No primeiro quartel do século XIX, a Vila do Crato já se sobressaía entre as congêneres interioranas do Nordeste brasileiro. Residiam na vila, ou nas suas adjacências, famílias abastadas, possuidoras de patrimônio amealhado quase sempre, à custa das fainas agrícolas. Alguns jovens dessas famílias tinham o privilégio de aperfeiçoar seus conhecimentos em escolas da longínqua capital da Província de Pernambuco. Para lá se deslocavam, em longas e penosas viagens que duravam semanas. Sempre feitas em lombo de animais.
Alguns desses estudantes retornavam ao torrão natal impregnados de idéias libertárias, assimiladas nas sociedades secretas, existentes em Olinda e Recife. Sonhavam esses jovens com um Brasil independente da metrópole portuguesa. Alguns iam mais longe. Acalentavam o sonho de mudar a forma de governo, substituindo - num eventual Brasil soberano - a monarquia pela experiência republicana já testada nos Estados Unidos da América e França.
José Martiniano de Alencar
Esses sonhos libertários resultaram no primeiro confronto ideológico ocorrido no Cariri. Os liberais eram liderados pelo subdiácono José Martiniano de Alencar, estudante do Seminário de Olinda e adepto dos princípios republicanos e laicos da Revolução Francesa de 1789. Foi este jovem enviado pelos líderes da Revolução Pernambucana de 1817, para deflagrar o processo revolucionário no conservador Vale do Cariri. Num gesto audaz e corajoso, no dia 3 de maio de 1817, José Martiniano de Alencar proclamou do púlpito da Matriz do Crato a independência do Brasil, sob o regime republicano.
A contra-revolução veio rápida. Oito dias depois, Leandro Bezerra Monteiro, o mais importante proprietário rural do Cariri, dotado de profundas e arraigadas convicções católicas e monarquistas, pôs termo ao sonho do jovem José Martiniano de Alencar. Os revolucionários foram presos e enviados para as masmorras de Fortaleza e posteriormente para as de Salvador, na Bahia. Entre os prisioneiros estavam Tristão Gonçalves de Alencar Araripe e Dona Bárbara de Alencar, irmão e mãe de José Martiniano. Após sofrerem as agruras das prisões, por cerca de quatro anos, os revolucionários cratenses foram anistiados pela autoridade real. Por sua lealdade à Monarquia, Leandro Bezerra Monteiro, foi agraciado, pelo Imperador Dom Pedro I, com o posto de Brigadeiro, o primeiro a ser concedido no Brasil.
TJunta de Pernambuco, durante a Confederação do Equador
Em 1824, eclode nova revolução republicana em Pernambuco denominada Confederação do Equador (Bandeira em foto abaixo). Esse movimento uniu lideranças das províncias de Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte; descontentes com a Constituição outorgada pelo primeiro imperador brasileiro, Dom Pedro I. O movimento repercute intensamente no Crato.Tristão Gonçalves de Alencar Araripe aderiu, com todo entusiasmo e idealismo, à Confederação do Equador. Em 26 de agosto daquele ano, foi ele aclamado pelos rebeldes republicanos como Presidente do Ceará. Entretanto a reação do Governo Imperial foi implacável. As instruções para debelar o movimento eram assim sintetizadas: (...) não admitir concessão ou capitulação, pois a rebeldes não se deve dar quartel. Debelado o movimento restou a Tristão Araripe duas alternativas: exilar-se no exterior ou morrer lutando. Escolheu a última opção.
Tristão colecionou vários inimigos. Dentre eles o proprietário rural, José Leão da Cunha Pereira. Esse utilizou um capanga, Venceslau Alves de Almeida, para pôr fim à vida do herói da Confederação do Equador no Ceará. Tristão Araripe faleceu, em 31 de outubro de 1825, combatendo o grupo armado de José Leão, na localidade de Santa Rosa.
O Cariri continuou, durante algum tempo, dividido entre simpatizantes da ideologia republicana e adeptos da Monarquia. O confronto dessas idéias foi motivo de contendas as mais variadas. Joaquim Pinto Madeira era o que poderíamos chamar de caudilho. Rico proprietário rural e chefe político da Vila de Jardim, era por índole um afeiçoado às coisas da Monarquia. Foi fundador da sociedade secreta Trono do Altar, que defendia a monarquia absoluta.
Joaquim Pinto Madeira lutou ativamente contra os promotores dos movimentos libertário-republicanos da Revolução Pernambucana de 1817 e da Confederação do Equador de 1824. Após a derrota da família Alencar, em 1817, coube a Pinto Madeira, à época ocupando o posto de Capitão de Ordenança, conduzir até a cidade de Icó os 20 malogrados presos políticos. Provavelmente, durante o percurso, esses prisioneiros sofreram humilhações por parte do caudilho. O que era esperado, face ao temperamento belicoso de Pinto Madeira.
