João Costa
“Deus está nas coincidências”. Recorro, mais uma vez, a esta poderosa frase do pensador e dramaturgo Nelson Rodrigues para contar como foi minha jornada à Grota do Angico, em Poço Redondo(SE), num evento cultural transcendente para a compreensão da cultura nordestina chamado Cariri Cangaço – porque pode até não ter sido uma coincidência Divina, mas o Cariri Cangaço me impressionou pelas abordagens históricas e muito mais pelos clérigos que encontrei. Insisto nas “coincidências “ da vida porque o que aconteceu comigo, em Piranhas, foi um Déjá vu. Começo pelo começo, ou seja, pela 1ª coincidência, digamos assim, próxima ao Divino.
Em 1979, portanto há 43 anos, eclodiu aqui na Paraíba um grande conflito de terras, em que camponeses exigiam a aplicação do Estatuto da Terra, que por sua vez obrigava ao estado desapropriar um latifúndio para efeito de reforma agrária. Em meio a esta luta, o arcebispo da Paraíba, Dom José Maria Pires (um negro), pediu ao escritor e dramaturgo W.J. Solha, um bancário paulista que vivia – ainda vive – em João Pessoa, ateu convicto, que escrevesse uma peça para ajudar à Pastoral da Terra, que estava à frente da luta.
Frei Tibério e João Costa no Cariri Cangaço Piranhas 2022
O escritor ateu pediu ajuda a um regente de nome Alberto Kaplan, um professor judeu, argentino e exilado no Brasil para fazer a música. E assim surgiu a “Cantata para Alagamar”, que virou disco, foi apresentada e traduzida para que bispos alemães, espanhóis e franceses entendessem a mensagem da “Catata”, em que eu fui um dos três narradores – e que também integrava a ala dos “homens de pouca fé”, recrutados pelo arcebispo. O arcebispo produziu a “Cantata”, e seguiu viagem com o elenco em apresentações na Paraíba, Juazeiro da Bahia (onde os bispos europeus assistiram a Cantata) e Recife. Uma trupe de cantores e atores liderados por um bispo, um ateu e um judeu – imaginem os senhores o clima e os papos nessa aventura.
Voltando ao Cariri Cangaço, em Piranhas; a 2ª coincidência quase que Divina. Eu já havia me surpreendido com padre Agostinho, o capelão do evento e que fez a celebração do “sepultamento” das cinzas do escritor Antônio Amaury nas águas do rio São Francisco. Em seguida começou a caminhada pela trilha que vai do barranco do Velho Chico até a Grota. Tenho 69 anos, era um sonho que eu estava realizando, porém as condições físicas e de saúde, não são tão boas para uma jornada assim, e apenas se acontecesse um milagre minha jornada seria exitosa – e o milagre aconteceu!
A jornada até Angico começou e eu fui ficando para trás, cada vez mais para trás. Eu seguida comecei a ouvir vozes que se distanciavam; minha mulher ao lado me “obrigando” a beber água, comer barras de chocolate sem açúcar, comer banana ( fonte de potássio) e chupar tangerinas para repor o nível de açúcar no sangue; foi quando dois anjos surgiram na minha frente oferecendo ajuda.
Darlan Tatoo e João Costa no Angico: Cariri Cangaço Piranhas 2022
O 1º anjo que surgiu, foi Darlan Tatoo, um jovem estudioso do cangaço, artista plástico, compositor, grafiteiro, tatuador, agente cultural, “cangaceiro”, e mora em Senhor do Bomfim(BA). Ali, em Angico, me apareceu esse jovem com o corpo tatuado e piercing no nariz que falou assim:
- Se apoie no meu braço e vamos seguir. Foi o que aconteceu, e logo a seguir apareceu o 2º anjo, que me abordou e disse:
- Ponha uma mão no meu ombro pra subir esse barranco aqui.
Era o senhor Tibério Dias, um religioso franciscano, capuchinho da Província do Nordeste do Brasil; evidentemente, logo passei a chama-lo de Frei Tibério. Até onde fiquei sabendo, ele ainda é diácono; sua ordenação como frade capuchinho ocorrerá ainda este ano. E assim, um anjo-cangaceiro tatuado e com piercing no nariz e um frade-cangaceiro me ajudaram a entrar e sair da Grota de Angico.
Mas qual foram então às coincidências milagrosas nas duas situações? Em 1979, além de ser um dos narradores da Cantata para Alagamar, eu era dirigente estudantil num momento de injustiças e com um pé na clandestinidade. Não fui importunado exatamente porque estava sob a proteção no elenco do arcebispo. Em 2022 acho que o milagre das coincidências aconteceu porque eu estava meio debilitado, numa caminhada de estudos sobre cangaceiros, volantes e coiteiros, também um universo de muitas injustiças, e desta feita o homem de pouca fé que era eu, e os enviados do Divino foram Douglas Tatoo e Frei Tibério. Frei Tibério, que atualmente mora no santuário e Vila São Francisco, no município de Quebrangulo, zona da mata Alagoana, me disse que fazer a rota do cangaço até a Grota foi uma “celebração”.
Concordei.
João Costa, jornalista, pesquisador
Campina Grande Paraíba
O Cariri Cangaço Piranhas aconteceu entre os dias 28 e 30 de julho de 2022 na cidade ribeirinha de Piranhas, baixo São Francisco, no estado de Alagoas, nordeste do Brasil.