Manoel Severo na Revista Cultura do SENAC

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Trazemos hoje entrevista concedida pelo Curador do Cariri Cangaço, Manoel Severo, à Revista da Cultura Brasileira, do Centro Universitário SENAC, de São Paulo, às alunas Daniela Yui, Luciana Pestana ,Paula Gaspar e Tamara Lima.

Em entrevista à Revista da Cultura, Manoel Severo conta um pouco da História do fenômeno que foi o Cangaço.

RC - O que foi o Cangaço?
MS - O Cangaço se configura como um dos mais marcantes fenômenos ocorridos em nosso nordeste. De feições próprias, de caráter controverso, nos remete às mais contraditórias análises. Calcado e produzido pela sociedade rural da metade do século 19 e perdurando até os anos 40 do século passado, teve na ausência do estado e da lei, e em uma intrínseca relação de interesses e favores; seu sustentáculo mais forte. Caracterizado por grupos armados, a serviço ou não, de poderosos; se perpetuou nos sertões de sete dos nove estados do nordeste, a semear a violência, a crueldade, o seqüestro, a tortura, e mortes, muitas mortes. O cangaço teve seu apogeu com a figura mitológica de Virgulino Ferreira da Silva, pernambucano de Vila Bela, vulgo Lampião.

RC - Quando ocorreu o movimento cangaço?
MS - Podemos afirmar que existem características de "cangaço" desde o século 18, entretanto, é no chamado ciclo Lampiônico onde vamos encontrar seu apogeu, notadamente entre os anos de 1918 a 1940.

RC - Onde ocorreu o movimento?
MS - Da forma como o conhecemos, mais ligados ao ciclo do cangaceiro Lampião; vamos encontrar o cangaço acontecendo mais fortemente em sete dos nove estados do nordeste; Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia.

RC- Quais foram as causas que determinaram a ocorrência do movimento?
MS - Vamos encontrar a partir de vários autores, causas que remontam à época da colonização, uma vez que alguns entendem o cangaço como uma forte manifestação de inconformismo com a ausência do estado, as injustiças e as desigualdades, provocadas pelo pátrio poder e mais tarde pelo coronelismo, sistema de poder que vigorou entre a segunda metade do século 19 e a primeira metade do século 20; a posse da terra e a briga pelo poder político, poderiam está por trás de boa parte do que acabou considerando-se causa do cangaço. Entretanto, vamos encontrar também autores que entendem o cangaço, mais especificamente o praticado e inovado por Lampião, uma industria que se autoalimentava: De um lado os homens em armas, os cangaceiros; do outro, os mandatários, os coronéis, que se aproveitavam desses verdadeiros exércitos armados, sem lei e sem rei, para atender às suas necessidades.

RC - Quem exerceu a liderança do movimento?
MS - O mais notável de todos os líderes foi sem dúvida Virgulino Ferreira da Silva, vulgo Lampíão, daí ter sido cantado em prosa e verso como o Rei do Cangaço. Também vamos encontrar outros cangaceiros de destaque como Antônio Silvino e Jesuíno Brilhante, ainda no grupo de Lampião teremos como sub chefes, figuras destacadas como Corisco, Zé Bahiano, Labareda, Azulão, Zé Sereno, Antônio Ingrácia, Luiz Pedro, Antônio Ferreira, dentre outros.

RC - Quais foram as principais características do movimento?
MS - A principal característica do movimento a meu ver, foi a violência. Homens destemidos e movidos pelo ódio, vingança e pelo dinheiro fácil.

RC - Como terminou (desfecho) o movimento?
MS - A partir de 1938 com a morte de seu principal líder, Lampíão; o cangaço começava a amargar seus últimos e derradeiros dias. Sem sua principal figura, os grupos acabaram se esfacelando, a grande maioria dos remanescentes se entregou, outros foram caçados até a morte e em maio de 1940, com a morte do cangaceiro Corisco, acabava o fenômeno do cangaço.

RC - O que o Cangaço representou para o Brasil?
MS - O cangaço representou na verdade uma página negra dentro da história do Brasil. Trouxe muito sofrimento para a população rural de nosso nordeste, notadamente formada por humildes e ordeiros sertanejos. Entretanto por ter suas raízes fincadas no âmago da sociedade de nosso sertão e por sua longevidade, principalmente a partir de Lampião, acabou influenciando sobremaneira em muitos aspectos da vida desse povo; a música, a dança, a comida, a medicina, a estética, as roupas, são exemplos da presença marcante do cangaço na cultura nordestina do Brasil. Por sua grande repercussão e por suas profundas ligações com a história de nosso povo nordestino, vamos encontrar no cangaço uma seara inesgotável para o universo da pesquisa e estudo, daí termos pesquisadores sérios, escritores criteriosos e eventos que buscam entender mais de perto o fenômeno, sem endeusar nem muito menos fazer apologia da violência. Foi com esse sentimento, por exemplo, que nasceu o Cariri Cangaço.

RC - Qual o papel de Lampião e Maria Bonita no movimento?
MS - Podemos dizer que se houveram ícones dentro do cangaço, esses seriam sem dúvidas Lampião e Maria Bonita, pois personificaram as figuras do casal líder. Trazendo o mito da paixão e do amor dentro da selvageria do cangaço.

