Os Templários de Toledo e a chegada de Virgulino Lampião
Toledo, Castella La Mancha - Espanha
Lampião invade a Espanha !
Pirro de Nijon: Dr Severo, é uma alegria te-lo aqui em Toledo nas terras de Castilla La Mancha.
Severo: A alegria é toda nossa, obrigado, e está em Toledo, esse verdadeiro Património da Humanidade, uma cidade que guarda em si a própria historia da Espanha, é simplesmente maravilhoso e gratificante.
PN: Hoje a tarde o senhor nos brindou por quase duas horas com uma brilhante apresentação sobre o Cangaço e agora nos concede essa entrevista, então para os que ainda não conhecem poderemos começar falando de Nordeste do Brasil, sertão e Lampião.
Severo: Pois não, seria importante traçar inicialmente o perfil de nossa região,onordeste.Possuímos clima e vegetação específicos, notadamente dominada pela caatinga; que os nativos indígenas chamam de Mata Branca,típica do semi-árido, com pouquíssima precipitação pluviométrica, dessa forma estamos fadados a aprender a conviver com o a Seca, rsrsrs. É uma região muito vasta dentro desse continental país que é o Brasil. Nesse habitat viveu Virgulino Ferreira da Silva, Lampião.
Virgulino Ferreira da Silva, Lampião
PN: Se tem noticias do Brasil a partir de outros segmentos, principalmente carnaval e futebol, como a Espanha, o Brasil é apaixonado pelo Futebol, e agora temos em particular o privilegio de conhecer esse personagem real, tão cheio de histórias e aventuras, chamado Lampião: Me fale quem foi Lampião...
S: Seu nome era Virgulino Ferreira da Silva, nasceu no final do século dezenove e era filho de uma família de pequenos lavradores e comerciantes da zona rural de Pernambuco, estado nordestino, teve uma infância e adolescência igual aos muitos daquele tempo e daquele lugar, conseguiu estudar um pouco e ajudava aos pais na labuta da agricultura e depois no oficio de almocreve; um tipo de mercador do sertão; trabalhando com o transporte e venda de mercadorias junto com o pai e irmãos, até ter seu destino totalmente modificado e vir a se tornar um dos maiores cangaceiros que já se teve noticia.
PN: Estou vendo as fotos que nos trouxe, e o senhor acaba de me dizer que o termo Cangaço vem desses apetrechos usados por eles...
S: Sim, alguns pesquisadores definem a origem do termo Cangaço, Cangaceiros, enfim; em função de sua forma de vestir e conduzir todos os seus pertences; no nordeste do Brasil temos um artefato chamado canga que se usa em animais para o transporte de mercadorias, por guardar certa similaridade com o uso feito desse artefato é que se derivou o termo Cangaço e Cangaceiro. Essas fotografias fazem parte de uma acervo único e organizadas neste belo livro que você tem em mãos, pelo pesquisador Ricardo Albuquerque, inclusive essas fotografias estiveram há alguns anos em exposição na cidade de Paris, França.
Iconografia do Cangaço, por Ricardo Albuquerque
PN: Vendo as fotografias é realmente espantoso e surpreendente. Como Virgulino se tornou Lampião ?
S: Existem varias correntes de estudo e interpretações; alguns pesquisadores insistem que Virgulino entrou no mundo fora-da-lei para vingar a morte do pai, outros, a meu ver com mais lucidez, se dedicam a traçar de forma mais racional um conjunto de fatores que acabou levando Virgulino a transformar-se em Lampião. Penso que não houve um motivo exclusivo, mas um conjunção de situações, como: A ausência da presença do Estado, as constantes aflições naturais dos períodos de estiagem, seca, as próprias condições de desigualdades existentes e impostas pela sociedade coronelista da época e ainda a meu ver, no claro e inequívoco espírito beligerante de Virgulino, junte todos esses ingredientes e daí começamos a entender não só Virgulino, mas um pouco mais do universo que cercava o fenômeno do cangaço.
PN: Era o inicio do século vinte, podemos dizer que os cangaceiros eram já naquela época milícias armadas, fazendo justiça com as próprias mãos na zona rural do Brasil ?
