ao Cangaço; notadamente ao Sinhô Pereira e Lampião. E é por essas histórias não contadas que despertam discussões, que o evento é providencial. É uma oportunidade de a história ser contada por nós mesmos, e possibilitando aos outros um olhar diferente sobre o Piauí”. 

 Wilson Seraine, Manoel Severo e Luciano Klaus
 Raissa Fernandes, Gracivalda Albano, Francimary Oliveira e Noádia Costa
Marcos Damasceno e Manoel Severo

"A ideia é criarmos um ambiente de trabalho e construção de todo o evento, nos  próximos meses, formarmos uma comissão organizadora que estará dedicada em montar todos os passos do projeto, ao lado dessa Curadoria e aí, definido período, cidades, temáticas, parceiros, passar para o quesito operacional, até que cheguemos a 2017, para ver nosso intuito concretizado" finaliza Manoel Severo.

Cariri Cangaço em Teresina
Abri de 2016

Manoel Severo, Cidadão de Piranhas !


Piranhas, Alagoas - Brasil

Existem momentos realmente marcantes em nossas vidas. Uns mais que outros, uns bem mais que outros... Hoje vivo um desses momentos mais que especiais e que estarão guardados em minha memória e em meu coração por todos os tempos. Méritos não sei se os tenho, mas sei o tamanho do bem querer de meus amigos espalhados pelo Brasil... 

Vereador José Cláudio Cacau e Manoel Severo

Para imensa felicidade de minha família e gratidão e honra que não possuem tamanho;
 por proposição do querido amigo 
vereador José Cláudio Pereira - Cacau, 
recebo com a felicidade maior do mundo, o 
TITULO DE CIDADÃO DA CIDADE DE PIRANHAS, 
em Alagoas.
Sem palavras, sem palavras...

Manoel Severo
Curador do Cariri Cangaço

Do Conceito de Cangaço, Cangaceiro e Cangaceirismo Por:Honorio de Medeiros

Arte de Eduardo Lima

É possível que o termo cangaço tenha surgido, realmente, para designar toda a parafernália (conjunto de objetos de uso pessoal; apetrechos, pertences, acessórios) que o sertanejo portava para se deslocar pelo Sertão nordestino desde o início do ciclo do couro até o começo do século XX. Por associação de idéias transplantou-se o termo “canga”, suportado pelo boi, mas constituído por apenas uma peça, para cangaço, suportado pelo homem, mas constituído por várias peças. 

O sertanejo precisava transportar consigo, em seus deslocamentos, quase sempre a pé, vez que animais de transporte eram raros e caros, privilégio de poucos, armas de fogo e armas brancas, as mezinhas, o farnel, o dinheiro, algum papel escrito, as orações, a água, bebida, alguma panela de ferro, material para fazer fogo, artigos de higiene, e por aí vai...

Em “NOTA SOBRE CANGAÇO E CANGACEIRO”[1] Luis da Câmara Cascudo lembra que “Cangaço é a reunião de objetos menores e confusos, utensílio das famílias humildes, mobília de pobre e escravo, informa Domingos Vieira (1872). Troços. Tarecos. Burundangas. Cacarecos. Cangaçada, cangaçaria. Nunca ouvi dizer cangaçais ou cangaceira. (...) Beaurepaire Rohan registra ‘o conjunto de armas que costumam conduzir os valentões (1889)’. É, para mim, a menção mais antiga. Para o sertanejo é o preparo, carrego, aviamento, parafernália do cangaceiro, inseparável e característica, armas, munições, bornais, bisacos com suprimentos, balas, alimentos secos, meizinhas tradicionais, uma muda de roupa, etc.” 

Verdadeira canga, verdadeiro cangaço. 

Ao longo do tempo o bandido rural nômade em grupo do Sertão nordestino do final do século XIX até meados do século XX passou a ser o maior portador dessa parafernália, exigência do seu mister, que lhe obrigava deslocamento permanente e muitas vezes abrupto, em qualquer hora do dia ou da noite. E veio a ser conhecido como cangaceiro aquele que transporta cangaço, aquele que tem cangaço. 

