Alcino, este velho e conhecido bardo das lides sertanejas que agora mais uma vez trava batalha aguerrida pela vida, talvez um dia tenha ouvido em sonhos do seu tio guerreiro das selvas nordestinas, o cangaceiro Zabelê do bando de Lampião, que chega um tempo que a vitória maior é apenas não ser derrubado na peleja.
E há muito tempo que Alcino, o historiador matuto das brenhas sertanejas de Nossa Senhora do Poço Redondo, tem consciência do significado dessa possível lição. Talvez coisa da idade, das alterações orgânicas que afligem as pessoas com o correr dos tempos, mas a verdade é que o sobrinho de Zabelê vem lutando com todas as forças para não ser derrotado pelas enfermidades que batem à porta.
O ano passado, após exames e mais exames, procedimentos médicos de todo tipo, foi constatado uma enfermidade e teve de se submeter a uma intervenção cirúrgica. O velho guerreiro, incansável pesquisador nos grotões sertanejos, cantador das artes amorosas e guerreiras do seu povo, de repente se viu estropiado, marcado pelo corpo como se tivesse sido cortado pelas lascas afiadas dos matos catingueiros. Era apenas uma cirurgia, que cicatrizou sem ter curado a doença completamente.
E não curou a doença completamente porque uma enfermidade parece perguntar a outra que vai saindo se já pode entrar. E sem pedir licença vai se instalando no corpo já fragilizado, ainda debilitado. Nesse contexto de idade, de doenças que vão chegando e maltratando o corpo, de repente e do nada pode surgir uma coisa perigosa demais, que verdadeiramente coloca a pessoa em risco de perder a vida.
E foi isso que recentemente aconteceu com Alcino. Ainda doente, porém levando uma vida na normalidade possível, fazendo suas pesquisas, escrevendo seus livros, apresentando palestras, viajando, recebendo amigos, cada vez mais no coito, cada vez mais no meio do bando cangaceiro, cada vez mais presente nos encontros de vida e morte, de repente se sentiu mal e teve de ser socorrido.
Dessa vez foi um surto silencioso, doença traiçoeira, incômodo sombrio que poderia ter causado consequencias ainda mais graves no momento. Saído às pressas do seu coito poço-redondense e vindo parar nos hospitais de Aracaju, ainda demorou mais do que o esperado para que os médicos constatassem um acidente vascular. E se não fosse a presença de um filho seu que também é médico, Dr. Artime Alves Costa, talvez os exames fossem feitos tarde demais.
Diagnosticado o acidente vascular, como consequencia agravante foi constatado a presença de coágulo. Diante da nova situação, os médicos resolveram então tentar controlar o coágulo sanguíneo através de medicação. Se não conseguissem minimizar o quadro, então não haveria outra saída senão submetê-lo a procedimento cirúrgico. E assim foi feito nesta última quinta-feira, dia 22.
Tudo ocorreu normalmente durante a cirurgia, sem maiores preocupações. Após isso, a fase pós-operatória, a sedação e a continuidade do tratamento intensivo. Somente neste sábado, dia 14, é que os médicos foram diminuindo a sedação para sentir como o paciente reagiria. Logicamente que os sinais de reanimação, em casos tais, não surgem como os familiares e amigos desejam, pois todos aflitos e esperançosos de progressiva recuperação.
Mas aos poucos o poeta sertanejo vai se reanimando, tomando novamente ciência do mundo que o cerca e de todos aqueles que estão ao seu lado, orando, implorando, fazendo promessas, buscando no bom Deus sertanejo, no Padim Ciço e no Frei Damião, as bençãos necessárias para que o contador das histórias e estórias matutas erga novamente sua arma de luta: o prazer de mostrar ao mundo essa coisa maravilhosa chamada sertão, com seus santos, cangaceiros, beatos, coronéis e jagunços.
Sou filho desse homem, desse bravo guerreiro, e só Deus sabe da minha aflição diante disso tudo. Como percebem, sou incapaz – e até suspeito - de tecer outras considerações, o que faço através das palavras da pesquisadora e escritora Luitgarde Oliveira Cavalcanti Barros, em e-mail que me foi passado ainda ontem:
“Gostei de saber que Alcino está lutando para não sair do sertão. Verei sempre seu pai como um poeta de alma sertaneja, que até tenta entender as razões do cangaceiro, mas tem coragem de apontar o cerne da “maldade do mundo em seres como Brió, Zé Baiano e sargento De Luz, cangaceiros os dois primeiros e polícia o último, que compõem uma trilogia de não homens, de feras destituídas de qualquer código de honra ou humanidade”.