S: Não penso assim. Não existia nenhuma característica de milícia e também não diria que ali poderíamos ter um movimento armado eminentemente realizando justiça com as próprias mãos. O mundo dos cangaceiros era desprovido de princípios, a não ser aqueles que lhes eram convenientes, penso que não havia motivação ética ou de qualquer natureza que sustentasse ou justificasse a ação dos grupos de cangaceiros. É verdade que muitos entraram no cangaço por alguma injustiça sofrida ou vingar-se de uma agressão, enfim, mas no todo o cangaço, a meu ver, independente das motivações de sua origem, acabou se tornando para muitos um grande e perverso negócio, e como na máfia; quando se entrava era praticamente impossível sair.
PN: O senhor falou de máfia ? Poderíamos mesmo fazer alguma ponte comparando as duas coisas: Cangaço e Máfia ?
S: Bem, me entenda, não poderia sair por ai comparando as duas coisas (risos) , mas a partir de sua pergunta e com um pequeno esforço poderia traçar alguns pontos de reflexão, como por exemplo: Os fortes traços de organização para o crime, redes organizadas e orquestradas em torno de interesses, redes e trafico de influencia, comercio de armas, sequestro, extorsão, muitas mortes, etc etc etc; esses e outros pontos poderiam servir de reflexão e talvez conseguíssemos traçar de maneira bem empírica essa comparação (risos) , mas de uma coisa fique certo, como na máfia o cangaço era um caminho quase sem volta.
PN: Era o inicio do século vinte, podemos dizer que os cangaceiros eram já naquela época milícias armadas, fazendo justiça com as próprias mãos na zona rural do Brasil ?
S: Não penso assim. Não existia nenhuma característica de milícia e também não diria que ali poderíamos ter um movimento armado eminentemente realizando justiça com as próprias mãos. O mundo dos cangaceiros era desprovido de princípios, a não ser aqueles que lhes eram convenientes, penso que não havia motivação ética ou de qualquer natureza que sustentasse ou justificasse a ação dos grupos de cangaceiros. É verdade que muitos entraram no cangaço por alguma injustiça sofrida ou vingar-se de uma agressão, enfim, mas no todo o cangaço, a meu ver, independente das motivações de sua origem, acabou se tornando para muitos um grande e perverso negócio, e como na máfia; quando se entrava era praticamente impossível sair.
PN: O senhor falou de máfia ? Poderíamos mesmo fazer alguma ponte comparando as duas coisas: Cangaço e Máfia ?
S: Bem, me entenda, não poderia sair por ai comparando as duas coisas (risos) , mas a partir de sua pergunta e com um pequeno esforço poderia traçar alguns pontos de reflexão, como por exemplo: Os fortes traços de organização para o crime, redes organizadas e orquestradas em torno de interesses, redes e trafico de influencia, comercio de armas, sequestro, extorsão, muitas mortes, etc etc etc; esses e outros pontos poderiam servir de reflexão e talvez conseguíssemos traçar de maneira bem empírica essa comparação (risos) , mas de uma coisa fique certo, como na máfia o cangaço era um caminho quase sem volta.
Marlon Brando, o Dom Corleone em O Poderoso Chefão de Copolla
PN: Crime organizado na zona rural do Brasil ?
S: Sim, pelo menos a meu ver , apesar de ter ocorrido no sertão do nordeste do Brasil, não há duvidas que naquele momento se esboçava um fenômeno com características mínimas de crime organizado, senão vejamos: Foram mais de 20 anos de cangaço, de vida fora da lei, se falarmos apenas no ciclo de comando de Lampião, esse tempo todo percorrendo sete estados , com milhares de policiais em seu encalço, dia e noite, batalhas e mortes sem fim, interesses mil, com uma logística invejável; pontos de apoio, centenas de verdadeiras feras para alimentar, movimentar, armar, liderar... e ainda, depois de 1930 a entrada das mulheres, que viria a exigir ainda mais do líder maior, Lampião. Diante de tudo isso, arriscaria a dizer sim, que Virgulino poderia ser considerado um verdadeiro Poderoso Chefão; à sua maneira e bem no meio do sertão brasileiro do inicio do século passado.
PN: Dr Severo são tantas curiosidades, tantos aspectos, tantas perguntas, talvez precisássemos de umas 10 entrevistas (risos) mas vamos lá: O senhor falou em 20 anos de vida fora da lei, estamos falando de que intervalo de tempo e como se consegue viver 20 anos fora da lei?