Heitor Feitosa Macêdo, em “ORIGEM DA PALAVRA CANGAÇO”[2], nos diz que “Gustavo Barroso, estudioso incansável do cangaceirismo, foi responsável por arrematar a teoria mais aceita para explicar a origem da palavra cangaço. Segundo o referido autor, a terminologia ‘cangaço’ surgiu do hábito de os antigos bandoleiros se sobrecarregarem de armas, trazendo o bacamarte passado sobre os ombros, à feição de uma canga de jungir bois, por isso dizer que estes indivíduos andavam debaixo do cangaço, isto é, de uma canga metálica, feita de aço. Daí a expressão usada por Euclides, em ‘Os Sertões’, ao dizer que alguns indivíduos: ‘vinham debaixo do cangaço’”. A hipótese de Cascudo, indiscutivelmente, em termos epistemológicos, é mais completa, verossímel. 



O transporte do cangaço, embora nomine o bandido rural nômade em grupo do sertão nordestino do final do século XIX até meados do século XX e seja uma de suas características, não é suficiente, por si só, para identifica-lo, vez que embora com outro nome os gaúchos da fronteira usavam também parafernália própria e semelhante: o peão das vacarias gaúcho usava, à cintura, faixa larga, negra, ou cinturão de bolsas, tipo guaiaca, adaptado para levar moedas, palhas e fumo e, mais tarde, cédulas, relógio e até pistola. Ainda à cintura, as inafastáveis armas desse homem: as boleadeiras, a faca flamenga ou a adaga e, mais raramente, o facão. E sempre à mão, a lança - de peleia ou de trabalho. 

Assim, também, o peão do pantanal. Ou o cawboy americano...

Outras características do cangaceiro, além dessa denominação tão peculiar, são: ser bandido rural, nômade, e viver em grupo no Sertão nordestino desde o final do século XIX até meados do século XX. Bandido, aqui, no sentido de ser inimigo do Estado, da ordem legal vigente, embora algumas vezes contasse com a simpatia de parcela da população nordestina sertaneja.

Quanto ao que seja “bandido”, não é outro o pensamento de Eric Hobsbawn logo no início de “BANDIDOS”[3]: “Assim, o banditismo desafia simultaneamente a ordem econômica, a social e a política, ao desafiar os que têm o poder, a lei e o controle dos recursos. Este é o significado histórico do banditismo nas sociedades com divisões de classe e Estados.”

O cangaceirismo aqui e de agora em diante, para distinguir a atividade cangaceira da parafernália que o cangaceiro portava, foi banditismo rural, mas nem todo banditismo rural foi cangaceirismo. Não apenas rural, termo amplo que engloba tudo quanto não litorâneo, ao qual se vinculam alguns historiadores por não conhecerem a realidade específica desta região, o Sertão, do Nordeste brasileiro. O cangaceirismo foi banditismo sertanejo de grupo.


Eric Hobsbawn

Banditismo nordestino sertanejo de grupo – há bandidos nordestinos de grupo que não são sertanejos, e há bandidos sertanejos de grupo que não são nordestinos – o que rechaça, de pronto, todos quantos não situados naquele tempo específico que vai do final do século dezenove a meados do século vinte e todos quantos não situados naquele espaço específico do Sertão nordestino compreendido entre Bahia e Ceará, entrando pelo Piauí.

Existe, pois, um tempo específico: os bandidos de hoje não são cangaceiros por que, dentre outras, não andam com aquela parafernália já referida, típica do cangaceiro. Lugar específico: os bandidos rurais, mesmo quando em grupo, de outras regiões não eram cangaceiros porque não atuavam no Sertão do Nordeste.

Aqui não é possível concordar com Câmara Cascudo[4]:

“O cangaceiro não é um elemento do Sertão. Não vem da seca, da justiça local, da mestiçagem, da educação, do uso das armas. Existe em todos os países e regiões mais diversas. Na inóspita Mauritânia e na alagada China, nas montanhas da Córsega e nos plainos de França, onde viveu e reinou Mandrin, em São Paulo com Dioguinho e em Portugal com o José do Telhado, nas cidades tentaculares e nas povoações minúsculas, repontam esses tipos de inadaptação, somas de todos os fatores, vértices para onde convergem as grandezas das taras, tendências, ineducações e impulsos.”

Cascudo confunde banditismo com cangaceirismo. Todo cangaceiro foi bandido, mas nem todo bandido foi cangaceiro. Toda orquídea é uma flor, mas nem toda flor é uma orquídea. Percebe-se, do texto, que Cascudo não leu seu Aristóteles...


