Fenômeno social dos mais
intricados, o cangaço é marcante na região hoje conhecida como nordeste
brasileiro entre o final do século XIX e primeiras décadas do século XX. Sua
forma mais palatável e repercutida na historiografia é a dos bandos de
cangaceiros, que têm no famigerado Lampião sua expressão mais difundida. Se
tratavam de bandos armados que circulavam por todo o sertão, invadindo fazendas
e cidades, saqueando todos os bens de valor que pudessem surrupiar.
Pode parecer que esses fora da
lei estavam totalmente em contrafação ao poder organizado no sertão nordestino,
antagonicamente posicionados às forças políticas e bélicas da região. Contudo,
são numerosos os relatos na historiografia de amizades e cumplicidades entre
esses bandos e os coronéis, expressão máxima do poder local nesse período. Bem
ao contrário, não foram poucas as vezes em que os coronéis se valeram da força
belicosa do cangaço para a consecução de seus objetivos políticos.
Talvez o mais famoso desses
casos, seja a concessão da comenda de capitão do batalhão patriótico da Guarda
Nacional a Virgulino Ferreira, o Lampião, em festiva solenidade ocorrida em
Juazeiro do Norte e presidida nada menos que por padre Cícero. À parte a
polêmica inata que esse evento ainda hoje causa entre os historiadores, esse é
apenas um exemplo, dentre tantos outros, de aliança entre os coronéis
nordestinos e essa mão de obra mercenária, sempre pronta a servir a todos os
interesses locais mediante recompensas que entendessem justas.
A mão-de-obra bélica dos coronéis
nordestinos, entretanto, não se resumia apenas a esses mercenários. Havia um
exército próprio, sempre de vigília para as lutas que se apresentassem, que
nessa época eram quase cotidianas. No cariri cearense, destacou-se a relação
com os chamados cabras. Conforme CALIXTO JÚNIOR (2017, p. 25), eram “em tempo
de paz, trabalhadores do eito, meeiros e vaqueiros. Em tempos de guerra –
cabras em armas. Viviam na dependência dos donos da terra, os coronéis
latifundiários”.
O Cariri cearense é especialmente
rico na cultura coronelata. Teve aí, seu apogeu de maior destaque na política
nacional e na belicosidade de suas relações. Não são poucos os nomes que se
destacam nesse período, como são os exemplos sempre citados dos coronéis Belém,
Antônio Luiz, Antônio Róseo, Manoel Ribeiro, Domingos Leite, Antônio Leite e
tantos outros, isso para ficarmos apenas em alguns exemplos. Claro que a figura
mais proeminente entre todos é a do padre Cícero Romão Batista, para uns outro
entre os coronéis, para outros o conselheiro e conciliador entre todos. Fato é
que foi o padre o idealizador e grande fiador do chamado pacto dos coronéis,
através do qual se buscava dar cabo à guerrilha travada entre eles na busca da
consolidação do poder local. Fato é que o Juazeiro da época do padre Cícero
conheceu muitos e famosos cabras. Fato é que esses foram elementos essenciais
na tomada do poder estadual ocorrida no ano de 1914.
Mas igualmente não se poderá
jamais abordar de maneira completa o fenômeno do coronelismo e suas intricadas
relações com os cangaceiros, sem levar em conta ainda a elevada figura de dona
Fideralina Augusto Lima e seu portentoso e tumultuado feudo, lugar em que
reinaram várias gerações entre seus descendentes. De todos eles, o mais
destacado é sem dúvidas o seu filho, coronel Gustavo Augusto Lima, que depois
de sua mãe, foi de longe a maior e mais destacada liderança daquela região do
Vale do Salgado, que por isso colecionou muitos correligionários e inimigos de
destaque e força política, como é o melhor exemplo do poderoso Floro
Bartolomeu, reconhecido alter ego político do próprio padre Cícero. Sempre com o apoio
inestimável dos seus cabras, tomou o coronel Gustavo seu lugar definitivo na
história do Ceará e do coronelismo nordestino.
Pesquisador e escritor Jorge Emicles
ICC-Instituto Cultural do Cariri
Parte de 1 de Artigo de Jorge Emicles
E vem ai
Cariri Cangaço 10 Anos
Crato-Juazeiro do Norte-Barro
Missão Velha-Lavras da Mangabeira
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