A Intrigante Morte de Bom de Veras Por:Sálvio Siqueira

Coronéis, Chico Heráclito e Chico Romão

Entre os anos de 1919 a meados de 1927 o Sertão nordestino viveu o seu maior ciclo de terror. Nesse período foi quando mais se alastrou o banditismo rural com a formação de muitos grupos cangaceiros. Desde o Alagoas até o Cariri cearense, passando pela Paraíba e Pernambuco, os grupos de cangaceiros infestavam as caatingas e de quando em vez invadia Vilas, Povoados, pequenas cidades e sedes de algumas fazendas furtando, roubando, matando e extorquindo.

É sabido de que sem a proteção, o apoio e a colaboração de alguns “coronéis”, os mandachuva regionais, a sobrevivência dos bandos cairia à zero. A partir de 1922 um jovem pernambucano, natural de Vila Bela, começa a destacar-se dentre os vários chefes cangaceiros impondo táticas de guerra de movimentos deixando a Força Pública de vários Estados meio zonzas em suas missões.

Esse jovem chamava-se Virgolino Ferreira, o qual herdou o bando do chefe cangaceiro Sinhô Pereira, transforma-se naquele que seria o mais temido pelos sertanejos. Quando planejava uma ‘empreitada’ de grande porte, Virgolino, já alcunhado de Lampião, mandava convites para alguns chefes de bandos para que se juntassem ao bando chefiado por ele, no que era acatado sem muita demora ou contradições.

Surge o bando dos “Marcelino” composto pelos irmãos Manuel, Vicente e Pedro Marcelino que logo passam, respectivamente, a chamarem-se “Bom de Veras”, “Lua Branca” e “Vinte e Dois”.

Coronel Chico Romão

Bom de Veras participou mais intensamente das ações do grupo de Lampião, pois, em determinada época, fez parte e foi chefiado pelo mesmo. Registros literários nos mostram que Bom de Veras estava em Juazeiro do Norte, CE, no dia 4 de março de 1926 junto a Lampião quando esse recebe a patente de Capitão Provisório dos Batalhões Patrióticos. No decorrer desse ano Bom de Veras, ou seu nome, aparece constantemente junto ao de Lampião em várias ações praticadas pelos cangaceiros; foi denunciado em 1º de agosto daquele ano no processo instaurado sobre o ataque a fazenda Serra Vermelha; também é citado como participante do ataque a fazenda Tapera em 28 de agosto quando da chacina de alguns integrantes da família Gilo e é referido que tomou parte no combate da Serra Grande em novembro de 1926.

O bando dos Marcelinos, sob o comando de Bom de Veras, formou um bando que, segundo as informações de alguns autores, chegou a ser composto por, aproximadamente, vinte ‘cabras’ em determinada época..
Em setembro de 1926 o bando atacou a fazenda Granito. Tiveram participação no ataque a cidade de Cabrobó em 2 de setembro e, em 23 de novembro, teve participação no ataque a Vila de São Francisco.

Bom de Veras é abatido na véspera do natal de 1926, próximo à cidade de Salgueiro, PE, pela volante comandada pelo cabo Alfonso Rodrigues comandado por Theófenes Ferraz Torres. Como em quase toda morte de uma personagem de destaque nas hastes cangaceira, sua morte também é envolta em mistérios e possui mais de uma versão.

Manoel Severo, Peixoto Junior e Ângelo Osmiro

Principiando, mostraremos parte do depoimento de um parente do coronel Chico Romão, senhor dominante do Vale do Pajeú das Flores em Pernambuco, até o sul cearense, o qual é citado como mandante ou delator do chefe cangaceiro o qual encontramos na obra, livro, Os Fuzilados do Leitão:

