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Olho no Olho...
Por Alfredo Bonessi.
Pesquisador Alfredo Bonessi
Pesquisador Alfredo Bonessi nos responda: Qual dentre todos os comandantes de Volante o amigo mais admira e porque? Na sua opinião, como homens traquejados no uso das armas e nos combates nas caatingas, como GINO, ARLINDO ROCHA, MANEL NETO e NAZARENOS "se deixaram abater e surpreender" da forma como aconteceu em Serra Grande, Serrote Preto ou Maranduba?
Caríssimo Dr Severo,
Muito se tem escrito sobre a têmpera de quem combateu Lampião, mas no que diz respeito à coragem pessoal, à capacidade combativa, o denodo demonstrado nas persigas, à tenacidade durante os combates e o comportamento altivo na hora da morte. De lado a lado tivemos provas de coragem e determinação na chegada da derradeira hora.
O simples fato de sair na persiga de cangaceiros já é uma prova de coragem de parte de quem os combateu. Lembrando aqui que deslocamentos de cangaceiros e volantes era por motivos opostos: os cangaceiros se deslocavam sempre preocupados com o fator segurança, diante do possível, sem deixarem pistas e as volantes se deslocavam em buscas de pistas. Ambos se baseavam em informações para efetuarem os deslocamentos. Algumas vezes os rastros encontrados, originados por descuidos ou deixados de propósitos, serviam de pistas de possíveis paragens para ambas as partes. Enquanto vivos, Antonio Ferreira e Sabino, não havia caçados e caçadores, mas após a morte deles, o Cangaceiro passou a ser o caçado e a Volante o caçador. O Cangaceiro era o fora-da-lei. A Volante estava ao lado da lei, por força de Lei, a Volante era a Lei, representava a Lei. Aí reside a grande diferença de comportamento entre os oponentes.
A Volante com sede em Santana do Ipanema e sob o comando do Major Lucena se desdobrava em dezenas de grupamentos de forças, todas comandadas por oficiais, na maioria das vezes, e em outras vezes por graduados que tinham se destacado em combates contra cangaceiros. Cada pelotão de combate de 45 homens era fracionados em três ou quatro subgrupos de homens comandados por oficiais ou graduados. As ordens eram dadas pelo Major Lucena pessoalmente na sede da volante, ou por telegrama, ou por emissários aos comandantes dos pelotões que aprontavam os soldados e se deslocavam para o ponto combinado. Quando chegavam no ponto determinado, muitas vezes lá estava o comandante Lucena a espera da força. Dialogava com o oficial em comando e dali novas ordens eram dadas e Lucena sumia sertão a dentro conferindo se suas ordens eram cumpridas.
Tenente José Lucena Albuquerque Maranhão
Nesse ínterim, informações e contra-informações era o jogo predileto da polícia e dos cangaceiros.
Lampião venceu a polícia por mais de vinte anos, fazendo-os de bobos, driblando-os, mas a medida que as estradas estavam sendo abertas e a nova forma de comunicação, o radio, foi se estabelecendo em bases previamente estabelecidas de forma sistêmica no sertão, as possibilidades de sobrevivência do cangaço foi diminuindo cada vez mais. O fim do cangaço era uma questão de tempo, tão somente isso. O cangaceiro precisava sobreviver no sertão e dependia de tudo e de todos. A polícia dependia de seus chefes, dos políticos, dos governos. Além do mais caçar um cangaceiro e abatê-lo era sonho de todo policial, pois além da fama pelo feito havia a possibilidade de ficar rico - quem abatia um cangaceiro era dono do tesouro que o mesmo portava.
Cangaceiro não andava em estradas quem andava em estradas era a policia, a pé na maioria das vezes, montada, às vezes, de caminhão esporadicamente, e até de ônibus; segundo Labareda, fazendo o cerco aos cangaceiros seguindo à risca as ordens emanadas de Lucena. Resumindo: tudo que era de informação eram enviadas ao major Lucena que recebia e transmitia aos comandantes das frações em operações no interior do sertão, informações essas oriundas das policias de outros estados, de informantes credenciados, dos oficiais em campanha, dos caçadores, dos delatores, dos coiteros e de cangaceiros que mudavam de lado. O cerco a Lampião se fechava cada vez mais.
Uma vez estabelecido de que forma os oponentes se deslocavam e com que objetivo, será fácil entendermos o porque muitas vezes tanto os cangaceiros e policiais foram pegos desprevenidos. A fuga milagrosa dos cangaceiros ao cerco da polícia é o que se tem de mais notável na guerra do cangaço. Desde a fazenda Piçarras até o Raso da Catarina o que se viu foram ambos os lados se degladiando até as últimas forças, num jogo mortal com sangramentos de ambos os lados. O fiel da balança começou a pender para o lado da lei quando sertanejos ocuparam a posição de comandante das forças volantes, aí Lampião teve que se desdobrar em cuidados operacionais. Era o rastejador - homem que outrora fora caçador – o grande responsável para conduzir a volante até os cangaceiros estivessem onde estivessem. Não era mais o soldado inexperiente, o militar de escola, que levava os homens para o combate, eram os sertanejos calejados na vida da caatinga, acostumados a sede, a fome, a suportar todos os tormentos que o calor possa oferecer, a não desistir jamais de uma meta estabelecida, de um objetivo proposto, de uma vingança, de fazer justiça. Isso chama-se determinação.
