Cangaceiros e Volantes: Um Jogo de Baralho e Duas Mortes Por:Manoel Belarmino

Não era novidade, no sertão sergipano, o encontro de Lampião com as volantes em animados jogos de baralho. Sempre aconteciam, principalmente nas caatingas de Canindé de São Francisco e Poço Redondo. O sargento Miranda era um dos que costumavam marcar as datas com Lampião para ficarem o dia inteiro juntos jogando o "carteado 21" nas sombras dos umbuzeiros e quixabeiras nas beiras dos tanques e riachos, nos coitos.
Depois de um animado dia de jogo de baralho, em Canindé de São Francisco, na Fazenda Umbuzeiro da Senhora, onde hoje exatamente está o mercado da carne, no pátio da feira livre, Lampião e o sargento Miranda marcaram data para mais um jogo de baralho. E desta vez seria nas terras de Poço Redondo. Marcam para a semana seguinte na quixabeira do tanque da Fazenda Lagoa da Boa Vista.


Conselheiro Cariri Cangaço, Manoel Belarmino, Manoel Severo e Serginho
O dia chega. Cangaceiros comandados por Lampião e soldados das volantes de Miranda se encontraram logo cedo, conforme combinado. Rapadura, carne de bode assada e algumas bebidas estão ali. O jogo está animado. Uns perdendo e outros ganhando. Lampião e Miranda estão às gargalhadas. Ambos são bons no baralho e estão sempre em vantagens no jogo. A sombra da quixabeira está cheia de soldados e cangaceiros. Uns dez cangaceiros estão ali. E Miranda está com seis soldados subordinados. Tudo tranquilo, apesar do calor do meio dia.
Em pleno meio dia, sob um sol quente de rachar, inesperadamente apareceu um homem sobre o paredão do tanque da Fazenda, pertinho de onde está o coito dos volantes e cangaceiros. O homem estava de olhos arregalados, sem acreditar no que estava vendo. Como aquele homem podeira imaginar que cangaceiros e homens de fardas militares estivessem juntos? O homem era o mateiro José Marques da Silva, morador da Fazenda Tanquinhos, mais conhecido, naquele ligar e arredores, como Zé Marques ou Zé Doido.
Os soldados e os cangaceiros não podiam permitir que alguém os visse juntos, em conluio, num coito. Quem aparecesse num momento daqueles, se não fosse coiteiro de confiança, morreria, ou pelas balas e punhais dos cangaceiros ou pelas armas dos soldados das volantes.



E foi o que aconteceu com Zé Doido dos Tanquinhos. Lampião autorizou que o sargento Miranda mande matar o homem, o Zé Doido. Miranda destaca os soldados Oscar e Gabirote para matar o homem. E teriam que matá-lo a punhaladas para que tiros não fossem ouvidos e não despertassem interesses de curiosos. Mas Zé Doido não estava desarmado. Estava com um facão na cintura. Zé Doido reage e atinge os dois soldados. Consegue matar Gabirote, sangrando-o com uma facãozada, ali mesmo. Os soldados e os cangaceiros correm para salvar os dois soldados, mas Gabirote já está morto, Oscar ferido e Zé Doido arrriado, no chão, ainda vivo. Os soldados e cangaceiros terminam de matar Zé Doido com mais punhaladas.
O corpo do soldado Gabirote foi enterrado ali mesmo, entre o tanque e a quixabeira da Fazenda Lagoa da Boa Vista, em Poço Redondo, em uma cova feita pelos soldados e cangaceiros. O corpo de Zé Marques dos Tanquinhos foi deixado ali mesmo sobre o solo, insepulto. Soldados e volantes vão embora entristecidos, levando o ferido, sem se quer recolher as cartas do baralho que foram espalhadas pelo vento.
No outro dia, familiares encontraram o corpo de Zé Marques dos Tanquinhos e vão sepultá -lo nas margens do riacho do Juazeiro. Até pouco tempo a Cruz de Zé Doido ainda estava lá sobre a cova.

Manoel Belarmino, poeta, escritor
Conselheiro Cariri Cangaço
11/12/2019 - Poço Redondo, Sergipe

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