Alcino não endeusa o cangaço, mas a coragem, a valentia sertaneja, que ele aponta em alguns cangaceiros como Lampião e alguns volantes, como Odilon Flor. Seu pai é um homem de bem, desenvolvendo o trabalho de seu emprego e o trabalho intelectual de ser voz do sertanejo pobre.
Enquanto o cangaceiro se impôs pela violência, Alcino conquistou o mundo onde vive e a rede de estudiosos do cangaço, pelo comportamento poético de gostar da humanidade de seu povo - seus irmãos, e mostrou a genialidade de construir saber a partir da realidade, de sua apropriação e, mais que tudo isto, é abençoado pela deusa da arte, que lhe inspirou a beleza de sua narrativa.
Alcino é um POETA que expressa em sua produção literária o melhor da alma sertaneja. Ele integra o universo de Inácio da Catingueira, Leandro Gomes de Barros, os Chaga Batista, Patativa do Assaré e todo o Panteon dos heróis da literatura sertaneja, que mostram ao mundo urbano a existência de poesia e prosa brotando na caatinga, longe do saber acadêmico, produção de inspirados seres humanos a quem o destino permitiu a descoberta das letras do alfabeto e a sensibilidade de absorver o mundo para transmiti-lo como um grito da alma.
Então, é com a fé no Deus sertanejo, nos seus santos e anjos, e na devoção ao Padim Ciço Romão e Frei Damião, que todo o sertão se eleva em preces pela sua rápida recuperação.
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
11 comentários:
Alcino ja disse muitas coisas sobre a minha pessoa.
Hoje eu não tenho palavras para dizer de Alcino.
Aderbal Nogueira
Caro Rangel Alves da Costa,
aprendi a admirar o mestre Alcino desde que o conheci no Cariri Cangaço 2009. São vários os adjetivos positivos que podemos atribuir a esse amigo fraterno.
É um exemplo de defensor e divulgador da História e Cultura Nordestina.
Saúde e paz
Abraços Prof. Pereira
Conselheiro do Cariri Cangaço
Prezado Rangel,
belíssimas palavras,
fique certo que existe uma corrente de energias positivas direcionada a ALCINO, fruto de seus admiradores e amigos.
ALCINO lembra um "guerreiro do sol" desviando-se das balas, algumas o atingirão, mas sempre o encontrarão alerta!!!
Força MESTRE ALCINO!!!!!!!!!!!!
Agradeço a Rangel e ao blog Cariri Cangaço por dar noticias do nosso amigo Alcino. Confio na força e sabedoria do Caipirão.
C Eduardo
Caro Rangel,
Desde 1998 que conheço Alcino, seu pai, uma pessoa extraordinária e um grande Mestre para todos nós que amamos a História e a Cultura sertaneja nordestina.Como frisou o amigo Aderbal não temos palavras par expressar o quanto Alcino Alves Costa siginifica para todos nós, portanto ficam os sentimentos de gratidão, amizade, respeito entre outros.Estamos orando e torcendo pelo seu restabelecimento e retorno ao convívio da família , dos amigos e dos labirintos da História,como ele próprio diz.
Abraços
Jairo Luiz Oliveira
Conselheiro Cariri Cangaço
Rota do Cangaço Xingó
Piranhas - Alagoas
Caro Rangel
Desde que conheci Alcino, minha admiração por ele cresce a cada dia.
Ele cuida de todos à sua volta, quando mostra aquele sorriso aberto e compreensivo, mesmo quando é atacado em suas crenças e valores sobre a vida cangaceira.
É um grande ser humano, na essência e transcendência do termo.
Gostaria de ter o mesmo talento dele para dissertar sobre tudo o que sinto por ele e da grande admiração que tenho, mas, esse é um dom que Deus cedeu a poucos escolhidos.
Grande abraço e saiba que sua torcida pela rápida recuperação do seu pai, é a nossa torcida.