“(...) Sobre o cangaceiro Bom de Veras, o que eu sei da história é que, o ponto principal era a fazenda que pertencia ao seu amigo e compadre (amigo e compadre do coronel Chico Romão), naquela localidade ( a fazenda Branquinha no município de Serrita, PE). Só que existe duas fazendas com o mesmo nome. Uma era do coronel Chico Romão e a outra era do herdeiro do coronel Agemiro Sampaio de Barbalha, que na época era esse amigo e compadre de tio Chico. Foi lá que se deu o roubo. Naquela época não tinha carros por aqui. Os ricos, em vez de carros possuíam cavalos(...). Sobre o tal roubo deu-se o seguinte, a fazenda ficava entre Serrita e Salgueiro(por um desvio) depois que roubou os animais, acampou a 3 km depois de Serrita. Um vaqueiro do compadre, seguiu o bando de Bom de Veras até o esconderijo. Voltou para Serrita e passou a informação para o patrão. Esse, dirigiu-se imediatamente para a casa de tio Chico em busca de ajuda. Meu tio mandou de imediato alguns homens de sua confiança selar os animais e acompanhá-lo, lá encontra o cangaceiro e seu pequeno grupo:

- Bom de Veras, eu vim resgatar os cavalos do meu compadre e amigo que você roubo!

Bom de Veras não esboçou reação nenhuma naquela hora.

Tio Chico corajosamente, fez uma advertência:

- Retire-se imediatamente do município de Serrita e entregue já os cavalos do meu compadre!

E acrescentou ainda (que) logo que chegar a Serrita mandaria buscar um reforço policial em Salgueiro.

Um doa cangaceiros ainda disse para o seu chefe Bom de Veras:

- Bom de Veras, nós vamos deixar esses homens sair daqui vivos?

Ele disse:

- Vamos cumprir o que o coronel está dizendo!

E entregou os cavalos de estimação do amigo de tio Chico Romão(...).” (VM, Pg 51 a 52,2012)

Seguindo a narração, o Sr. Lebom Ximenes Maia, sobrinho do coronel Chico Romão, acrescenta:

“O Coronel Chico Romão ao chegar a Serrita mandou rapidamente o pedido de reforço à polícia de Salgueiro. A volante chegou rápido a Serrita. Tio Chico mandou alguns de seus homens acompanha-la. Seguindo o rastro do bando até o esconderijo num local chamado Cachoeira da Miséria, no minadouro, onde teve início um tiroteio infernal. Bom de Veras foi morto(...). Só foi encontrado dias após. Já em estado de putrefação do corpo ( o mau cheiro teria chamado a atenção dos moradores). Seu bando foi disperso. Uns capturados e feridos. Outros, evadiram-se.” (VM, 2012)

Já o escritor José Peixoto Júnior, através de seu livro “Bom de Veras e Seus Irmãos”, nos conta dessa forma a morte do terrível cangaceiro:

“(...) Na ribeira do Riacho do Cachorro integrantes do grupo assaltaram um eleitor de Chico Romão, levando vinte e seis mil réis em dinheiro e peças de ouro. O eleitor correu até Serrita para queixar-se ao chefe amigo. Sem perder tempo, o coronel passou a perna na montaria do queixoso, por sinal cavalo de sela esquipador, e saiu em busca dos bandidos. Mandou um positivo ao Salgueiro comunicar o desaforo ao delegado civil de polícia Levino Barros(...).”

Notamos aqui uma contradição, entre uma e outra citação, sobre o produto do roubo e, na última, a não participação do chefe Bom de Veras. Continuando, o autor nos revela:

“(...) Na sede da Fazenda o grupo havia-se acomodado ocupando a casa sentados no chão. Aproxima-se, sozinho, o coronel Chico Romão e Bom de Veras vai recebe-lo no terreiro. Desapeia e, sem rodeios nem saudações, vai dizendo:

- Cadê o ouro e o dinheiro que os cabras seus roubaram no Riacho do Cachorro!?

Não foi difícil ao chefe da cabroeira encontrar os culpados.

Eram dois novatos, ainda titubearam, porém não se contiveram ante a ameaça da revista. Bom de Veras passou-lhes descompostura, pois estavam todos avisados de que nos domínios do cel. Chico Romão ninguém punha a mão em nada.