Câmara Cascudo

Essa falta de precisão, muito encontrada nas ciências ditas sociais, nos leva a equívocos tais quais o de Gustavo Barroso em “À MARGEM DA HISTÓRIA DO CEARÁ”[5], que parece ter inspirado o texto acima de Câmara Cascudo, tamanha sua semelhança:

“Em livro que publiquei há mais de quarenta anos disse: ‘Os bandidos não são produtos exclusivos das terras brasileiras do Nordeste. Em todos os povos, têm existido com denominações diversas. O jagunço não é criminoso por mero acidente do seu caráter; não é criminoso, as mais das vezes, por si próprio. Ele termina uma série de antecedentes os mais variados ou é um elo na seriação de causas as mais diversas.

Dentro dessas linhas gerais deve ser enquadrada historicamente a figura de um dos mais famosos cangaceiros do sertão cearense na segunda metade do Século XIX, o José Antônio do Fechado (...)”.

O título do Capítulo de Barroso é “O SENHOR FEUDAL DO FECHADO”. Não era nômade, não extorquia, não assaltava, não sequestrava... Não era cangaceiro, portanto, embora fosse bandido, andasse em grupo, e fosse sertanejo. É algo basilar na Ciência entender que apreendemos a Realidade encontrando sua “essência”. Melhor: algo que integre a Realidade, como um epifenômeno social tal qual o Cangaceirismo, somente vai ser apreendido, conhecido, quando formos capazes de encontrar sua “essência”, ou seja, sua especificidade, sua singularidade. Sujeitamo-nos, pois, ao pleno domínio do ramo da Filosofia denominado Gnosiologia.


Gustavo Barroso

Para encontrarmos essa essência, característica, ou singularidade, precisamos distinguir para conhecermos. É como nos diz Pascal Ide, em seu “A ARTE DE PENSAR”[6]“Para definir é preciso dividir, distinguir. Com efeito, a definição é um conhecimento distinto do ser de uma coisa; ora, vimos que no ponto de partida, nosso conhecimento é confuso, e não distino. Como passar do confuso ao distinto a não ser distinguindo, ordenando esse confuso? Foi assim que Deus procedeu diante do caos primitivo (Gn 1, v. 2). Ele separa, distingue: a luz das trevas, a terra do céu, etc.”

Questões como essa me levaram a escrever o seguinte texto, que creio caber bem neste contexto: “Em primeiro lugar tratar da questão do que seja ciência, principalmente no que diz respeito a seus enunciados, que para serem considerados verdadeiros, não podem ser refutados uma única vez;

Karl Popper afirma, em “CONJECTURAS E REFUTAÇÕES”[7], que se pode dizer, resumidamente, ser sua capacidade de ser testada que define o status científico de uma teoria. Foi uma evolução significativa à teoria quase consensual, anterior, que a ciência se distingue da pseudociência pelo uso do método empírico, que decorre da observação ou experimentação[8]Este não é o ambiente apropriado para uma discussão crítica acerca da posição de Popper em relação à indução. Basta recordar que ele retoma Hume[9], e sua crítica psicológica à indução, aprofunda essa crítica, em uma perspectiva lógica, e propõe o que passou a se chamar, no jargão acadêmico, de “falsificacionismo”.

Por outro lado, esses enunciados da ciência para se manterem verdadeiros, não podem ser refutados. Uma só afirmação que seja demonstrado, empírica ou matematicamente, como falsa, compromete a teoria. É o respeito à “lei das exclusões das contradições”[10].


Karl Popper

Caso tal lei não seja seguida, chegaríamos à desarticulação completa da ciência[11]Em segundo lugar mostrar somente há uma ciência, ou seja, a tentativa de considerar que as ciências ditas do espírito são ciências é falsa. Em terceiro lugar mostrar que há uma ciência social que usa o método científico impropriamente dito como das ciências naturais e que parte do pressuposto de que fato social é igual a fato natural.

Iniciar, então, a partir dessas premissas e avançar afirmando que um olhar da sociologia acerca do cangaceirismo pode ser ofertado a partir de leis causais do quais ele seja conseqüência (dedução), como é o caso do marxismo ou darwinismo, aqui chamado olhar perspectivo externo, ou a partir da comparação da estrutura interna do fenômeno com outros fenômenos com os quais guarde semelhança estrutural induzindo (indução) uma lei geral.

Demonstrar que no segundo caso não há como propor uma lei geral, vez que não se conhece todos os casos e a semelhança existente é sempre forçada; Ao contrário, ao se partir de uma lei geral é possível encontrar o que de geral há nos específico e propor que tal fenômeno irá se repetir, respeitado o específico, caso aconteçam as mesmas condições que suscitaram o seu surgimento.”