Em 1831 o imperador Dom Pedro I abdica do trono brasileiro e volta para Portugal, onde toma o nome de Dom Pedro IV. Os adversários de Pinto Madeira aproveitaram esse acontecimento para dele se vingar. Acuado, o caudilho, com a ajuda do vigário de Jardim, Padre Antônio Manuel de Sousa, armou cerca de dois mil homens, a maioria com rudimentares espingardas, e invadiu o Crato, em 1832, para dar caça aos seus inimigos liberais.
Dizem que de tanto abençoar as espingardas dos jagunços e, na falta destas, dar bênçãos a cacetes (pequenos bastões de madeira) o Padre Antônio Manuel de Sousa ficou conhecido como "Padre Benze-Cacetes". Pinto Madeira e o Vigário Manuel foram vitoriosos no Crato, mas logo começaram a sofrer reveses. Terminaram por se render ao General Pedro Labatut, um mercenário francês que atuava no Brasil, desde as lutas pela independência. Presos, ambos foram enviados para Recife e depois para o Maranhão. Pinto Madeira retornou preso ao Crato, em 1834, onde, num júri parcial - composto por antigos inimigos seus - foi condenado à forca, sentença posteriormente comutada para fuzilamento, em face do réu ter alegado sua patente militar de Coronel.
Morreu virilmente Pinto Madeira. Conta a tradição, ouvida por mim desde menino, que momentos antes do fuzilamento, ofereceu-lhe um lenço, para que vedasse os olhos, um dos seus mais implacáveis inimigos. Recusou o condenado a oferta (...) Durante anos a fio, fez-lhe promessas o rude povo do sertão, considerando-o um mártir, isto é um santo.
Tristão colecionou vários inimigos. Dentre eles o proprietário rural, José Leão da Cunha Pereira. Esse utilizou um capanga, Venceslau Alves de Almeida, para pôr fim à vida do herói da Confederação do Equador no Ceará. Tristão Araripe faleceu, em 31 de outubro de 1825, combatendo o grupo armado de José Leão, na localidade de Santa Rosa.
O Cariri continuou, durante algum tempo, dividido entre simpatizantes da ideologia republicana e adeptos da Monarquia. O confronto dessas idéias foi motivo de contendas as mais variadas. Joaquim Pinto Madeira era o que poderíamos chamar de caudilho. Rico proprietário rural e chefe político da Vila de Jardim, era por índole um afeiçoado às coisas da Monarquia. Foi fundador da sociedade secreta Trono do Altar, que defendia a monarquia absoluta.
Tristão Gonçalves de Alencar Araripe
Em 1831 o imperador Dom Pedro I abdica do trono brasileiro e volta para Portugal, onde toma o nome de Dom Pedro IV. Os adversários de Pinto Madeira aproveitaram esse acontecimento para dele se vingar. Acuado, o caudilho, com a ajuda do vigário de Jardim, Padre Antônio Manuel de Sousa, armou cerca de dois mil homens, a maioria com rudimentares espingardas, e invadiu o Crato, em 1832, para dar caça aos seus inimigos liberais.
Dizem que de tanto abençoar as espingardas dos jagunços e, na falta destas, dar bênçãos a cacetes (pequenos bastões de madeira) o Padre Antônio Manuel de Sousa ficou conhecido como "Padre Benze-Cacetes". Pinto Madeira e o Vigário Manuel foram vitoriosos no Crato, mas logo começaram a sofrer reveses. Terminaram por se render ao General Pedro Labatut, um mercenário francês que atuava no Brasil, desde as lutas pela independência. Presos, ambos foram enviados para Recife e depois para o Maranhão. Pinto Madeira retornou preso ao Crato, em 1834, onde, num júri parcial - composto por antigos inimigos seus - foi condenado à forca, sentença posteriormente comutada para fuzilamento, em face do réu ter alegado sua patente militar de Coronel.
Morreu virilmente Pinto Madeira. Conta a tradição, ouvida por mim desde menino, que momentos antes do fuzilamento, ofereceu-lhe um lenço, para que vedasse os olhos, um dos seus mais implacáveis inimigos. Recusou o condenado a oferta (...) Durante anos a fio, fez-lhe promessas o rude povo do sertão, considerando-o um mártir, isto é um santo.
Irineu Pinheiro
FONTE:www.crato.ce.gov.br
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8 comentários:
As Revoluções de 1817 e 1824, nascidas no Pernambuco, tiveram sim nos grandes heróis do Ceará e prepoderantemente de Crato, expoentes máximos dos ideias libertários. Parabéns ao estado de Pernambuco e ao NE ;aos grandes; Frei Caneca, Amaro Gomes Coutinho, André de Albuquerque Maranhão , padre José Inácio de Abreu e Lima - conhecido como padre Roma - e muitos outro que escreveram com seu sangue a história do Brasil; parabens ao Cariri Cangaço.
