No mundo cangaceiro, era no coito que a cangaceirama se escondia, repousava ou se entrincheirava até novamente arribar seu destino. Quando o repouso era só de passagem, qualquer sombreado de umbuzeiro servia, mas não quando havia pernoite ou descanso mais demorado. Então, o local de estadia tinha que ser bem escolhido e oferecer meios de proteção contra as surpresas inimigas. Imaginava-se que do local estratégico, não só fosse dificultada a chegada de estranhos como fosse possível avistar qualquer movimentação suspeita ao redor e até mais adiante.
Angico, o mais famoso dos coitos, depois se mostrou como de péssima escolha aos cangaceiros. Ao invés de acoitados e protegidos, ficaram entrincheirados entre serras e montes, e ao largo da beirada de um rio, à mercê do ataque dos soldados e seus comandantes conhecedores da região. Quando a soldadesca chegou já não havia o que fazer. Era como um ninho de passarinhos cercado por gaviões. Não muito distante de Angico, ainda dentro dos sertões sergipanos de Poço Redondo, há um coito que se pode chamar de perfeito: o Coito da Pia das Panelas, na região da Comunidade Areias.
Em meio à caatinga, tufos de mato, arvoredos sertanejos e mandacarus e xiquexiques, uma colcha de pedras grandes se estende quase nos escondidos. Entre as pedras, fendas e buracos desigualam o colchão pedregoso. Por cima, verdadeiros buracos foram sendo escavados pela própria natureza e onde muita água é juntada em tempo de chuvarada. São as chamadas pias. Algumas delas cabem até mais de uma pessoa. Assim, um local perfeito para um coito cangaceiro, pois em meio à vegetação fechada e espinhenta, do alto é possível avistar as distâncias, entre as fendas é possível posicionamento para ataques, e as pias servindo como verdadeiras trincheiras para defesa e contra-ataque.
Por isso mesmo que o Coito da Pia das Panelas era um dos preferidos da cangaceirama quando de passagem pela região. E não há notícia de nenhum ataque das volantes na localidade. Mas, por outro lado, há notícias de terríveis acontecimentos no coito, e envolvendo os próprios cangaceiros e outros sertanejos. Nada menos que cinco mortes no coito e ao redor: Lídia de Zé Baiano, morta pelo próprio companheiro; Coqueiro, o delator da traição de Lídia; Zé Vaqueiro e Preta de Virgem. A quinta morte foi a de Rosinha, logo adiante. Do alto do coito se avista o Riacho Quatarvo, alguns passos mais abaixo, onde a companheira de Mariano foi morta, a mando de Lampião, pelas mãos de Zé Sereno, Juriti, Balão e Vila Nova. Quem conhece o passado da região e o que por ali ocorreu nos tempos cangaceiros, é como se os vultos ainda rondassem e os gritos ainda ecoassem por todo lugar. O sangue um dia jorrado ainda está por ali, as ossadas também. Fantasmas da história que ainda assombram. Num coito perfeito, um leito carrasquento de mortes.
Rangel Alves da Costa, pesquisador e escritor
Conselheiro Cariri Cangaço - Poço Redondo-SE
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