Arte de Anilton Freires

Mas prossigamos. Outra especificidade importante para definir o cangaceirismo é sua circunstância histórica, constituída por elementos próprios do período que vai do final do século XIX para meados do século XX, quais sejam, dentre eles, mas não somente, o coronelismo, e o misticismo. 

Cangaceiros e coronéis nordestinos são indissociáveis e especificam o período no qual conviveram. Cangaceiros e Padre Cícero também o são. Mas seria bom acrescentar, aqui, também, os cantadores de viola, os repentistas, os cordelistas, enfim, os rapsodos que andavam pelas cidades, vilas, povoados, arruados, feiras, disseminando e aureolando os feitos dos cangaceiros, ajudando a construir, no imaginário do sertanejo, o paradigma dessa figura histórica.

Em relação aos Coronéis, Raymundo Faoro[12] faz uma interessante constatação que robustece a opinião antes apresentada acerca de que embora o banditismo rural não seja algo próprio do século XIX/XX, o cangaceirismo, que é um dos tipos desse fenômeno, deve ser definido a partir de suas características que o singularizam: “O fenômeno coronelista não é novo. Nova será sua coloração estadualista e sua emancipação no agrarismo republicano, mais liberto das peias e das dependências econômicas do patrimonialismo centra do Império. O coronel recebe seu nome da Guarda Nacional[13], cujo chefe, do regimento municipal, investia-se daquele posto, devendo a nomeação recair sobre pessoa socialmente qualificada, em regra detentora de riqueza, à medida que se acentua o teor de classe da sociedade. Ao lado do coronel legalmente sagrado prosperou o ‘coronel tradicional’, também chefe político e também senhor dos meios capazes de sustentar o estilo de vida de sua posição.”


Raymundo Faoro

Mas precisamos estar atentos: não se pode confundir cangaceiro com jagunço nem pistoleiro. Os cangaceiros não têm chefes que não sejam de sua própria categoria. Os jagunços subordinam-se a coronéis. O pistoleiro é solitário e trabalha eventualmente para um ou outro. É como nos assevera Frederico Pernambucano de Melo[14]“A segunda figura a ser estudada é a do cabra, também chamado por alguns de capanga ou jagunço, ainda que entre os três tipos haja diferenças que não devem ser ignoradas. Cabra é o homem de armas que possui patrão ou chefe, desempenhando mandados tanto de ordem defensiva quanto ofensiva.”

Não somente banditismo brasileiro nordestino sertanejo de grupo existente entre o final do século XIX e meados do século XX cujos integrantes usam o cangaço - essa parafernália inseparável e característica, como o afirma Luís da Câmara Cascudo.

Mesmo aqui ainda é preciso distinguir para compreender: como disse Fenelon Almeida[15], “os volantes em tudo se pareciam com os cangaceiros.” Os jagunços também. Ambos usavam a parafernália do cangaceiro. Todo cangaceiro a usava, mas nem todo aquele que a usava era cangaceiro. As volantes a usavam, eram nômades e atuavam com o aval do Estado; os jagunços a usavam, não eram nômades e submetiam-se aos coronéis. O cangaceirismo pressupõe a perseguição pelo Governo e a insubmissão, além de outra característica: a existência do coiteiro.


Rangel Alves da Costa

Rangel Alves da Costa diz bem o que é “coiteiro”[16]“Coiteiro era o sertanejo que, mesmo não fazendo parte do bando cangaceiro propriamente dito, compartilhava do seu mundo e de sua existência. Exteriorizava os desejos e as ordens cangaceiras. Servia de elo entre a vida na caatinga e os seus arredores, incluindo pessoas e povoações. Sem o coiteiro, o cangaço não compartilhava do mundo exterior e ficava totalmente vulnerável aos ataques.

Coiteiro era o matuto chamado a colaborar com o cangaço. Nunca forçado, mas sempre disposto a cooperar. Era, a um só tempo, mensageiro, transportador de mantimentos, confidente, conhecedor e guardião de segredos de vida e de morte. Boca sempre fechada e ouvido sempre aberto, talvez fosse o seu lema. Mas nem todos, segundo dizem, cuidaram de seguir os ditames.