ALCINO,
OS SEUS AMIGOS E A COMUNIDADE DO CANGAÇO ESTÃO TRISTES.........TRISTES COM O SEU ESTADO DE SAÚDE, E, ROGANDO AO SUPREMO CRIADOR DO UNIVERSO QUE LHE PERMITA, O SEU DIREITO DE VIVER...
O SEU DIREITO DE ENCANTAR OS AMIGOS, COM SUAS CONVERSAS CAIPIRAS DE VAQUEIRO DA HISTÓRIA...
O SEU DIREITO DE ESTUDAR E ESCREVER A HISTÓRIA SERTANEJA, E, PRESERVAR AS INFORMAÇÕES DE NOSSA CULTURA...
BELÍSSIMO TEXTO DO SEU FILHO RANGEL, O QUAL, NOS TRAZ AS SUAS LEMBRANÇAS E SEU CARÁTER PESSOAL E DE ESCRITOR..
FORÇA ALCINO.....SEUS AMIGOS, E O SENHOR DEUS ESTÃO COM VOCÊ....."VIVA"...... VOCÊ É IMPORTANTE PARA TODOS NÓS...
ABRAÇO A TODOS
IVANILDO ALVES SILVEIRA
Colecionador do cangaço
Natal/RN
Além de orar ao "Supremo Ser", pelo pronto restabelecimento do amigo Alcino e pedir mais alguns anos de vida dele ao nosso convivivio, só resta reverencia-lo pela sua força e determinação.
Reverenciar ao “Mestre com Carinho”, carinho de um aluno, carinho de um seguidor, carinho de um filho, carinho de um irmão, carinho de um grande amigo, carinho que tenho absoluta certeza, lhes é também dedicado por todos os seus familiares e amigos, principalmente os seus amigos, estudantes, pesquisadores e estudiosos do Cariri Cangaço. O “Decano do Poço Redondo”, o eterno “Guerreiro Menino”, além de ser o mais querido entre os queridos é, sem duvida alguma, dos maiores historiadores que o cangaço já viu.
Belíssimo texto amigo Rangel, só poderia ter sido escrito por um filho do Mestre.
Abraços a todos.
Archimedes Marques
Prezado Severo,
Apesar de não conhecer o ilustre pesquisador e escritor da história do cangaço Alcino Alves da Costa, desejo-lhe rápida recuperação.
Como principiante no estudo do cangaço e amante pelas coisas do nosso Nordeste, permita-me os estudiosos da história do cangaço fazer um questionamento. O cangaço teve seu fim com a morte de Lampião, em 1938 e a de Corisco, em 1940. É correto afirmar que grupo de cangaceiros prosseguiram em suas atividades após a década de 40 do século XX? Faço essa observação com base no que escreveu Frederico Pernambucano de Mello em "Guerreios do Sol", onde ressalta que: "Floro Gomes — segundo depoimento que nos prestou no ano de 1967 — mantinha em plena atividade na década de 60, e com finalidades vingativas, grupo de cangaceiros composto pelos cabras Manuel Prata, José Prata e Faísca, além do célebre Valderedo Ferreira, seu lugar-tenente" (Mello:2011,p.151). Assim sendo, é correto classificar o grupo de Floro Gomes Novais de cangaçeiro?
Atencisoamente,
Prof. Lima Júnior/Mossoró-RN
Caro amigo Lima Junior, satisfação sempre conversar com o amigo. Acompanho seu reciocínio sobre a ação do grupo de Floro; entretanto na minha humilde opinião, não caracterizo esse grupo como cangaceiros, tomando por base os grupos eternizados pela ação de Virgulino, Corisco, e etc.
Abração
Severo
Na minha opinião, eram cangaceiros sim. Da mesma forma como Lampião não criou o Cangaço, dando-lhe outras nuances e uma organização praticamente militar, dividindo a tropa em subgrupos como se fossem companhias ou pelotões, andando às vezes com 80 homens e às vezes com apenas 6 pessoas, e ainda, com também se falou em vingança como pano de fundo para o desenrolar de seu envolvimento com o Cangaço, assim também Floro Novais tinha grupo pequeno e em algumas coisas diferia dos métodos de Lampião,como não primar pelos grandes enfrentamentos com tropas policiais. O que, no entanto, noa quer dizer que era bandido comum.
Um cangaceiro que se preze não se rebaixa a ser tratado como um criminoso qualquer.
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