Todas as vezes que os cangaceiros esperaram as volantes a vitória foi cangaceira, mas na maioria das vezes os cangaceiros foram pegos de surpresa e pagaram muito caro por isso quando isso acontecia o cerco policial era bem feito, dera certo e os cangaceiros não esperavam pelo ataque.
O que se viu em Serra Grande, Serrote Preto e Maranduba foram erros policiais. Falta de planejamento, falta de coordenação e controle, rancor exacerbado, despreparo, arrogância, destemor beirando a loucura...
... desejo de vingança, desconhecimento do terreno, avaliação mal feita da posição inimiga, cansaço, dispositivo de combate mal posicionado no terreno a ponto dos policiais se matarem entre si, individualismo, corporativismo, falta de capacidade profissional, inexperiência, descontrole, desejo de mérito, dos louros pela vitória aparetemente fácil devido ao grande efetivo que se compunham a força policial.
Encerrando a exposição do tema a que me propus discorrer posso afirmar às gerações de hoje que a coragem nunca fez falta a esses homens que lutaram por causas tão diversas, não acredito que o sertanejo do interior, daqueles tempos fosse acometido por um instante de medo diante do perigo eminente, seja ele a ponta de um punhal, ou o sangue escorrido de um orifício provocado por uma bala, seja ela policial ou cangaceira.
Analisando o tema como um todo não encontrei um momento de fraqueza por parte do policial e nem pelo cangaceiro, mas encontrei um momento de traição e covardia por coiteros, como foram os casos de Pedro de Cândida, Durval Rosa e Joca Bernades. O fato não se torna hediondo pela delação e da forma como ela ocorreu, pois qualquer cidadão teria o dever moral de contribuir com a ação policial para o bem da sociedade de então. Mas esses personagens não eram simples cidadãos, eram sócios, colaboradores no crime e beneficiados pela ação dos criminosos uma vez que eram pagos para fazerem compras e darem informações aos bandidos, isso por livre e espontânea vontade. Sendo assim, e pagos e muitos bem pagos pelos cangaceiros não deveriam ter feito o que fizeram, entregando-os covardemente a morte, sem darem chance de defesa aos amigos. Antes morressem eles, heroicamente, no ferro do punhal, do que passarem a traidores para a história porque ninguém gosta de traidores estejam de que lado estejam - os traidores nunca ficam com a honra - a honra não pertence a eles.
Por fim, se tenho que escolher um comandante; um comandante para mim; um comandante que eu gostaria de ficar sob suas ordens, pois com certeza seria um militar bem sucedido, eu escolheria Zé de Rufina
... não desmerecendo os demais. Poderia aqui escrever páginas e mais páginas sobre esses oficiais e suas equipes, mas eu gostaria de trabalhar na Volante do Tenente Zé de Rufina. Creio que é a turma mais experiente diante das demais turmas. Outro personagem que eu gostaria de ter como amigo era Odilon Flor - tenho boas informações sobre ele. É o tipo de homem que eu dormiria sossegado deixando ele na vigia.
Comandante de volante, Zé de Rufina
As vezes as pessoas me perguntam o porque que Lampião não deixou o cangaço e foi morar em outro lugar, como fez o chefe do cangaço Sinhô Pereira ? - respondo logo sem pestanejar: porque os nazarenos iriam atrás dele onde ele estivesse. A guerra entre Nazarenos e Lampião é uma guerra a parte, diferente da ocorrida entre cangaço e polícia. É um outro estudo que não cabe aqui nesse momento referendar, porque fugiríamos do tema.
O que sabemos é que cangaço e volante se encontraram na doença - véspera da morte - nos hospitais onde estavam baixados - diferente do encontro em combate que travaram na mocidade onde ambos os lados procuravam causar a morte do seu oponente. Assim o valente e temerário Odilon Flor foi visitado por Labareda nos hospitais da Bahia, Dadá visitou Zé de Rufina quando esse estava doente, se abraçaram e choraram. Dadá ainda tentou visitar o Coronel Bezerra quando esse estava acamado, mas foi expulsa do Hospital pela esposa dele.
Encerrando, ficaremos com a imagem do Tenente Higino José Belarmino, o Nego Gino, como era chamado pelos cangaceiros, quando ao pé da serra, retira o seu relógio de bolso, olha as horas e fala entre os dentes:
- Bem, são nove horas e vinte e dois minutos - daí olha para o cimo da serra, fecha o relógio e o coloca no bolso – daqui pra frente, diabo é quem sobe essa serra !
Capitão Alfredo Bonessi
Oficial da Reserva do Exercito Brasileiro
Pesquisador e Membro do GECC e da SBEC
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