S: Estamos falando de um intervalo de tempo entre 1918 a 1938. Sem dúvida nenhuma esse tempo todo nos causa espanto. Traçando um paralelo com os dias de hoje chegamos a pelo menos algumas constatações: Uma época totalmente diferente com condições e relações sociais específicas, outra realidade com relação a transportes, comunicação, segurança, acesso a serviços públicos básicos, enfim, tudo era diferente, infelizmente essa conjuntura aliada ao talento nato e a sua capacidade de comando , acabou produzindo esse ciclo tão longo de liderança de Lampião; costumo dizer que Lampião era um homem à frente de seu tempo, mesmo considerando o uso que fez desses mesmos talentos. Para você ter uma ideia, policias, o que nós chamamos lá de volantes, de sete estados brasileiros se dedicaram a combater Lampião, com vantagens e desvantagens e com certeza muitas mortes, e mesmo assim, se passaram 20 anos.
Bando de Lampião em foto clássica de 1936 de Benjamim Botto
PN: Realmente impressionante. Outra coisa a analisar a partir dessas fotografias, que o senhor inclusive me falava em off, os excessivos adereços e a forma como se trajavam, não nos parece que se tratavam de homens que estavam preocupados em se esconder, imagino que de longe essas figuras dos cangaceiros poderiam ser identificadas.
S: Interessante, esse aspecto que te chamou a atenção é mais um dos aspectos controversos do cangaço, homens que deveriam estar preocupados com a discrição e em esconder-se se trajavam de forma espalhafatosa, colorida, brilhante. Na verdade, poderemos nos deter a outro aspecto interessante do cangaço e em particular de seu maior líder Lampião. Esses homens viveram o auge de suas vidas no cangaço entre 1920 e 1940, e já naquele tempo Lampião tinha a exata noção da força de sua imagem, chego ate a brincar dizendo que Lampião foi o primeiro marketeiro do sertão.
PN: Como assim?
S: A minha impressão e chego a dizer que estou convencido, que Lampião tinha a exata compreensão da força de sua imagem e que passo a passo isso também foi sendo agregado pelos demais chefes e membros do grupo. Nesse tempo os cangaceiros eram figuras míticas, chamavam atenção por onde passavam. Ora, imagine a zona rural daquela época, uma terra muitas vezes esquecida e abandonada de tudo, aqueles grupos fortemente armados, cangaceiros, por mais paradoxal que seja, acabavam exercendo grande influencia na sociedade do sertão brasileiro; nos rapazes despertava a ilusão de uma vida de gloria, de poder, de dinheiro fácil e nas mocinhas; a ilusão da liberdade, de uma vida de amor e aventura ao lado de super homens; Lampião parece que logo cedo percebeu a grande força que sua imagem tinha, e se esmerava em mantê-la forte, daí vejo o zelo e o cuidado que o mesmo passou a ter em relação principalmente às vestimentas e indumentárias, tendo uma forte inclinação para a exposição pública e para fotografias, colaborando em muito para essa mistificação do cangaceiro no universo sertanejo.
Maria Bonita e Lampião
S: Passei cinco dias hospedado nessa maravilhosa Toledo Medieval, vi muitas coisas ligadas aos Cavaleiros Templários, mas infelizmente quando fui visitar a exposição a mesma já não estava disponível.
Continua...
Nota Cariri Cangaço: Parte de entrevista concedida pelo Curador do Cariri Cangaço, Manoel Severo, na noite do último dia 26 de Fevereiro, na cidade de Toledo, capital de Castilla La Mancha, Espanha, sede o Colégio Mayor Gregório Maranon da Universidade Castilla La Mancha.
Um comentário:
De logo somente tenho a parabenizar o amigo Severo pela excelente entrevista em terras espanholas, terras do famoso e eterno clasico Don Quixote de La Mancha, coroando de êxito a sua Conferencia em tão importante Universidade. Tudo isso so vem a engrandecer mais a mais a historia maior dos nordestinos brasileiros, a historia do cangaço, tão rica em detalhes, mas ainda tão misteriosa em outros. Tudo isso so vem a encher de orgulho a FAMILIA CARIRI CANGAÇO.
Parabéns de alegrias sem precedentes desse seu admirador!
Archimedes Marques (Conselheiro do Cariri Cangaço)
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