RC - Em sua opinião, quais foram as principais mudanças na cultura do cangaço ao passar dos anos?
MS - A cultura do cangaço, como você coloca; eu poderia definir como a cultura do povo sertanejo, aquela que é da raiz de nosso sertão e suas mudanças veio naturalmente com a evolução das sociedades e as influências que essas mesmas sociedades sofreram ao longo do tempo. Mudanças em todos os aspectos, e aqui podemos ressaltar as questões ligadas a estética, as danças e a música.

RC - Na Literatura de Cordel, na maioria das vezes o cangaceiro é retratado como herói. Na sua visão o cangaceiro era o herói ou o bandido? Explique?
MS - Cangaceiro é história. Com certeza homens que viviam fora da lei, e por mais que possamos procurar justificativas para suas atrocidades, em minha humilde opinião não poderíamos considerá-los heróis. A literatura de cordel, um dos mais fantásticos patrimônios da cultura nordestina, se configurou como o maior divulgador do cangaço; nas feiras, nas beiras de coxias, nas bodegas, nos mercados, enfim; e assim acabou contribuindo sobremaneira para a perpetuação do mito.

RC - Qual o Cordel que mais expressa o verdadeiro Cangaço?
MS - São tantos os valorosos e talentosos artistas do cordel e são tantas obras maravilhosas tendo como pano de fundo o cangaço que não poderia e nem saberia indicar uma somente.


Manoel Severo Gurgel Barbosa, empresário, Pesquisador do Cangaço, Membro do Conselho Consultor da SBEC - Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço, Membro do GECC - Grupo de Estudos do Cangaço do Ceará, Produtor e Curador do Cariri Cangaço e do site cariricangaco.com
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13 comentários:

Narciso disse...

Parabéns Severo,entrevista interessante,de alta transparência
e vem esclarecer aos interessados
na temática a enveredar nesse fabu-loso universo do estudo do "cangaço". Grande abraço.

Narciso Dias

Anônimo disse...

Severo; entrevista lúcida, serena, desapaixonada, enfim: Sensacional! sob todos os aspectos. Parabens.

Beijos,

Maria Lúcia Franz
Recife

Anônimo disse...

Manoel Severo, gostei muito de suas palavras; já acompanho de muito tempo o site do Cariri Cangaço, tenho como uma fonte de pesquisa e como um local onde posso me manter informado sobre as novidades sobre a temática.

Hoje com sua entrevista, concordo com a Maria Lúcia Franz, no comentário acima, achei extremamente lúcido, de uma oportunidade muito boa, a questão do verdadeiro sentimento que move o trabalho dos senhores, sem paixão, sem medo, sem rodeios, fiquei satisfeito sobremaneira por suas abalisadas palavras.

Receba meus parabens pela grande entrevista.

Dr. Horácio Marques Neiva
"Neivinha"

Anônimo disse...

Muito bom, abraços

Leo

CARIRI CANGAÇO disse...

Caros companheiros, muito obrigado pelas palavras amáveis e gentis.
Abraços,

Severo

ADERBAL NOGUEIRA disse...

Amigo Severo, nada melhor do que a simplicidade e a honestidade. Você é a prova maior que com trabalho sério, comprometimento e lealdade, a vitória é certa. O Cariri Cangaço é a prova disso e eu sinto orgulho de, assim como tantos outros amigos, fazer parte dessa grande família que é o CARIRI CANGAÇO. Valeu pela brilhante entrevista.
Aderbal Nogueira.

Lima Verde disse...

Manoel Severo, vc como sempre magistral nas palavras, na forma e principalmente na elegância; parabens meu irmãozinho, sou orgulhoso de tê-lo como amigo e referência de tenacidade, trabalho, dedicação e seriedade.

Fernando Cesar Lima Verde

Helio disse...

Mestre e amigo Severo, concordo com Aderbal Nogueira e com Lima Verde, aliáis com todos os amigos acima, você é um cara diferenciado, parabens meu amigo, não só pela entrevista, mas sobretudo pelo grande carater que você é. Siga em frente amigo, sucesso sempre para vc, Danielle e os filhos maravilhosos.

Professor Mario Helio

Anônimo disse...

Parabens - excelente entrevista - escorreita - firme - objetiva e muito clara. Bom trabalho. Alfredo Bonessi - GECC - SBEC

Dalinha Catunda disse...

Olá Severo,
Sua elegante entrevista pautada na temática do cangaço só enriquece as páginas do blog Cariri Cangaço, um dos espaços preferidos desta sua amiga.
Um abraço,
Dalinha

Juliana Ischiara disse...

Caro Severo, parabéns pela entrevista. Excelente!

Saudações Cangaceiras

Juliana Ischiara

Jairo Costa disse...

Caro Severo,
Antes de mais nada parabéns pela entrvista.
Gostaria de lhe perguntar se o Pe. Cícero contatou o lampeão e seus capangas pra fazer frente à coluna Prestes?

Abraços

Jairo Costa

Anônimo disse...

adorei justamente as perguntas que a minha professora de história pediu !!!
mesmo assim foi o melhor site ki eu axeii!
severo! meus parabéns!