Fernando Dutra
João Pessoa PB
Oss acontecimentos de 18171 e 1824 com a Confederação do Equador ainda são quase em sua totalidade desconhecidos dos nossos estudantes e do grande público. Pela sua importãncia para a região e por tudo que representou poderíamos dá mais atençaõ aos episódios. Grandes vultos como dona Bárbara, Frei Caneca, e muitos outros são ilustre desconhecidos. o cariri cangaço marca um tento trazendo esse assunto às paginas do blog.
Assunção
Aproveito a oportunidade, e transcrevo o relato do que aconteceu com Tristão apos sua morte. O relator assina apenas T.L. Eis o relato: "Quem escreve estas linhas vio o seu cadaver em pé, recostado sobre uma jurema. Secco e esmirrado estava elle, o peito varado por uma bala, que se via de um a outro lado como por um óculo, os braços abertos, a mão direita golpeada ficando suspença e cahido por terra, e com outro golpe sobre a nuca. Nesta occasião presenciaram não menos de 300 pessoas o Ajudante da Fortaleza, e depois capitão J.P.L.
pegar-lhe a mão cutilada e pronunciar, com todo o cynismo, as seguintes palavras: - V,Exc. com esta mão foi que assignou a sentença para ser eu fuzilado? - Empunhando uma grande faca com a ponta della lança em terra o cadáver e depois pegando no mesmo cadáver o coloca no lugar em que estava. Não satisfeito ainda, custa a crer, corta-lhe o resto do membro. É verdade o que refiro. e sinto referi-lo. E juro por alma de meos Pais, e por tudo quanto há de mais sagrado, que tanto eu como o Padre Monteiro, capelão da força, reprovamos tão feio e indigno procedimento. Não é, assim, disse-lhe eu (sendo muito criança), Sr. Ajudante, que se preocede com os mortos.
Não me recordo do que mais disse. Logo que chegamos no acampamento communiquei ao Chaves, que commandava a força e este fora de horas deo sepultura, na capella de Santa Rosa, ao cadáver do martyr F.G. de Alencar Araripe. - T.L. (Coll.Studart vol.13).
Vejam que o autor do relato esconde também o nome da pessoa que violou o cadáver de Tristão.
Assis Nascimento // Mossoró (Rn)
Senhor Assis parabens pelo comentário, na verdade é como Assunção relata, os homens e mulheres de valor, herois dxe nossa istoria, muitas vezes são ilustres desconhceidos.Valu.
Mariana
Ainda Sobre Pinto Madeira, quando retornou preso ao Crato em 1834 sendo submetido a um júri e condenado à forca, sob a acusação de ter mandado matar o parente de um dos jurados. Conta Irineu Pinheiro que as testemunhas em favor de Pinto Madeira foram espancadas às portas do Tribunal de Júri em Crato. Muito boa a postagem
Silvério Darlan Cunha
É importante notar que como no Cangaço; independente do "mérito"; vamos encontrar personalidades valorosas dos dois lados da moeda:Aqui, de um lado Martiniano, Tristão e do outro Pinto Madeira. Interessante ver o quanto Crato era ligado ao Recife no século XIX, muito mais mesmo que com o Ceará, digo, Fortaleza, refletindo no Cariri.
YURI
"Quem escreve estas linhas vio o seu cadaver em pé, recostado sobre uma jurema. Secco e esmirrado estava elle, o peito varado por uma bala, que se via de um a outro lado como por um óculo, os braços abertos, a mão direita golpeada ficando suspença e cahido por terra, e com outro golpe sobre a nuca. Nesta occasião presenciaram não menos de 300 pessoas o Ajudante da Fortaleza, e depois capitão J.P.L.
pegar-lhe a mão cutilada e pronunciar, com todo o cynismo, as seguintes palavras: - V,Exc. com esta mão foi que assignou a sentença para ser eu fuzilado? - Empunhando uma grande faca com a ponta della lança em terra o cadáver e depois pegando no mesmo cadáver o coloca no lugar em que estava. Não satisfeito ainda, custa a crer, corta-lhe o resto do membro. É verdade o que refiro. e sinto referi-lo." ....QUALQUER SEMELHANÇA COM OS ATOS DO CANGAÇO, NÃO SERÁ MERA COINCIDENCIA !!!!!!!!!!
Senhor Assis Nascimento, magistral relato e comentário, dando a real dimensão de tudo o que se passou entre aqueles idos e nos mostrando um pouco quais as verdadeiras raizes DO QUE ALGUNS CHAMARAM DE FLAGELO.
fELIPE aLVES
E DONA BARBARA DE ALENCAR, A PRIMEIRA MULHER PRESA POR QUESTÕES POLITICAS NO BRASIL!!!!!!
GERMANA - CRATO
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