Nisso, o cabra Criança, muito atrevido, indagou de Bom de Veras:

- Padim, num tá no tempo de nós acabar o nim dos Romão?!

E Chico Romão de semblante sisudo, o olho fechado mais arregalado que o olho bom, respondeu com ares de mofa:

- Menino, esse ninho é muito grande!

Montou no cavalo, deu de rédeas e saiu sem se despedir, com o roubo recuperado. Talvez, não fosse esse assunto do ninho, e os soldados mandados de Salgueiro sido aconselhados a voltar(...).” (JP. 2009)

O chefe cangaceiro Bom de Veras jamais imaginou que seu protetor, o coronel Chico Romão, deixaria a polícia persegui-lo dentro dos seus domínios. Continuou na fazenda e esperou pela noite com todos se divertindo, jogando cartas e tomando cachaço. Chegando a Serrita a volante comandada pelo cabo Afonso Rodrigues, o mesmo se dirigiu ao coronel a procura de informações sobre o paradeiro do bando. Passado as informações, o cabo segue com cautela e planeja um cerco e um ataque aos cangaceiros.

O cabo dar ordens para que sua tropa cercasse a casa e dá voz de prisão ao chefe cangaceiro dando-lhe garantia de vida. Em resposta, o cangaceiro descarrega seu mosquetão de dentro da casa em direção aonde se encontrava o cabo Afonso. O mundo fechou-se e tiroteio foi tremendo. Pessoas dentro da casa se feriram e depois de certo tempo os cangaceiros furam o cerco e caem dentro da caatinga. Três dias depois o corpo do chefe cangaceiro Bom de veras é encontrado por uma senhora chamada Neném Alexandre.

A posição em que foi encontrado o corpo do cangaceiro é que nos chamo bastante atenção. Certamente não foi ferido no combate com a Força Pública naquela noite, apesar da imprensa noticiar de que sua morte deveu-se ao combate contra a volante do cabo.

O Jornal Pequeno, da cidade do Recife, em sua edição do dia 27 de dezembro de 1926 tráz a seguinte notícia:

“ No dia 24 do corrente, em Salgueiro, o cabo Afonso Rodrigues, um dos mais destemidos servidores da força do major Theophanes Torres, com 11 praças cercou um grupo de 18 bandoleiros, chefiados por Manoel Marcelino, vulgo “Bom Deveras”, depois de Lampião o mais terrível do grupo. O combate foi prolongado, oferecendo os bandidos uma tenaz resistência”.

Segundo o José Peixoto, o corpo do cangaceiro foi encontrado na seguinte posição: “Dobrado sobre o ventre, sentado na batata das pernas, tórax curvado para frente até a cabeça apoiar-se no chão, cotovelos afastados, pois as mãos seguravam firme o mosquetão, ora separando coxas do abdômen e servindo de espeque para o corpo não cair de lado, jazia Bom Deveras. Um furo entupido de sangue no barbicacho passado na testa, do seu chapéu de couro, mostrava o caminho da bala.”

De maneira alguma uma pessoa recebe um tiro de fuzil na esta e tem reflexo para ficar na posição em que foi encontrado o corpo do cangaceiro. Tiveram que decepar, cortar fora, os dedos da mão que segura sua arma, mostrando que foi morto com uma arma de calibre menor. Até pode ter sido abatido por um dos próprios companheiros... mas esse será mais um dos mistérios contidos na saga cangaceira.

Sálvio Siqueira, Pesquisador
Fonte Obras Citadas
Jornal Pequeno do Recife – 27/12/1926
Foto “Os Fuzilados do Leitão – Uma Revisão Histórica” – MACIEL, Vilma. 2ª Edição. 2012.
Identificação:
1 - Coronéis Heráclio e Chico Romão
2 - Coronel Chico Romão
3 - Bando de Lampião em 1926

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