Coiteiro era aquele que, conhecedor de cada linha e cada canto da região catingueira, auxiliava nas estratégias de proteção cangaceira. Era o olho pelo arredor, era o cão farejando o inimigo. Logo dizia sobre a segurança do local escolhido para repouso ou alertava acerca dos perigos que estavam correndo. Coiteiro era o bom amigo do bando que levava a carne fresca de bode, a linha e agulha para costura, o remédio e a porção, as armas e a munição, o dinheiro e outros objetos enviados ao bando; aquele que se esforçava ao máximo, e correndo todos os perigos, para que nada faltasse naquela estadia dos cangaceiros. E eram bem recompensados pelas providências tomadas. De vez em quando um anel dourado era colocado no dedo.

Coiteiro era aquele que servia o abrigo cangaceiro, o local de descanso e repouso, a moradia temporária do bando, o coito. Desse modo, tem-se então que coito era o local onde a cangaceirada se amoitava vindo de longe viagem e desejosa de algumas horas ou dias de descaso. Assim, coito era o lugar escolhido pelo líder do bando para o merecido descanso, até que a necessidade fizesse levantar acampamento e seguir adiante. Tantas vezes numa correria no meio da noite ou a qualquer hora do dia que o vento inimigo soprasse pelos arredores.”



Entretanto todos os bandidos brasileiros nordestinos sertanejos nômades de grupo existentes entre o final do século XIX e meados do século XX, que usavam cangaço e coiteiros eram cangaceiros? Sim. Tomando-se como paradigma os bandos de Antônio Silvino, Sinhô Pereira, Lampião e Corisco, sim. Estes no dizer de Maria Isaura Pereira de Queiroz[17] são “grupos de homens armados liderados por um chefe, que se mantinham errantes, isto é, sem domicílio fixo, vivendo de assaltos e saques, e não se ligando permanentemente a nenhum chefe político ou chefe de grande parentela.”

Ou seja: os cangaceiros viviam de assaltos e saques. Assaltos, para sintetizar, por que quem saqueia assalta. Não somente assaltos, porém. Extorsão também. E, às vezes, embora não comumente, alugando suas armas a algum Coronel. Concluindo, por fim: sobreviviam à custa do seu banditismo. O que fizemos foi precisar essa noção acerca do cangaceiro, que também é a do senso comum.

Portanto temos: cangaceiros foram bandidos brasileiros nordestinos sertanejos nômades de grupo existentes entre o final do século XIX e meados do século XX, cujos integrantes usavam o cangaço, recebiam suporte dado por coiteiros, e viviam à custa de sua atividade criminosa.

Não podemos dizer que a estética cangaceira que surgiu com Lampião defina o cangaceiro. Antes do bando de Lampião e de sua estética já existiam bandos de cangaceiros, tais como aqueles chefiados por Sinhô Pereira e Antônio Silvino. Assim é possível que o que realmente defina o cangaceirismo seja a presença de todos esses elementos e mais o momento histórico, o espaço de tempo que vai do final do século XIX a meados do século XX.  Não por outra razão diz-se que com o advento do Estado Novo e a morte de Corisco extinguiu-se o cangaceirismo.

Honório de Medeiros
Conselheiro do Cariri Cangaço
Fonte:http://honoriodemedeiros.blogspot.com.br/2016_04_17_archive.html

NOTAS:

[1][1] “FLOR DE ROMANCES TRÁGICOS”; EDUFRN; Coleção Nordestina; 3ª edição; 1999; Natal. 

[2] JORNAL “ACONTECE”, Região do Cariri - De 30 de outubro a 10 de novembro de 2014, nº 53.

[3] PAZ E TERRA; 4ª edição; 2010; São Paulo. 

[4] “VIAJANDO O SERTÃO”; Global; 4ª edição; 2009; São Paulo. 

[5] ABC Editora; 3ª edição; 2004; Rio de Janeiro. 

[6] Martins Fontes; 1ª edição; 1995; São Paulo.

[7] Pg. 66. 

[8] Pg. 64. 

[9] Pg. 72.

[10] Pg. 346/347. 

[11] Pg. 348. 

[12] “OS DONOS DO PODER”; Globo; 15ª edição; v. 2; 2000; São Paulo.

[13] Fator que distingue o coronelismo. 

[14] “GUERREIROS DO SOL”; A Girafa; 5ª edição; 2011; São Paulo.

[15] “JARARACA: O CANGACEIRO QUE VIROU SANTO”; Guararapes; 1ª edição; 1981; Recife. 

[16] http://blograngel-sertao.blogspot.com.br/2013/08/coiteiro.html